Existe uma brincadeira que todo tio ou avô já fez com seu sobrinho ou neto. Eu até acho que como pai eu não fazia, mas agora velho acho irresistível: dar um tapinha no ombro contrário do meu neto e me fazer de maluco. Enquanto ele olha para o lado oposto em que estou tenho tempo de me recompor e fazer cara de paisagem. Aí ele me diz com uma graça irresistível: “Eu sei que foi tu, vovô!!”, ao que eu respondo com surpresa e indignação.
Talvez algum psicólogo critique esta brincadeira, analisando-a sob a ótica das novas concepções do desenvolvimento emocional infantil, mas não consigo resistir, em especial porque depois ele tenta fazer o mesmo comigo e preciso encenar uma atuação espetacular para mostrar a ele que também estou sendo terrivelmente ludibriado.
Entretanto, no último domingo aconteceu um fato interessante. Estávamos almoçando em um restaurante e o Oliver sentou ao meu lado. Na TV à frente passava um jogo de futebol. Oliver comia uma fatia de pizza despreocupadamente e num momento de distração cutuquei seu ombro. Ele se voltou para o lado oposto onde eu estava, como esperado, e eu tive tempo de retornar para minha posição estática, sério e de olhos vidrados na TV.
Foi então que ele me surpreendeu. Quando me viu de braços cruzados, sério, compenetrado e olhando a TV…. ele chorou. Fez um muxoxo e disse “Não gostei”. Imediatamente sua mãe ralhou comigo, mas eu fiquei intrigado com o seu pranto. Comecei a falar com ele e notei que intercalava risadas envergonhadas com muxoxos. Fiquei intrigado pois queria entender a razão de chorar diante da brincadeira que era comum entre nós.
A resposta para esta indagação veio mais tarde quando pude reconhecer que o problema – perdão pela petulância – foi a excelência da “performance”. Sim, ao contrário das outras vezes, onde o criminoso é sempre um tanto óbvio, meus braços cruzados, o olhar fixo na TV e minha cara séria o desconcertaram. Eu o coloquei em contato com uma angústia bem primitiva: o medo do desconhecido.
Talvez este seja o mesmo fator que faz as crianças em especial (mas também os adultos) adorarem mágica. Existe uma regra básica na performance: o mágico é o elo entre o real e sua expressão aos sentidos. É por ele que o truque passa, e a nossa ansiedade é controlada por esse conhecimento. “É tudo uma ilusão, mesmo que eu não saiba como se produziu”. O mágico fez aquilo, de alguma forma.
Para Oliver o toque no ombro é obra de alguém, e isso lhe permite confiar nas leis do universo e transitar por ele com alguma segurança. Entretanto, se o avô estava tão distante do fato, com um comportamento tão alheio… poderia não ser ele – pelo menos desta vez. Quem seria? Que outra realidade poderia existir? Seria possível uma “mágica” real, verdadeira, um efeito sem causa?
Talvez isso tenha deixado Oliver com medo: a possibilidade de eventos que não podem ser explicados e traduzidos pela sua lógica, algo que lhe foge à compreensão. O “erro” cometido foi ser competente demais, não fazer uma boca torta ou um sorriso contido que denunciasse o truque e mostrasse o culpado. Isso o aliviaria “Ufa, foi o vovô de novo“.
Lembrei disso essa semana ao debater alguns temas no Facebook e perceber a angústia que desperta nas pessoas a apresentação de formas alternativas de abordar a realidade. Esta é a mesma angústia que sofrem os religiosos quando confrontados com a possibilidade de um mundo governado por leis outras que não a autoridade máxima de um Deus antropomórfico. Diante de uma ordem cósmica incompreensível – à primeira vista – a atitude natural é a negação e o combate visceral, como se aquela forma diferente de interpretar o mundo fosse uma ameaça à sua sanidade. Acontece na Medicina e em qualquer área do conhecimento.
Todavia, crescer é, acima de tudo, enfrentar esse desafio e encarar o abismo que se apresenta quando abrimos a porta para o universo e nos deixamos impregnar pela escuridão do infinito.