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Inevitável

Nada se compara ao que Israel – o único Estado explicitamente racista do mundo – está fazendo com a população ocupada da Palestina desde o início de outubro. O exército mais covarde e imoral de todo o planeta está mostrando uma versão compactada de todas as crueldades que executou nos últimos 76 anos. Nada supera a narrativa genocida dos políticos de Israel, nem mesmo o que se escutou dos monstros nazi em meados do século passado.

Infelizmente, para eles, agora temosalternativas para uma livre circulação de informações, que antes eram filtradas por 4 ou 5 sistemas internacionais denotícias, dominados pelos interesses da burguesia. Pelo menos hoje, qualquer sujeito com um celular na mão é um jornalista, infinitamente mais honesto do que aqueles que trabalham para a imprensa do Brasil ou para a imprensa burguesa internacional. Por esta singela razão, está quase impossível manter por mais de 48 horas as mentiras que sobreviviam por décadas no passado não tão distante. Estivéssemos nos anos 60 e até agora a versão mentirosa dos “bebês sem cabeça“, o “ataque à Rave” ou os “estupros” de mulheres israelenses ainda seriam as versões oficiais, e a população de todo o planeta estaria repetindo de forma enfadonha a farsa montada por Israel.

Hoje já sabemos o quanto Israel é um país criado sobre uma montanha de corpos e páginas infinitas de mentiras, fraudes e manipulações. Essa fábrica de inverdades só pode se sustentar através da compra sistemática de políticos e da imprensa. Não fosse pelo jornalismo independente que apresenta um contraponto consistente e factual aos influenciadores sionistas – ou aqueles pagos por eles – e muitos ainda manteriam a tese de que o hospital de Shifa veio abaixo por “fogo amigo” palestino, tese que foi facilmente desmontada logo depois com a ajuda de especialistas do mundo todo. Cada dia é mais difícil sustentar a farsa de Israel. Nos anos 40 do século XX era possível mentir sobre “Um povo sem terra para uma terra sem povo“, mas hoje a pústula se rompeu e o que vemos escorrer são as falsidades, as mortes, os abusos e a corrupção de uma colônia branca europeia sobre a terra dos palestinos, acumulada em 76 anos de ocupação e arbítrio.

Boa parte da imprensa insiste em chamar o “Hamas” grupo “terrorista”, tentando forçar a narrativa de que a luta pela Palestina é a batalha da “luz contra as sombras“, como disse Bibi Netanyahu, mas é mais do que óbvio para qualquer um que repouse os olhos sobre a história da região que os invasores cruéis da Europa é que representam as trevas, e aqueles que lutam pela liberdade, a autonomia e a dignidade dos palestinos são os que levam a luz para a região. Também querem nos fazer acreditar que o problema é o “Hamas”, a resistência armada palestina, mas a verdade é que mesmo que fosse possível destruir todos os combatentes desse grupo e no dia seguinte outros tantos milhares se alistariam para a luta, porque eles representam a única chance de vida digna para a população de Gaza. Para cada combatente morto, dois mais se alistam para lutar pela liberdade.

O chanceler russo Lavrov declarou há alguns dias ser impossível pensar em paz sem a criação de um Estado Palestino soberano, livre, com defesa, com aeroporto, com moeda, com economia e com plena conexão com a Cisjordânia, mas é claro para qualquer observador que esta é uma solução necessária, porém paliativa. O mundo não pode aceitar mais o sionismo ou qualquer forma de organização social baseada no racismo e na exclusão. Mesmo um país só para judeus mantido ao lado da Palestina deveria ser objeto de boicote internacional, pois que este tipo de organização viola frontalmente todo o arcabouço jurídico e ético que sustenta a democracia.

A luta pela paz é uma tarefa de todos nós. Como dizia Nelson Mandela, “Sabemos muito bem que a nossa liberdade é incompleta sem a liberdade dos palestinos”. É preciso aumentar o boicote à Israel, forçar os representantes diplomáticos a encerrar qualquer conexão com este país, determinar um “cerco” econômico ao racismo branco de Israel, reforçar o apoio à Palestina Livre e sair às ruas até que Israel recue em seus objetivos de genocídio e limpeza étnica. Desejamos um Estado Palestino único e democrático, que possa aceitar todas as crenças, todas as culturas e todas as raças sob a égide dos direitos humanos e da plena democracia.

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Arquivado em Causa Operária, Palestina, Pensamentos

Mães

Certa vez uma senhora, paciente de muitos anos, trouxe a sua filha adolescente para consultar comigo, mas pediu para entrar primeiro e dizer “umas palavrinhas” antes da consulta da garota. Ela então disse que achava que o namoro da filha com um rapaz da escola estava ficando muito “quente” e que seria bom ela tomar anticoncepcionais antes de ter relações, para evitar alguma “tragédia”.

O senhor sabe como é na idade dela…. eles são tão novinhos.

Perguntei se a filha já estava tendo relações ao que a mãe falou: “Não, ainda não. Se ela estivesse tendo eu saberia. Confio na minha filha; ela conta tudo para mim. Somos grandes amigas”.

Fiquei em silêncio e avisei a secretária para deixar a menina entrar e solicitei que a mãe aguardasse na recepção. A mãe saiu e quando cruzou com a filha no hall que leva à recepção porta elas se abraçaram afetuosamente.

A menina entrou e sorriu. Perguntei a ela se achava que deveria se preocupar com anticoncepção e ela respondeu afirmativamente. Questionei se ela já estava tendo relações sexuais ou era um plano para o futuro. Ela respondeu sem titubear:

– Ahh, não doutor. Tenho relações há dois anos, mas agora estou namorando firme. Mas, é claro, a minha mãe não sabe dessa história toda.

Deixou cair sobre o rosto um sorriso maroto. Eu, cá com meus botões, pensei “Jesus seja louvado”.

Quer saber o que me deixava em pânico no consultório? Quando uma mulher madura, mãe de adolescente, me dizia: “Não tenho segredos com a minha filha. Ela me conta tudo; sou sua melhor amiga. Nunca houve mentiras entre nós”.

Eu, silenciosamente, pensava: “Como você permitiu que sua filha perdesse a preciosidade de uma mãe para ganhar a banalidade de uma amiga??” Como diria o sujeito aquele que foi buscar duas garrafas de Coca Cola na geladeira, “mãe só tem uma”, já os amigos a gente cria, se desfaz, reconquista, troca, esquece ou mantém com fervor. São instâncias de afeto completamente distintas, com pesos diferentes na constituição sujeito.

Assisti faz tempo a uma famosa entrevista onde uma repórter pergunta para Madonna, no auge de sua fama, se haveria alguma coisa pela qual ela trocaria todo o dinheiro e reconhecimento que havia alcançado nos últimos anos. Sem trocar o sorriso do rosto a cantora exclamou, sem titubear: “Uma mãe”. Madonna perdeu sua mãe muito cedo vítima de um câncer.

Mas, para além disso, como exigir que uma adolescente tenha seus segredos, paixões, desejos e fantasias expostos ao julgamento da mãe? E, pior ainda, como expor os jovens aos dramas e às dificuldades da vida adulta, em especial os dilemas da vida sexual e amorosa dos pais? Poucas coisas são mais cruéis do que essa promiscuidade afetiva. A “amizade” entre mãe e filha me parece sempre um sintoma materno produzido pelas dificuldades de ver os filhos indo embora. A amizade lhes ofereceria uma ilusória proteção diante dos seus dramas pessoais; agarram-se aos filhos abrindo mão até da maternidade, pelo amparo de que tanto necessitam.

Lembro bem do orgulho que senti quando, caminhando pela rua com meus filhos pré-adolescentes, eu lhes disse: “Sentiram esse cheiro? Isso é maconha”. Eles se entreolharam e deram gargalhadas, deixando-me com cara de bobo, por imaginar que estivesse lhes contando uma novidade. Ali percebi que havia para eles um universo que era para mim interditado, próprio, privado e que eles jamais haviam me contado. Ao lado da tristeza de perdê-los tive o vislumbre de que a vida madura se expressa por esses “fracassos”, distanciamentos que se impõem, permitindo assim que as subjetividades prevaleçam.

Há muitos anos eu estava de plantão no hospital quando chegou uma senhora carregando um bebê e gritando desesperadamente pelos corredores. Ajudei a colocar a criança sobre uma cama e me surpreendi com o fato de que não era um bebê, mas um jovem de 19 anos (soube depois) com o tamanho de um bebê e com o corpo totalmente atrofiado por uma doença congênita. O jovem sucumbiu por uma pneumonia devastadora em minutos e tivemos apenas tempo de vê-lo expirar diante de nós; nenhuma ação teve efeito diante do quadro gravíssimo no qual chegou. Depois de comunicado o óbito, a mãe entrou em desespero e passou a atacar a equipe do hospital, sendo contida pelo marido que pedia que se acalmasse.

Passados alguns minutos, e mais tranquila, ela se desculpou e veio me dizer que aquele filho significava tudo na sua vida, toda sua atenção e devoção desde que nasceu. Ele demandava cuidados diários intensivos e até estafantes para ela. “Ele inclusive dormia comigo na cama, ao meu lado”, disse ela.

Naquele exato momento me dei conta das razões recônditas do desespero, que extrapolavam em muito a perda de um filho querido. Sem seu filho amado a lhe servir de escudo, como enfrentar agora os dilemas de sua vida afetiva e seu envelhecimento inexorável? Como encarar a vida a dois sem seu “bebê” a lhe garantir o amparo afetivo? Sem sua presença, como enfrentar as demandas que, por certo, haveriam de ocorrer?

A maternidade, pelo seu poder e seu significado na perspectiva da espécie humana, tem o poder mítico de produzir tanto as luzes mais fulgurantes quanto as trevas mais obscuras.

https://youtu.be/Zoi9lqmZjGk

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