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Deus

Muitas vezes vejo pessoas falando dos ateus, seja elogiando ou criticando, mas percebo que em verdade estão se referindo aos agnósticos. Existem diferenças, ao meu ver, nas posições defendidas por ambos. O ateu (a-não, teo-Deus), via de regra, crê fervorosamente na não-existência de um criador. Acredita que o universo foi criado pelo processo expansivo brutal e violento do Big Bang, sem a interferência de uma entidade qualquer, uma “sabedoria suprema, causa primária de todas as coisas”. Já o agnóstico simplesmente não vê provas suficientes e definitivas para acreditar na existência de Deus, mas também não desacredita nela e nem a refuta peremptoriamente; ele apenas não consegue fazer qualquer afirmação sobre o tema, pela ausência de provas que atestem a existência de qualquer divindade.

A forma como imagino esse dilema é através desta simples analogia: é como postar-se diante de uma porta fechada. Diante do fato concreto – a existência de uma porta – cabe a pergunta: há alguém do outro lado? O crente diz que sim, pois se uma porta foi construída, e antes planejada, é porque ela serve de passagem e, por inferência, se há passagem alguém deve estar do outro lado. O ateu, por sua vez, afirma que não. Coloca o ouvido na porta, dá várias batidas, chama por socorro. Ninguém atende, nada se manifesta e ele conclui que não há ninguém do lado de lá. Já o agnóstico olha a porta e tenta abri-la. Não consegue, por mais que se esforce. Conversa com ambos, o ateu e o crente, e finalmente reconhece que é impossível ter qualquer certeza sobre se há alguém do outro lado – ou se nada existe para além do que nossos sentidos percebem.

Na falta de qualquer evidência conclusiva sobre a existência de uma causa primária e imaterial do universo, o agnóstico (a-não, gnosis-conhecimento) declarara-se incapaz de um veredito; a existência ou não de Deus está fora da sua capacidade de compreensão. Creio que essa definição pode ser parecida com aquela que muitos carregam consigo.

Para além disso, creio que a crença ou não em Deus – ou em um sentido último do universo, que para mim significa o mesmo – não ocorre pela via racional, mas afetiva. Da mesma forma como se dá a orientação sexual, ela não se constitui em uma opção racional, e não existe uma verdadeira escolha pela crença ou pela descrença em um Criador. Acreditar em Deus é um sentimento sustentado por alicerces profundamente assentados no inconsciente e, por esta razão, não será derrubado facilmente por uma abordagem racional. A irracionalidade dessas ideias é, em verdade, sua força mais poderosa, pois as afasta de uma derrocada pelas abordagens da lógica e da razão. Séculos de ciência explicando as origens naturais dos fenômenos que outrora acreditávamos divinos e isso não abalou em nada a crença em uma “faísca primitiva”, a força inicial, o motor primeiro para a criação do universo e das leis que o regem, apenas mudou a forma como conceituamos nosso Deus.

Para maiores informações sobre ateísmo e religião recomendo conhecer mais os “new atheists”. Comecem por Sam Harris, Christopher Hitchens e Richard Dawkins, para entender porque eles criaram uma seita niilista e islamofóbica. Aqui e aqui estão duas palestras fundamentais do jornalista Chris Hedges.

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Crenças e Materialismo

Richard Dawkins se notabilizou no ataque às religiões contemporâneas, em especial o neopentecostalismo capitalista predatório surgido nos Estados Unidos e exportado para o Brasil e o mundo. Entretanto, seu ataque às denominações religiosas acabou extrapolando, sendo usado para desacreditar o pensamento religioso e às próprias tradições, acreditando que as normativas dos livros “sagrados” induzem ao anticientificismo e mesmo às guerras, num suco de idealismo que agride frontalmente a ciência social e o materialismo dialético. Importante notar que nos mesmos textos que estimulam o ser humano ao conflito e à intolerância nas páginas do Corão ou da Bíblia existem passagens que estimulam a paz e a tolerância. Estes livros foram escritos de forma a ser possível colocar qualquer interesse humano em suas linhas e retirar de volta a concordância. Desta forma, é fácil entender que não são as religiões que induzem aos conflitos, mas a fome, os embates geopolíticos, a ganância ou o expansionismo, necessidades humanas que usam as religiões como “cola” para agrupar prosélitos em nome das distintas identidades.

Acreditar na capacidade de que ideias religiosas, por mais violentas que sejam (e todas são), possam fazer a humanidade se atirar às guerras é puro idealismo. Vou mais longe: nunca houve, na história da humanidade, uma única guerra iniciada ou determinada exclusivamente por crenças religiosas. Basta ver os milênios de pacífica convivência entre judeus e muçulmanos no oriente médio que só acabaram quando interesses nacionalistas sectários atingiram a região através da invasão sionista. As guerras, todas elas, são motivadas por fatores materiais (recursos, água, comida, controle da terra, mulheres, etc). Não há como um conjunto de ideias mobilizar agressões desse tipo. O que existe é o uso da religião (ou cor da pele, crenças, origem, entre outras) para justificar e agregar combatentes para uma guerra cujos interesses são materiais. Todavia, para quem olha com olhos desavisados, esta adesão nos ilude de que elas são a motivação primordial.

Tomemos as Cruzadas como exemplo que se caracterizaram por grandes massas de europeus cruzando a Europa ajudando a disseminar a peste negra para atacar Jerusalém, cometendo as mais inimagináveis atrocidades na terra de Cristo, com o intuito de libertá-la dos mouros – e tomando uma surra do curdo Salatino, entre outros. Porém, quando vamos analisar a história de forma pormenorizada, não foram em nome de Cristo que tantos cristãos se aventuraram ao oriente, mas para dar conta de interesses geopolíticos claros, onde a religião foi apenas usada para justificar uma guerra estúpida motivada por controle territorial. Para os comerciantes, as Cruzadas eram importantes para encurtar as distâncias entre o Oriente do Ocidente e, assim, aumentar as atividades de comércio de especiarias, principalmente para as cidades portuárias de Gênova e Veneza, no que hoje conhecemos como Itália. Após muitos séculos, o Mar Mediterrâneo passou a ser utilizado como importante veículo de intercâmbio de pessoas e de mercadorias. Ao longo das nove Cruzadas, os objetivos foram se tornando cada vez mais claros, deixando de usar a máscara religiosa e explicitando suas reais motivações comerciais. As conquistas cristãs no Oriente provocaram, além disso, disputas entre os cruzados pelos seus domínios.

Podemos analisar também algo bem mais recente, como a guerra entre protestantes e católicos na Irlanda, que foi assim chamada para esconder que se tratava de um conflito cujo objetivo era libertar a Irlanda (católica) do jugo dos ingleses (protestantes). Sempre foi uma guerra de independência tratada como uma luta religiosa para esconder o evidente colonialismo explorador britânico.

Religião não é um lugar de onde tiramos determinações divinas, mas onde colocamos interesses absolutamente humanos e materiais. Quem entende isso começa a olhar as religiões de forma distinta e mais elevada. As religiões são buscas humanas para o enfrentamento do desconhecido, algo tão natural quando olhar para o firmamento e elaborar teses sobre as estrelas. As crenças humanas – em especial a crença em Deus – são emoções e, portanto, não são passíveis de qualquer análise racional. “Acredito porque sinto; já eu, não creio porque não sinto”. Basicamente as religiões são a linguagem que usamos para expressar estas crenças ou, se quiserem, nossa fé. “A religião é o poço, a fé a água na profundidade”, como dizia Reza Aslan. Religiões são instrumentos para aplacarmos nossa sede. As ideias religiosas, por mais potentes que sejam, são incapazes para mobilizar guerras, mortes e conflitos; a materialidade de nossas necessidades e desejos humanos é quem está à frente dessas iniciativas.

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Religiões

Hoje me aconteceu algo curioso. Recebi do Facebook uma mensagem estranha: “Seu pedido de inscrição no grupo ‘Religião para quê?’ foi aceito”. Cliquei no link e vi que se tratava de um grupo ateísta. Na sua página inicial fala do “mal que as religiões causam ao mundo”, mas curiosamente estes grupos se expressam como se fossem religiões comuns, com seus dogmas, explicações totalizantes, visões unívocas e o desejo explícito de culpar o vizinho do lado – as outras religiões – por todas as tragédias do mundo.

Meu primeiro – por certo, o último – post no grupo é este que se segue:

“Caros irmãos ateus, unidos pelo amor de Richard Dawkins, cultuadores da razão e da lógica ateia. Venho perante vós perguntar: se eu não me inscrevi nesse grupo… como pude ser aceito? E, se é possível ser sincero, acho que o conceito positivista e ingênuo do grupo está muito distante da visão que tenho das religiões. Explico…

As religiões são artifícios criados pelos homens para a compreensão de mistérios insolúveis pela ciência. São parte do conhecimento compartilhado pela humanidade e cumprem uma importante função social. Elas não são “A verdade”, mas são modelos de entendimento, formas de perscrutar o insondável.

A fé – um elemento aquém da racionalidade – é a água que corre sob o solo rochoso da razão. Essa água percorre todo o planeta e é igual em todas as latitudes, enquanto as religiões são os poços criados para atingir os mananciais profundos. Os orifícios que atravessam o solo duro da razão são distintos entre si, dependendo do tempo e do espaço; são obras da cultura onde estão inseridos. Entretanto, buscam sempre o mesmo: a água da fé, a compreensão dos sentidos cósmicos, a busca pelas razões primeiras e a direção do porvir. Enquanto houver dúvida e desconhecido haverá modelos que buscam nos oferecer uma explicação coerente.

Por esta razão, as religiões são eternas e imortais, mas não imutáveis. Tanto quanto qualquer criação humana elas se transmutam, se contorcem e se modificam para adaptarem-se a novos tempos. Não há como existir uma ciência que dê conta de todas as perguntas, todas as dúvidas existenciais, e que ofereça a explicação completa. Para sempre há de existir uma pergunta sem resposta, uma dúvida não satisfeita um vazio de compreensão. No entanto, diante da avalanche de novas evidências, até os Papas aceitam o darwinismo e reconhecem em Adão e Eva um casal alegórico.

Religiões são, desta forma, idiomas que nos conectam uns com os outros para com eles dividirmos as angústias do não-saber. Como qualquer língua, entendemos e falamos para aqueles que compartilham da nossa compreensão. Por vezes achamos as outras línguas estranhas e até incompreensíveis; algumas são para nós bizarras, indecentes ou até perversas. Todavia, algumas delas, de tão semelhantes, são quase idênticas àquelas que falamos.

Alguém poderá nos dizer: “Mas eu não preciso desse idioma, algo externo a mim. São línguas atrasadas e sem sentido”. Perfeito, não é necessário falar por nenhum idioma, mas isso serve para aqueles que não compartilham dúvidas, perguntas, ideias e uma aguçada curiosidade sobre o significado último do Universo. Caso você tenha uma perspectiva especial sobre isso, por certo que muitos outros tem a mesma visão teleológica e gostariam de falar neste mesmo “idioma”.

Já a ideia de que as religiões fazem “mal ao mundo”, é totalmente tola e infundada. Nunca houve guerras motivadas por elas, mesmo que sejamos ensinados a ver isso por alguns observadores pouco atentos. As guerras seguem um determinismo econômico, lutas de poderes e interesses geopolíticos. Somente ingênuos acreditam que as Cruzadas eram motivadas pela libertação da “Terra Santa”, que católicos e protestantes se digladiaram na Irlanda ou que judeus e muçulmanos se atacam na Palestina ocupada. Essas guerras tem claros interesses econômicos, fortes motivações políticas e sua face religiosa serve como propaganda ou para mascarar interesses muito mais materialistas do que o resgate de lugares sagrados ou a supremacia de um credo sobre outro.

As religiões são um conjunto de histórias, relatos e revelações onde depositamos nossos valores, e não de onde retiramos ensinamentos ou regras. O mesmo Corão onde encontramos violência está repleto de proposições pela paz e pela compreensão, assim como para o amor e o perdão; o mesmo encontraremos na Bíblia ou no Bhagavad Gita. Por isso mesmo são retratos completos de uma era, que nos oferecem a possibilidade de buscar o que nós queremos encontrar, dependendo daquilo que somos ou desejamos.

Religiões são construções humanas, escritas por homens, publicadas para os homens da Terra, em diversos momentos da história. São ricos repositórios do conhecimento alegórico humano, de nossa história, nossos valores e nossas aspirações. Religiões foram criadas para resolver problemas mundanos e para nos oferecer explicações hipotéticas sobre o funcionamento do Universo. Elas não são boas ou más; são coleções gigantescas de valores onde as pessoas – boas ou más – podem fazer perguntas e receber respostas que as satisfaçam.”

Grato pela atenção

Ric Jones, agnóstico

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