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Ruptura

Se houve uma vitória moderada da extrema direita no parlamento europeu (de 118 para 131 cadeiras) nas eleições recentes também é verdade que os comunistas obtiveram um forte crescimento, em especial nos países nórdicos, e com uma retórica claramente antissistema, anticapitalista e contrária à guerra. Desta forma, fica claro que a vitória nas eleições foi daqueles que repudiam, com maior ou menor veemência, os atuais sistemas de governança europeus. Protestam contra os sintomas de degenerescência de um modelo econômico de maturidade tardia, mas que é incapaz de oferecer o que prometeu: o crescimento econômico aliado à qualidade de vida aos trabalhadores. Segundo o pensador esloveno Slavoj Zizek, a crise ecológica, a revolução biogenética, os desacertos do próprio sistema (propriedade intelectual, a disputa por petróleo, matérias-primas, comida e água) e o dramático crescimento das exclusões sociais através do refinamento da concentração de renda, serão cada vez mais intensificados no século XXI. Se é verdade que o capitalismo teve um sucesso espantoso na produção de bens de consumo e no estímulo à descobertas também é certo que sua tendência concentradora de riqueza e a divisão social inexorável denunciam sua senescência.

Ou seja, o fracasso da esquerda liberal, em especial os partidos da social democracia europeia, deveria nos fazer reconhecer o quanto a rota de “adaptação” ao liberalismo usada pela esquerda tradicional da América Latina também vai inevitavelmente nos levar a um beco sem saída. Não será mais possível continuar a afagar o mercado e os capitalistas ao mesmo tempo em que tentamos oferecer um horizonte mais justo ao trabalhador. Por esta razão, é inútil tentarmos moderar a sanha capitalista, humanizar seus ganhos ou domesticar sua voracidade; é preciso recriar o discurso de ruptura da esquerda, sem concessões ao capital, de enfrentamento à direita, frontalmente contrário ao imperialismo e contra o discurso bélico da OTAN. Se isso não for feito, permitiremos que a extrema direita, eternamente subserviente aos Estados Unidos, cresça usando a fantasia da indignação, a narrativa antissistema, com a falsa retórica da ruptura para manter o poder das corporações e do imperialismo intocado.

Ainda segundo Zizek, as fases de adaptação à morte do capitalismo se assemelham àquilo que ocorre na intimidade do indivíduo quando defrontado com um diagnóstico inexorável de morte. Segundo ele, da mesma forma como os indivíduos, as sociedades utilizarão o sistema de adaptação ao luto criado pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross para resolver as mortes de suas utopias. A primeira fase é a da negação, que vai se observar na ideia de tentar mostrar o capitalismo como o “fim da história”, e a democracia liberal o derradeiro e acabado modelo social. Esta negação, profunda e dolorosa, apenas retarda o reconhecimento do desfecho inevitável. A ela se segue a raiva, e provavelmente esta é a fase que podemos identificar nas massas bolsonaristas ou na juventude de extrema-direita fascista nas marchas neonazistas na Europa. A raiva com o sistema político foi capitalizada pela direita para usar a energia de indignação para dar uma sobrevida ao capitalismo na UTI. Depois disso, vencida a raiva pela triste confrontação com a realidade, vem um processo de barganha, quando haverá a tentativa de adaptar o capitalismo moribundo a uma forma mas justa de divisão de riquezas, mas mantendo intacta a divisão de classes que caracteriza o modelo mesmo tempo que o condena ao desaparecimento. Diante das falhas nas fases anteriores, e em face do aprofundamento dos sintomas do paciente terminal, sobrevém uma depressão. A partir dessa tristeza – pela da morte do sistema que nos seduziu nos últimos séculos – deverá surgir a aceitação, que nos levará ao processo revolucionário e a necessária superação do capitalismo.

Não podemos esquecer que foi exatamente esse o caldo de cultura para o crescimento do fascismo europeu há 100 anos, cuja retórica tinha a mesma origem: a insatisfação com a estrutura da circulação do capital global. O que os europeus rejeitam é o atual estado de coisas, mas ainda não perceberam que a direita é a exata manutenção – travestida de mudança – no atual modelo capitalista concentrador de renda e destruidor do meio ambiente. A Europa mostrou nas últimas eleições o que não quer, mas ainda não percebeu que esta consciência não basta; é precisa mostrar o que realmente deseja. A esquerda do sul global precisa entender que não é o momento de realizar concessões à direita, mas que é o tempo de radicalizações, de aprofundamento das contradições do capitalismo, mostrando – em especial à juventude – que temos alternativas à esquerda para a crise mundial do capitalismo. Esperamos que a ruptura necessária que se esboça não conduza ao poder os mesmos fascistas perversos que levaram 60 milhões à morte no século passado.

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Socialismo

O socialismo é uma ideia muito antiga na história da humanidade, que tem como base a eliminação das divisão da sociedade em classes sociais, e suas origens podem ser encontradas nos primeiros grupamentos humanos que surgiram após a revolução do neolítico. Apesar dos inequívocos avanços decorrentes da revolução burguesa do final do século XVIII, manteve-se a divisão de classes baseada no capital, reminiscência nefasta que se manteve com a passagem do feudalismo para as monarquias absolutistas e destas para a sociedade burguesa. Apesar de não serem seus criadores, o socialismo teve um impulso fundamental com os trabalhos de Karl Marx e Friedrich Engels, pensadores alemães que assinam o “Manifesto Comunista”, que pode ser entendido como o pontapé inicial em um grande movimento de massas para a derrubada dos governos burgueses e a ascensão política da classe proletária.

As bases ideológicas do marxismo – como passou a ser chamado – influenciaram os movimentos revolucionários russos que acabaram depondo o governo liderado pelo Czar Nicolau II e a instauração do governo socialista bolchevique em 1917. Seus principais líderes, Lênin e Trotsky, se guiaram pelas teorias econômicas de Karl Marx na forma como deixou escrito em sua majestosa obra “O Capital”.

A revolução russa foi a primeira das grandes revoluções do proletariado, seguida pela revolução chinesa de Mao Zedong, logo após a expulsão dos japoneses em 1949. Após o fim da guerra civil e durante os primeiros anos da revolução, a Rússia experimentou um crescimento vertiginoso de sua economia, na chamada NEP. Um dos estados nacionais mais pobres da Europa em 1917, a Rússia foi a responsável direta pela derrota de Hitler na segunda guerra mundial. Seu avanço tecnológico permitiu que, duas décadas após o fim desta guerra –  que vitimou entre 7 e 15 milhões de russos – colocasse Yuri Gagarin como o primeiro humano em órbita, mostrando a pujança dos ideais, da técnica e da economia soviéticas.

Entretanto, nos anos 50 do século XX, uma série de contradições na então União Soviética se tornaram aparentes a partir da morte do georgiano Josef Stálin, que havia sucedido o grande líder Lênin. A ascensão de Nikita Krushov aos poucos foi desvelando ao mundo os crimes do líder anterior. No final dos anos 80 a economia soviética estava prestes a entrar em colapso quando assumiu o controvertido presidente Mikhail Gorbachev, que instituiu a “Glasnost” (transparência) seguindo-se da “Perestroika” (restauração). Estas novas perspectivas, combinadas com a queda do muro de Berlim – que separava por um muro a capital da Alemanha invadida – e a eleição de Bóris Yeltsin como presidente da Rússia decretaram o fim do “socialismo real” que desaparecia junto com a “União Soviética”, posteriormente esfacelada em suas múltiplas repúblicas.

Essa queda do sonho socialista fez com que muitos países da Europa repensassem o seu ideário socialista, formando-se grandes partidos chamados “reformistas”, que se contentavam em ajustar os desvios do capitalismo – em especial sua doença de concentração de renda e esgotamento de recursos naturais – sem combater a sociedade de classes. Surgia assim, no mundo inteiro, a “Social Democracia”, que mescla ideais do sistema de “bem-estar social” do socialismo com a observância das regras e partidos da democracia burguesa.

Enganam-se, entretanto, como fez Francis Fukuyama, que se tratava do “Fim da História”. Em verdade, o socialismo está cada dia mais vibrante, seja na sua vertente social democrata quanto na “revolucionária”. Existem inúmeros partidos da “nova esquerda” que rezam pela cartilha social liberal, mas os partidos de estrutura revolucionária sobrevivem em várias partes do mundo. No Brasil os partidos de centro esquerda são o PT, o PSOL, o PCdoB e outros, que se configuram como partidos eleitorais regulares. O PCO – Partido da Causa Operária – é o mais importante partido comunista revolucionário da atualidade no país.

A história do socialismo está longe do fim. Sua meta principal é a socialização dos meios de produção, o respeito à ecologia e à diversidade, o fim do racismo e do machismo, o extermínio da sociedade de classes e a ditadura do proletariado.

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