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Reflexões pós 1º turno

Claro que o primeiro turno foi decepcionante. A direita brasileira também fracassou de forma retumbante, mas estamos vendo o fortalecimento da extrema direita fascista, se fortaleceu no Senado e no Congresso. O Brasil ruma para se transformar em um evangelistão atrasado e violento. Metade da Câmara será de extrema direita, e praticamente todo o Senado da República. Entretanto ainda é tempo de conquistar o governo federal fortalecendo Lula para o segundo turno.

Porém…

Precisamos conversar sobre a esquerda identitária, a “esquerda” do amor e da diversidade. Precisamos voltar a ter uma esquerda dos trabalhadores, do proletariado, dos homens e mulheres pobres do Brasil. Enquanto tivermos uma esquerda do “amor”, da paz, sem luta, sem porta de fábrica, sem enfrentamento, sem peitar as forças repressoras do Estado, sem greve e sem povo na rua estaremos perdidos e o Brasil vai rumar para seu destino catastrófico: será uma grande fazenda controlada pelo capitalismo internacional.

Eu sei que não está tudo perdido. Precisamos manter o queixo erguido.

Nesta eleição, em especial, mas repetindo o que fizera em 2018, Ciro alio-se à corrente do atraso que cresceu na reta final da eleição. Ao ser “linha auxiliar” de Bolsonaro ele foi o principal responsável por não vencermos no primeiro turno. O voto útil foi usado, mas para Bolsonaro usando os votos de Ciro, que foi o maior apoiador de Bolsonaro durante os debates. Espero que ele desapareça da política.

A grande votação da extrema direita reflete a decadência moral e econômica do capitalismo. Aconteceu o mesmo na Europa. Estejamos preparados para o pior. Agora eu me sinto como se estivesse em janeiro de 1933 na Alemanha, vendo o meu país às vésperas de tomar uma decisão desastrosa para milhões de pessoas, a maioria delas com os olhos vidrados, acreditando nas palavras sedutoras do fascismo, saudando um líder fanático e com total desprezo pela vida humana. Pior ainda é perceber que estamos caminhando para um desastre ambiental, social e ético de proporções catastróficas, e não saber o que pode ser feito.

Viramos isso mesmo, um evangelistão. Seremos governados por pastores degenerados que controlam multidões de cordeiros, que por sua vez vão assistir o Brasil virar um enorme pasto para os interesses dos ricos e do capital internacional. o Brasil continuará a ser visto no mundo inteiro como o pais da miséria e da exploração perversa.

Todavia, enquanto aguardamos pelo segundo turno, é o momento de reunir os cacos, lutar por Lula e começar a pensar em um futuro para o Brasil. Precisamos mudar nossas estratégias e nossa retórica. Precisamos voltar a ser uma esquerda OPERÁRIA, de luta, de base e revolucionária.

O passo inicial é eliminar as pautas identitárias. Exterminar o discurso do “amor vencendo o ódio”. Abandonar os símbolos do amor e da paz e admitir que é preciso LUTAR será imperioso. Jogar fora toda a nossa carga de identitarismo é algo que precisa ser feito a partir de hoje. Isso significa abrir mão de figuras deletérias da esquerda, “esquerdistas” identitários de universidade, com suas pautas divisionistas, anti-operariado, que sabotam a destinação libertadora e anti sistema da esquerda. É preciso colocar a esquerda universitária no seu lugar, voltar para as fábricas, para as vilas e para as comunidades periféricas.

Afinal, que Jesus é esse que os bolsonaristas seguem? Benedita também pode ser incluída entre os evangélicos engolidos pela onda conservadora. Na verdade esse cristianismo bolsonarista não tem nada a ver com o Cristo, com seus valores morais do perdão e da solidariedade e nem mesmo com os ensinamentos contidos no Evangelho. O Jesus dos bolsonaristas tem arma na cintura e não tem apóstolos; formou sua milícia. O cristianismo dessa extrema direita é apenas uma identidade que perdeu suas raízes e hoje prega o oposto do que um dia foi seu ideário.

Hoje só tenho pensamentos tristes. Elegemos um senado ultra reacionário. Premiamos notórios bandidos como o ex juiz e o procurador da LavaJato. Colocamos um militar no Senado do RS e um astronauta fake em SP. Um chefe de milícias é o governador do RJ. Nossos representantes espelham o que existe de pior no Brasil. No fundo do buraco do bolsonarismo havia um alçapão, e lá dentro está a sombra de um futuro terrível. E os pobres? E a fome? E desemprego? E a devastação ambiental? Se tudo isso que vimos nesses últimos 6 anos de neoliberalismo não foi o suficiente para entendermos a rota suicida do país, o que nos fará acordar? Um hecatombe social?

Ainda temos o segundo turno. Nossa esperança é ter Lula como contrapeso para o desastre que o sul e o sudeste determinaram para a imagem do país. Vamos nos agarrar com todas as forças nessa esperança.

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Religiões

Hoje me aconteceu algo curioso. Recebi do Facebook uma mensagem estranha: “Seu pedido de inscrição no grupo ‘Religião para quê?’ foi aceito”. Cliquei no link e vi que se tratava de um grupo ateísta. Na sua página inicial fala do “mal que as religiões causam ao mundo”, mas curiosamente estes grupos se expressam como se fossem religiões comuns, com seus dogmas, explicações totalizantes, visões unívocas e o desejo explícito de culpar o vizinho do lado – as outras religiões – por todas as tragédias do mundo.

Meu primeiro – por certo, o último – post no grupo é este que se segue:

“Caros irmãos ateus, unidos pelo amor de Richard Dawkins, cultuadores da razão e da lógica ateia. Venho perante vós perguntar: se eu não me inscrevi nesse grupo… como pude ser aceito? E, se é possível ser sincero, acho que o conceito positivista e ingênuo do grupo está muito distante da visão que tenho das religiões. Explico…

As religiões são artifícios criados pelos homens para a compreensão de mistérios insolúveis pela ciência. São parte do conhecimento compartilhado pela humanidade e cumprem uma importante função social. Elas não são “A verdade”, mas são modelos de entendimento, formas de perscrutar o insondável.

A fé – um elemento aquém da racionalidade – é a água que corre sob o solo rochoso da razão. Essa água percorre todo o planeta e é igual em todas as latitudes, enquanto as religiões são os poços criados para atingir os mananciais profundos. Os orifícios que atravessam o solo duro da razão são distintos entre si, dependendo do tempo e do espaço; são obras da cultura onde estão inseridos. Entretanto, buscam sempre o mesmo: a água da fé, a compreensão dos sentidos cósmicos, a busca pelas razões primeiras e a direção do porvir. Enquanto houver dúvida e desconhecido haverá modelos que buscam nos oferecer uma explicação coerente.

Por esta razão, as religiões são eternas e imortais, mas não imutáveis. Tanto quanto qualquer criação humana elas se transmutam, se contorcem e se modificam para adaptarem-se a novos tempos. Não há como existir uma ciência que dê conta de todas as perguntas, todas as dúvidas existenciais, e que ofereça a explicação completa. Para sempre há de existir uma pergunta sem resposta, uma dúvida não satisfeita um vazio de compreensão. No entanto, diante da avalanche de novas evidências, até os Papas aceitam o darwinismo e reconhecem em Adão e Eva um casal alegórico.

Religiões são, desta forma, idiomas que nos conectam uns com os outros para com eles dividirmos as angústias do não-saber. Como qualquer língua, entendemos e falamos para aqueles que compartilham da nossa compreensão. Por vezes achamos as outras línguas estranhas e até incompreensíveis; algumas são para nós bizarras, indecentes ou até perversas. Todavia, algumas delas, de tão semelhantes, são quase idênticas àquelas que falamos.

Alguém poderá nos dizer: “Mas eu não preciso desse idioma, algo externo a mim. São línguas atrasadas e sem sentido”. Perfeito, não é necessário falar por nenhum idioma, mas isso serve para aqueles que não compartilham dúvidas, perguntas, ideias e uma aguçada curiosidade sobre o significado último do Universo. Caso você tenha uma perspectiva especial sobre isso, por certo que muitos outros tem a mesma visão teleológica e gostariam de falar neste mesmo “idioma”.

Já a ideia de que as religiões fazem “mal ao mundo”, é totalmente tola e infundada. Nunca houve guerras motivadas por elas, mesmo que sejamos ensinados a ver isso por alguns observadores pouco atentos. As guerras seguem um determinismo econômico, lutas de poderes e interesses geopolíticos. Somente ingênuos acreditam que as Cruzadas eram motivadas pela libertação da “Terra Santa”, que católicos e protestantes se digladiaram na Irlanda ou que judeus e muçulmanos se atacam na Palestina ocupada. Essas guerras tem claros interesses econômicos, fortes motivações políticas e sua face religiosa serve como propaganda ou para mascarar interesses muito mais materialistas do que o resgate de lugares sagrados ou a supremacia de um credo sobre outro.

As religiões são um conjunto de histórias, relatos e revelações onde depositamos nossos valores, e não de onde retiramos ensinamentos ou regras. O mesmo Corão onde encontramos violência está repleto de proposições pela paz e pela compreensão, assim como para o amor e o perdão; o mesmo encontraremos na Bíblia ou no Bhagavad Gita. Por isso mesmo são retratos completos de uma era, que nos oferecem a possibilidade de buscar o que nós queremos encontrar, dependendo daquilo que somos ou desejamos.

Religiões são construções humanas, escritas por homens, publicadas para os homens da Terra, em diversos momentos da história. São ricos repositórios do conhecimento alegórico humano, de nossa história, nossos valores e nossas aspirações. Religiões foram criadas para resolver problemas mundanos e para nos oferecer explicações hipotéticas sobre o funcionamento do Universo. Elas não são boas ou más; são coleções gigantescas de valores onde as pessoas – boas ou más – podem fazer perguntas e receber respostas que as satisfaçam.”

Grato pela atenção

Ric Jones, agnóstico

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Paulo, o Falsário

Esta é a ideia que eu faço de Paulo, como foi brilhantemente descrita em seu diálogo com Cristo no livro de Níkos Kazantzákis vertido para o cinema por Martin Scorcese – “A Última tentação de Cristo”. Em última análise, Paulo é a razão por sermos cristãos. Foi dele a genialidade de vender a mensagem crística para o Império. Ele foi o vendedor de uma obra cuja suprema genialidade estava na esperança para os pobres e os desvalidos, garantido a felicidade para o “outro mundo”, conforme expresso no “Sermão da Montanha”, a grande síntese da mensagem de Jesus.

Sim, ele por certo modificou a história daquele nazareno que tentou desafiar o Império Romano falando de judaísmo para judeus e pregando a liberdade de seu povo. Entretanto, é muito provável que as palavras do “Cristo real” jamais ultrapassassem as barreiras do Jordão ou do Mediterrâneo. Afinal, quem daria atenção a um Messias fracassado, incapaz de libertar seu povo do jugo romano – conforme determinavam as escrituras – e que morreu humilhado e sozinho, apoiado apenas por uma dúzia de fanáticos? Quem lhe daria ouvidos quando sua voz estava misturada àquela de 4 centenas de outros autoproclamados “Messias” que pereceram sob a espada de Roma?

Ora… talvez Paulo tenha visto o que os outros não viram, nem mesmo o Cristo. Paulo percebeu a profundeza e o sentido político das palavras expressas no Sermão feito no Monte das Oliveiras. Ele entendeu que o Império Romano se aproximava de seu ocaso e que os povos, um após o outro, precisariam de uma mensagem e, porque não, uma religião que os conduzisse em direção aos seus ideais libertários.

Paulo de Tarso foi ao coração do poder para vender sua mensagem aos pobres, aos coxos, aos desamparados e aos desvalidos, e por isso- e não pelo caráter revolucionário de Jesus se enfrentando com o poder local – sua mensagem ganhou o mundo e sobrevive entre nós até hoje. Se Paulo era um falsário, um arrogante, mentiroso e dissimulador não tenho como contestar. Entretanto, é forçoso reconhecer que é dele a responsabilidade pela existência do cristianismo.

Lembro por fim da frase espirituosa sobre o valor das obras: “Qualquer um de nós pinta um quadro de um milhão de dólares, mas é preciso ser um gênio para vendê-lo por esta quantia”.

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Espiritismo e cristolatria

Jesus foi um ativista político, um revisionista da religião judaica. Basicamente um judeu falando de judaísmo para outros judeus. Toda a construção do Jesus mitológico, que o trata por “Espírito de luz”, “Deus encarnado”, “Salvador da humanidade”, “aquele que morreu por nossos pecados” etc, parte de construções humanas, históricas, geopolíticas e pouco têm a ver com o Jesus histórico da Palestina. Em verdade a própria existência desse personagem é contestada por inúmeros pesquisadores e estudiosos do tema.

Vejo hoje a necessidade de parar de contar pequenas e grandes mentiras usando como desculpa a ideia de que os espíritas são “imaturos demais para entender a verdade”.

Não veio razão em tratar adultos como crianças. Creio que o espiritismo foi criado para adultos, sujeitos maduros, que não necessitam mais histórias de Jesus “espírito de luz”, “pátria do evangelho”, “arquitetos do planeta”, ou quaisquer outros misticismos que se estabelecem sobre fantasias. Jesus foi uma pessoa absolutamente comum, como eu ou você, que pretendia ser o libertador da Palestina do jugo romano. Provavelmente um “Messias” pouco importante diante dos mais de 400 auto proclamados libertadores do povo hebreu que surgiram naquela época. Já a figura de Cristo foi construída após sua morte e não tem nada a ver com o judeu que pregou sobre sua religião. Qualquer coisa além disso é pura imaginação; é criar uma figura mítica desconectada daquilo que a história nos oferece dele.

Eu entendo quando não se desfaz a ilusão do Papai Noel ou do “Jesus Filho de Deus” para crianças sem aguardar que estejam prontas para a mudança de entendimento sobre estas figuras, mas manter essas visões infantilizantes nas bordas da adolescência é inútil e desrespeitoso, pois não é justo tratamos adultos como seres incompetentes para encarar a verdade. A ideia de um velhinho que – por bondade e amor – traz os presentes a todas as crianças no Natal é por demais sedutora e satisfaz as necessidades de aceitação das crianças. Todavia, se você insistir com a visão fantasiosa do “bom velhinho” depois de uma certa idade ela vai desconfiar de suas intenções e se ofender com sua atitude.

É hora dos espíritas abandonarem o cristianismo. Ele é sectário, branco, eurocêntrico, ocidental e não contempla a diversidade e a abrangência que precisamos num mundo globalizado. Cada vez que eu escuto falar de Jesus como o “filho dileto do criador” eu lembro dos meus irmãos chineses e seus milhões de compatriotas que não tem necessidade alguma de suas palavras, sua mensagem e sua existência – mítica ou histórica. Por que insistimos nesse mito medieval???

A conexão do espiritismo com a figura de Jesus teve um efeito paradoxal. Se por um lado nos alia a uma parcela do planeta – europeia e ocidental – em sua visão teleológica e moral, por outro lado nos afasta de todo o resto do mundo que poderia se beneficiar de uma filosofia e ciência que se dedica a estudar a manutenção do princípio espiritual para além do momento da morte física. Entretanto, foi exatamente esta amálgama entre a ciência do espírito e a religião que lhe conferiu a popularidade que hoje desfruta em um país como o Brasil. Aquilo que hoje tanto me incomoda – a persistente cristolatria – é o que manteve as ideias de Kardec vivas em boa parte do mundo.

Por outro lado, é óbvio que o espiritismo não precisa de uma visão “moral”, “cristã” e “religiosa” da mesma forma como a lei da gravidade de Newton não precisa de um culto místico ou de um ser espiritual diretamente conectado com Deus para que as pessoas aceitem a gravitação como uma lei importante para o entendimento do universo. O espiritismo é a ciência do espírito, mas o que encontramos nas casas espíritas é uma exaltação dos valores morais ocidentais, da contenção da sexualidade e sua domesticação (as obras de Chico e Divaldo são gigantescos tratados sobre sexualidade reprimida) e de identidade cultural.

No meu modesto ver, o espiritismo muito ganharia se desprendendo dessas amarras religiosas e dessa vinculação com os mitos cristão, assim como a própria figura do Cristo.

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Ungida

Há um filme que idealiza a deputada gospel Flordeliz onde ela é descrita como um “ser de luz”, benfeitora e mãe amorosa de tantas crianças. Porém, hoje sabemos que ela e sua família estão muito longe disso. Então cabe a pergunta: se é possível transformar histórias criminosas em narrativas de superação e virtude que ocorreram somente há duas décadas, então imagine o quanto se distorce a realidade do que aconteceu há 2 mil anos, criando sobre fatos locais fantasias grandiloquentes que dizem muito menos sobre espiritualidade e muito mais sobre os interesses políticos, econômicos e de poder.

A blindagem de figuras históricas pelo manto da “espiritualidade superior” nada traz de construtivo para a sociedade, e para todas elas eu recomendo a iconoclastia.

A pastora recentemente envolvida em crimes diversos pode representar os evangélicos, não o Cristo. Deixem ele fora disso. O erro nessas tragédias é imaginar que uma crença, seja ela qual for, determina a moralidade do sujeito que a segue. Não é o que se observa. O crente não tem nenhuma vantagem ou privilégio na fila do céu.

Ser cristão, muçulmano, espírita ou ateu são, acima de tudo, identidades, usadas para criar laços, narrativas confluentes. A religião é como um idioma para que possamos falar das perguntas que a ciência jamais terá respostas, como o sentido da vida e a razão do universo. Entretanto, são na prática expressões dos códigos morais que apontam para os valores mais profundos da sociedade.

As religiões abrahâmicas (cristianismo, islamismo e judaísmo), por exemplo, são estruturas criadas para dar sustentação ao patriarcado nascente, fortalecendo a coesão social das sociedades agriculturais partir da rigidez da estrutura falocrática. E funcionaram muito bem para isso.

O cristianismo se insere nesse modelo, como religião surgida da releitura reformista do judaísmo. Não existe nada no cristão, do ponto de vista moral, que o diferencie de qualquer outro sujeito no planeta, inclusive aqueles que negam qualquer afiliação religiosa.

Mas, a única diferença é o olhar que a sociedade lança aos “pecadores”. A pergunta que hoje se faz àqueles que (com justiça) dizem que a conduta de Flordeliz nada tem a ver com seu cristianismo é: e se ela fosse do candomblé, poderíamos dizer o mesmo? E se fosse muçulmana, estaríamos limpando a barra do profeta Maomé? Se ela fosse budista nossas palavras seriam direcionadas à proteção de Buda e seus ensinamentos?

Ou estaríamos condenando ela assim como as suas crenças e sua religião como obras demoníacas, criadas para desvirtuar e destruir?

Pois é…

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O perdão impossível

Infelizmente parece mesmo que só os pastores evangélicos conseguem acolher pessoas que cometem erros, mesmo os mais terríveis. Enquanto isso, a sociedade só joga pedra. Acusa, destrói, promove vingança e é sempre inexorável nos seus julgamentos. Nao adianta mofar anos na prisão, é preciso incinerar, picotar e cuspir em cima. Aqui, esquerda e direita se encontram, no submundo dos sentimentos mais rasteiros.

Já os evangélicos, muito mais por marketing do que por virtude, recebem os “pecadores” e lhes oferecem o benefício (ou a possibilidade) da “redenção”. O resto da sociedade joga pedra na Geni. “Enquanto existirem Suzanes todas as minhas maldades e perversões serão aliviadas”. As Genis são tão odiadas e desprezadas quanto…. necessárias.

Não reclamem, pois, pelo crescimento acentuado do fundamentalismo mais tacanho e emburrecedor no nosso meio; participamos desta bestialidade ao oferecer aos párias sociais apenas esta possibilidade de ler os ensinamento cristãos – e a esperança do perdão, que é universal.

O que nos incomoda em Suzane é ver que não somos tão diferentes dela quanto gostaríamos…

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Espiritismo careta

Uma análise profunda da idolatria que se estimula no cenário espírita brasileiro é uma tarefa urgente a ser realizada pela Academia. Desde figuras populares como Zé Arigó, Chico Xavier até Divaldo Franco que percebemos um traço marcante no espiritismo cristólatra brasileiro: ele sempre foi pródigo na criação de “gurus”, líderes carismáticos que repetem discursos conservadores e moralistas. São comuns os textos carregados de uma visão superficial e maniqueísta da espiritualidade e da reencarnação, cheios de prescrições de evolução espiritual que criminalizam a luta política e a livre expressão da sexualidade, entendidas assim como “desvios obsessivos”. Em verdade, mais do que um achado ocasional, este é o padrão das publicações espíritas.

A adesão de Divaldo Franco – famoso tribuno espírita e médium – à barbárie jurídica lavajatista empresta um apoio fundamental aos tribunais de inquisição que se transformaram as côrtes de Curitiba, com o intuito de atingir a esquerda e os movimentos populares. Por outro lado, esta simpatia do líder espírita mostra a verdadeira face alienada e subserviente da baixa classe média ressentida que constitui seus seguidores.

O espiritismo institucional mais uma vez adere ao conservadorismo moral e político tacanho que sempre o caracterizou – basta lembrar as falas reacionárias de Chico Xavier sobre a ditadura militar de 64. Alia-se ao poder econômico, às elites, aos conservadores, ao judiciário partidário e aos golpes sucessivos à nossa democracia.

Corremos o risco de não ver no futuro nenhuma diferença significativa entre as monstruosidades de Malafaia, Edir e Feliciano e alguns líderes espíritas alinhados com o atraso, o preconceito e a mistificação. Aquela doutrina que, ao descortinar a reencarnação como processo de depuração espiritual, se apresentava como revolucionária e progressista, em verdade se mostra como mais uma seita cristã atrelada aos privilégios, ao moralismo, à tradição (escravista), à família (falocêntrica) e à propriedade (intocável).”

Que Deus tenha piedade de nossas religiões.

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Religião e conservadorismo

As mensagens de espíritas preocupados com a ascensão do fascismo e com a popularidade de um candidato* que elogia torturadores só fazem sentido porque historicamente a cúpula do espiritismo nacional é reacionária e autoritária. De Chico a Divaldo, passando pelos generais da FEB (Federação Espírita Brasileira), nunca tivemos um espiritismo brasileiro que não fosse próximo e admirador dos poderes instituídos – da ditadura à lamentável “República de Curitiba”. As demonstrações de afeto de Chico com a ditadura de 64 e de Divaldo com a turma de magistrados que golpearam a democracia estão acima de qualquer dúvida.

Com exceção das religiões de matriz africana – umbanda, candomblé, nação – as grandes religiões brasileiras são dos colonizadores: religiões brancas, de classe media, burguesas e conservadoras, incluindo-se aí o espiritismo. Nas três décadas em que circulei pelo universo dos espíritas brasileiros nada reconheci de diferente dos modelos de outras seitas cristãs. O mesmo moralismo, um machismo sutil, meritocracias, hierarquias, aristocracias, espíritos “do bem” – semelhantes aos “cidadãos de bem” deste plano – culto às personalidades, entidades das “trevas”, seres angelicais, uma crítica sistemática à livre expressão da sexualidade, um culto à “família patriarcal” e um número sem fim de informações subliminares que nos conduziam a reconhecer os “espíritos superiores” como a elite branca e aburguesada da nossa sociedade.

Para além disso convivi com o ufanismo infantil propagado entre os espíritas pela obra “Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho” (sobre ela escrevi aqui) que descrevia o nosso país de 60 mil homicídios por ano, assassinatos de transexuais, feminicídios e estupros incontáveis e a distribuição de renda mais perversa do hemisfério sul como “a nação escolhida por Jesus para carregar no coração sua mensagem de amor“.

As religiões são construções humanas e refletem seus valores e crenças. Uma “religião” como o espiritismo (que segundo o próprio Kardec não é, mas se expressa como se fosse), surgida no seio da classe média brasileira, obrigatoriamente viria a refletir sua visão de mundo e suas perspectivas. A umbanda, nascida do sincretismo entre o cristianismo e os ritos africanos, surgiu na marginalidade (à margem) da classe média do país, trazendo para o seu seio as populações pobres, negras, os homossexuais e os desvalidos. Se existem cultos no Brasil que têm a nossa cara e nosso jeito, sendo representante dos mais elementares valores populares, estes são os afro-brasileiros.

Inobstante a mensagem espírita pretender-se mais moderna e abrir espaço para a permeabilidade de seus postulados com a ciência, seu veículo – a classe média branca e urbana – acabou lhe conferindo um aspecto conservador e moralista que em nada se diferencia das seitas cristãs em nosso meio. Não é de surpreender, portanto, que meus amigos espíritas de ontem venham hoje a abraçar as bandeiras conservadoras, em um direitismo que se aproxima do antipetismo mais radical e onde suas ideias encontram eco nas palavras do inominável líder fascista.

A modernidade da “fé raciocinada” que Kardec propunha esbarrou na caretice de quem levou adiante suas propostas. Infelizmente, o espiritismo jamais conseguiu mudar a imagem conservadora e moralista do cristianismo tupiniquim.

* Esse texto foi escrito ainda quando Bolsonaro era candidato

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Cristãos e a opressão

Dos rios dizemos violentos mas não dizemos violentas às margens que os oprimem“. Brecht

Esta é a face mais triste das religiões: transformar os fiéis em cordeiros manipuláveis pela mídia e pelo capital, fazer com que acreditem que a resistência à opressão não é legítima ou digna, tornando cada cidadão em um servo robotizado carregando um crucifixo para que ele mesmo seja, por fim, pendurado. Talvez seja um pagamento justo para sua alienação. Não esqueçam que este Cristo a quem tanto adoram era um revolucionário que deu a vida pela libertação de seu povo, e não um babaca conformista que baixava a cabeça para os poderosos.

Seja cristão e combata a opressão!!! O cristianismo, via de regra, acaba com o senso crítico, a visão política e a cidadania em nome de uma teleologia de direita, alienante, aristocrática e sem uma visão coletiva. Essa é a parte mais triste das religiões: imaginar que a luta pelos direitos deve estar subjugada a uma falsa visão pacífica de Cristo, quando em verdade sua vida foi uma luta constante contra a opressão.

“Não se faz uma revolução com tapinhas nas costas”, como dizia Sheila Kitzinger. Se algumas pioneiras não fossem suficientemente ousadas, quebrassem padrões morais e estéticos e botassem “pra quebrar” as mulheres estariam ainda hoje indo à missa, bordando e conversando sobre receitas.

Alguém aí acha que as conquistas dos trabalhadores surgiram através de abaixo assinados ou conversas amigáveis com os patrões? Claro que não. Direito não se ganha, se conquista. Se tiver que ser incendiando carro que seja. Trabalhadores bem comportados vão para o céu; os corajosos vão à luta!

Apenas para lembrar a necessidade de lutar:

Não precisa lei trabalhista, ora, basta negociar. No circo romano onde estava escrito que era o leão que comia as pessoas? Podia ser o contrário, por que não? Havia espaço para livre negociação, e se esta não ocorria era por culpa do radicalismo das pessoas e não pela força superior ou ferocidade dos felinos“.

A propósito, uma realidade chocante: recente pesquisa nos Estados Unidos (!!) revela que 43% dos entrevistados tem uma visão positiva do socialismo e apenas 32% do capitalismo. É aqui, no centro mundial da ideologia capitalista, onde a queda do sistema será mais ruidosa.

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Armário aberto

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Durante a minha infância eu fui educado no cultivo de valores morais e espirituais cristãos, como a honestidade, o perdão, a fraternidade e uma visão teleológica de “evolução espiritual”. Poderia ter sido Rock n’ Roll, Elvis ou Stones, mas foi Allan Kardec. Nada contra nenhuma das possibilidades, mas isso tem um pouco de responsabilidade pelo que eu me tornei.

Em 1973 estávamos em plena ditadura militar e nessa época eu contava 13 anos de idade. Foi nesse período que moldei o meu coração vermelho, mesmo mantendo minha camiseta azul, preto e branco. A falta de liberdade e a sensação de constrição social começavam a gritar mais alto do que a visão perseverante, cristã, patriarcal e claramente conservadora que as vertentes religiosas – todas – ensinam nas entrelinhas dos versículos bíblicos e mensagens de Chico Xavier. Minha adolescência, que coincidiu com a entrada na escola médica, produziu esta guinada à esquerda aliada a uma visão social, já na própria medicina, que me acompanha até hoje.

Pois em 1973 eu tinha um amigo que morava há poucas quadras de minha casa e com quem conversávamos muito. Filho de uma família austera de alemães (a classe média de Porto Alegre é de “alemães” em sua maioria), seu pai era veterinário e ele tinha apenas uma irmã. Creio que foi por convite dele que fomos assistir o primeiro “filme proibido” no falecido cinema Carlos Gomes. Claro que no meio da sessão de “chanchada” brasileira – e antes de conseguir ver os almejados peitos descobertos da protagonista – a Polícia deu uma batida e todos os “dimenor” foram expulsos do cinema. O que poderia ser uma vergonha para nós foi motivo de orgulho, pois, mais do que uma sessão de cinema, participamos de uma aventura policial. Quem diria que naquela época seriam necessários pequenos crimes como este para ver inocentes mamilos.

Pois este amigo, um certo dia, veio conversar sobre política comigo. Não era um assunto comum; era um tabu. Falamos da ditadura, do AI5, da falta de eleições e outros temas dentro da perspectiva de dos meninos entre 13 e 14 anos. O que fez essa conversa se tornar inesquecível é que os argumentos do meu amigo eram muito parecidos com os que a direita brasileira usa até hoje. A meritocracia ingênua, o culto ao “Cidadão de Bem”, a pobreza como escolha, o sucesso reservado aos competentes, a miséria como natural e a reação a este modelo como “ação criminosa”.

Entretanto, em dado momento, diante dos meus argumentos de que a educação seria capaz de melhorar as condições de vida e fazer o Brasil alcançar níveis de civilização como na Europa, ele me respondeu:

Isso é inútil, Ricardinho. O filho do ladrão será ladrão e o filho deste também. São valores que se perpetuam nas gerações que se seguem. Não há solução. É como meu pai sempre diz: tem que colocar uma bomba na favela, explodir tudo, acabar com esses vagabundos e começar tudo de novo.

Fiquei por instantes calado e, um pouco tempo depois, ainda chocado, perguntei: “Teu pai disse isso mesmo?

Ele aquiesceu com a cabeça e continuou explicando porque achava que a “solução final” era o único caminho, mas a partir de então eu já não consegui escutar mais nada. Não podia acreditar que as pessoas pensassem assim. Os valores ingênuos de tolerância e amor ao próximo que recebi na infância não me permitiam aceitar um argumento desses sem me espantar.

Nos despedimos e acho que nunca mais falamos sobre esses assuntos. Passamos décadas sem nos ver e hoje sei que ele milita em grupos de extrema direita. Nesse ponto ele tinha razão; o filho saiu ao pai, e o filho do filho tem a cama das ideias prontas para se deitar.

O que me fez lembrar essa história foi o fato de que, nos anos 70, uma ideia genocida e preconceituosa era contada apenas na família, com o rádio ligado, no meio do jantar e não saía dali a não ser por uma inconfidência de meninos. Era feio e socialmente condenável ser fascista, ter pensamentos totalitários e sem nenhuma noção sobre a gênese social da pobreza. Eu acho que a proximidade com a II Guerra Mundial e os horrores do nazismo nos ofereciam essa possibilidade de vergonha. Alguns combatentes vivos e seus depoimentos mantinham a história viva entre nós.

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Sobre essa transmissão transgeracional de valores eu lembro da imagem de crianças de 6 anos em Topeka, no Kansas, participantes da Westboro Baptist Church que carregam cartazes tipo “God Hates Fags” (Deus Odeia Gays). Não há como uma criança odiar homossexuais por seus próprios valores ou seu entendimento das “escrituras”. Estas atitudes só podem ter sido geradas através dos pais. Assim o ódio – tanto como o amor – pode ser ensinado para as crianças desde a mais tenra idade.

Entretanto, há alguns anos vi um documentário sobre adolescentes que conseguiram se libertar do torniquete mental do fanatismo fundamentalista da família que controla esta igreja, provando com isso que as duas proposições coexistem: as frutas não caem longe das árvores, mas é possível sair de perto delas através da informação e da ampliação dos horizontes. E isso tudo munido de muita coragem.

Hoje em dia essas vergonhas se foram, o horror nazista pode ser “questionado”, o darwinismo social está em alta, a perseguição às minorias está liberada, questiona-se abertamente o estado laico, Bolsonaro é “mito” e o fascismo pode, finalmente, sair da toca depois de 70 anos de hibernação.

Um comentário como o do meu amigo de infância? Sim, ontem de tarde, no bar da esquina, entre uma cerveja e uma gargalhada.

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