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Vacinas à jato

Está todo mundo comemorando um remédio produzido às pressas, sem controle, sem avaliação de segurança, sem padrões mínimos de efetividade garantida e após uma onda de desinformação e pânico mundiais que foi no mínimo “estranha”? Isso me lembra o Tamiflu, que gerou milhões de dólares para a empresa farmacêutica do Donald Rumsfeld, e que agora sabemos tinha a mesma eficácia do AAS…

Não acham que estão comemorando um “negócio da China”, mas não para nós? Quem vai lucrar com o nosso medo, mais uma vez?

Lembram da pílula do Câncer que foi detonada até no Fantástico por não seguir as normas e os tempos determinados pela boa pesquisa médica para um uso seguro e uma eficiência comprovada? Pois agora, os mesmos que detonaram seu uso saúdam quando em poucos DIAS uma empresa israelense avisa que tem uma vacina para o corona vírus.

Coerência, Senhor, coerência.

Parece que o que vale mesmo são os zilhões de dólares de lucro pela venda de uma droga sem eficácia ou segurança comprovadas que chega ao imaginário popular após uma “campanha” muito consistente de pânico mortal pelos inimigos invisíveis de sempre. Primeiro instala -se o pânico; depois vende-se a cura sem nenhuma comprovação, apenas premidos pela urgência. Antes foi o Tamiflu a enriquecer muita gente, agora serão vacinas feitas nas coxas.

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Cesarianas e classe social

Durante os anos 90 eu atendi um parto, num hospital de periferia, que eu nunca esqueci pelos seus significados sobre o dilema das cesarianas. Os pacientes deste hospital eram egressos de uma vila popular muito pobre do cinturão que cerca Porto Alegre. No entanto, este parto em especial, era de uma família levemente mais abonada. Não traziam nas roupas ou nas palavras os estigmas da pobreza que eu estava acostumado a ver em quase todas as outras famílias que procuravam o centro obstétrico. O pai do bebê a nascer estava presente e a gestante tinha um pouco mais de idade do que a adolescência habitual.

Depois de admitida em trabalho de parto inicial o esposo me chamou para falar. Perguntou, de forma respeitosa e com palavras bem escolhidas, como estava sua esposa e o que deveria esperar para as próximas horas. Eu lhe respondi que estava tudo bem e que o parto só deveria ocorrer em várias horas. Ele aquiesceu com a cabeça e me cumprimentou, avisando que iria embora e voltaria mais tarde. Voltei para minha sala, mas antes que eu pudesse fechar a porta ele bateu no meu ombro e disse:

– Desculpe, doutor. Esqueci de dizer que, se precisar fazer uma cesariana, dinheiro não será o problema. Somos pobres, mas temos condições de arranjar o que o senhor cobrar.

Expliquei a ele que aquele era um hospital público, e que nenhum tipo de pagamento era necessário, muito menos permitido, mas que ele tivesse confiança que tudo faríamos de melhor para sua esposa e seu bebê. Porém, aquele homem assustado havia me mostrado que o parto normal de sua esposa significava não uma opção pela segurança e pelas boas práticas – o que verdadeiramente é – mas a submissão a um modelo imposto pela sua condição de pobre. As cesarianas ocupavam em seu imaginário “aquilo que se pode escolher quando se é de outra classe“.

A raiz da epidemia de cesarianas no Brasil está na divisão de classes. As pessoas não fazem escolhas racionais nesse campo. Muitos casais compram um convênio médico logo após casarem apenas para serem atendidos de forma “diferenciada” no parto. Cesarianas servem como símbolos de status que a classe média utiliza para se afastar do que significa ser pobre, “a quem não cabe escolha“. Para mudar esta tragédia no Brasil é fundamental mudar a imagem que todos temos da cesariana e do parto normal, desvinculando a escolha cirúrgica de uma opção pela segurança e como emblema de ascensão social.

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O Ódio ao Parto Domiciliar Planejado

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O parto domiciliar causa tanto ódio, raiva e produz tantos ataques da corporação médica mesmo sendo absolutamente desimportante do ponto de vista estatístico. Ele representa bem menos de 1% dos partos. Por que tanta raiva?

Se a segurança das pacientes fosse o temor, por que se admitem cesarianas a rodo quando sabemos cientificamente que elas multiplicam o risco de morte materna e neonatal, além de elevar exponencialmente os riscos de danos a ambos e produzir custos estratosféricos?

Se a segurança fosse a preocupação por que os hospitais privados não são obrigados a ter anestesistas de plantão exclusivos para a obstetrícia para dar conta de emergências obstétricas? A razão é que não se trata de oferecer segurança, mas de manter “controle”. Em sua casa a mulher está no comando e a corporação patriarcal não pode lhe lançar os olhos. Não se trata de “cuidar melhor”, mas de controlar esta mulher em seu momento mais íntimo. A medicina é um braço do patriarcado, ocupada em conservar e disseminar seus pressupostos. Ela é em essência, conservadora e em oposição aos movimentos que lutam pela liberdade da mulher.

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Local de Parto

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Terminei de escrever uma entrevista para Fernanda Canobel, querida aluna do último Curso de Doulas em Campinas, a respeito de diversos aspectos relacionados à humanização do nascimento, assim como o espectro de atuação das doulas no novo cenário de atenção ao parto que se descortina para o Brasil. Creio que num futuro próximo possamos ver este trabalho da Fernanda, que ainda conta com a contribuição de outros profissionais. Vou publicar, apenas como “teaser” uma resposta que dei que parece ser absolutamente necessária. Esta semana fiquei sabendo que um professor de medicina de Porto Alegre disse que eu era um defensor do “parto domiciliar” (e não da humanização, que ele chamou de “animalização”), mas com isso tentava afirmar que esta defesa servia como um rechaço ao “parto hospitalar”, como se eu estivesse julgando as opções que as mulheres fazem de parir em uma maternidade. Por isso eu creio ser importante responder a esta questão, para não deixar dúvidas sobre a questão “local de parto”.

P – O parto domiciliar é melhor que o hospitalar?

R – Não, em hipótese alguma. É necessário reverter esta lógica “universalista” para uma lógica “subjetiva”. Seria o mesmo que perguntar “Música erudita é melhor do que música popular?”. A resposta seria a mesma para ambas as perguntas: “Depende de quem ouve e de quem está parindo!”. Para algumas mulheres, a tecnologia em abundância oferece uma sensação de proteção e conforto durante o processo de parto, em função do mergulho que as sociedades ocidentais fizeram na “mitologia da transcendência tecnológica”, que afirma que tudo que é tecnológico é superior à alternativa que a natureza oferece. Para outras, a tecnologia pode ter um efeito contrário, e se tornar elemento opressor para um evento natural e fisiológico. Para as primeiras os hospitais são os melhores lugares para receberem seus filhos. Para as outras, a própria casa, ou uma casa de parto, seriam ideais. Os sistemas, públicos e privados, de atenção ao parto devem prover as mulheres com TODAS as opções possíveis, para que elas possam parir com o máximo de segurança. Para aquelas que desejam parir em um hospital (no momento, a gigantesca maioria), há que providenciar atenção, humanização, vagas suficientes e suporte técnico. Para as que desejam as Casas de Parto, é necessário construir centenas, talvez milhares pelo país afora, e capacitar esta atenção com profissionais bem treinados, equipamentos corretos e um sistema ágil de transferência. Para os partos domiciliares, precisamos primeiramente respeitar os profissionais que atendem as pacientes que assim desejam ter seus filhos, sem ameaças e perseguições, mas com controle e aprimoramento técnico, principalmente no que diz respeito aos critérios de seleção para o parto domiciliar.

O discurso do professor se baseia em sua visão pessoal do nascimento como evento perigoso e que só pode ser cuidado adequadamente por cirurgiões, especializados nas piores tragédias que podem acontecer. Eu respeito esta visão, mas creio ter o direito de oferecer uma mirada alternativa. Acredito na capacidade intrínseca da mulher de gestar e parir com segurança, e vejo isso se repetir milhares de vezes todos os dias, mesmo nas condições mais adversas. Não desmereço a importância de termos cuidados com os eventos dramáticos, mas sei que podemos fazer muito pela sua diminuição com uma atitude mais branda em relação à atenção. Os perigos que o nobre professor menciona são em grande parte gerados pelo próprio sistema misógino e insensível de atenção que ainda existe em muitos lugares, de forma inconsciente, como parte da ideologia machista de nossa sociedade. Mas, sua posição como professor, faz com que sua particular visão sobre o nascimento seja captada por “osmose” pelos alunos, que de forma acrítica replicam os conceitos recebidos. Por esta razão é que a obstetrícia atual mantém-se insensível (apesar de muitos avanços, é importante admitir) às questões do protagonismo e a autonomia, que são assuntos do terreno da ética, e que nos países europeus do oeste – e mesmo nos Estados Unidos – já foram absorvidos pelos profissionais como obrigações inquestionáveis e direitos inalienáveis dos pacientes. Aqui ainda estamos numa fase muito autoritária, mas que apenas terminará quando as mulheres reivindicarem o papel que lhes cabe no processo: o protagonismo pleno no nascimento de seus filhos, com o auxílio de profissionais que respeitem esta posição.

Eu francamente não me importo de ver a humanização ser chamada de “animalização”, até porque não deixamos mesmo de ser “animais”, e pela mesma razão nunca achei errado o Michel (Odent) convocar o movimento para “mamalizar” o parto. Entretanto, o professor usou a palavra “animalizar” na tentativa de desmerecer os esforços pela humanização do parto. Por outro lado, a nossa “falta de defesa” – e o fato de que assumimos nossa “animalidade” e reconhecemos que muito temos a aprender com a “etologia do parto” (o estudo do comportamento animal aplicado ao processo da parturição) – já serve como uma boa resposta. Muitas vezes o silêncio esclarece mais do que um milhão de palavras. Somos MESMO animais, e temos nossas pegadas muito distantes: no barro cambriano dos oceanos quentes e na poeira das estrelas que nos aguardam. Se somos anjos e desejamos voar, também somos bichos e queremos dormir placidamente no colo da natureza.

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