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Surpresa

O quarto era bastante acanhado. Ao lado da cama de solteiro havia uma mesa e uma cadeira, absolutamente básicas. Uma TV, que passava o dia ligada em volume baixo, estava situada na parede contígua, ao lado da porta que levava ao banheiro, onde do chuveiro elétrico uma gota teimava em cair em intervalos regulares o dia inteiro, mas que tornava a noite dos mais sensíveis em uma tortura. Não havia qualquer luxo no quarto do plantonista de um centro obstétrico nos anos 90, em especial em um hospital de periferia que atendia 99% de pacientes do SUS.

Naquela época havia uma espécie de contrato por “produtividade”. Fazíamos plantões e ganhávamos pelo número de partos atendidos. Ou seja: o pagamento vinha pelos papéis assinados, e não pelo efetivo trabalho realizado. Poderíamos passar 24 horas trabalhando incessantemente, fazendo consultorias nos andares, atendendo intercorrências na maternidade, avaliando pacientes na emergência obstétrica ou acompanhando os trabalhos de parto. Todavia, só o parto e o nascimento dos bebês, era pago; todo o resto do trabalho era invisível e, portanto, não pago.

Assim, todo o plantão era uma loteria. Já tive plantões zerados, sem atender ninguém e sem receber um tostão, tendo ainda que pagar a gasolina para ir até o hospital (que ficava uns 40 km da minha casa). Por outro lado, houve plantões em que “herdei” do plantonista anterior 4 ou 5 pacientes prestes a parir, o que me garantia um razoável pagamento. Lembro que naquela época a economia estava em frangalhos e a inflação descontrolada, e por essa razão era comum dolarizarmos tudo. Por causa disso, lembro que um parto no plantão do SUS pagava por volta de 50 dólares, e a média de partos atendidos era de 20 (5 por plantão), o que dava aos plantonistas por volta de 1000 dólares mensais, mas sem qualquer benefício trabalhista. Claro, nos anos 90 o dólar tinha um significado diferente do que tem hoje.

Eu não tinha mais do que 29 anos de idade, mas tinha uma face muito infantil. Não foram poucas as vezes que, após avaliar uma paciente em trabalho de parto e pedir para ela voltar mais tarde – quando as contrações estivessem mais frequentes – ela se voltasse para o marido dizendo: “Olha, não me leve a mal, mas prefiro esperar a avaliação do médico”. Eu apenas ria, e entendia o engano da paciente como sendo natural. Eu realmente não tinha cara de doutor.

Em um desses plantões, no meio de um cochilo superficial perturbado pelo irritante pingo do chuveiro, fui chamado para avaliar uma paciente na emergência do centro obstétrico. Enquanto eu me ajeitava no meu pijama de plantão, perguntei à “enfermeira” (não havia reais enfermeiras no plantão, apenas auxiliares de enfermagem sem qualquer formação; muitas delas entravam como auxiliares de limpeza e adquiriam habilidade de cuidado com o tempo) se ela estava com muitas contrações ao que ela respondeu: “Na verdade ela veio da clínica médica. Está internada com diagnóstico de trombose venosa. Tem prescrição de anticoagulante, mas a enfermeira da Clínica Médica acha que ela pode estar grávida e ficou com medo de aplicar a medicação. Dá para o senhor avaliar?” Resmunguei, inevitavelmente. Ora, fazer às 3 horas da manhã uma avaliação que deveria ter sido feita à tarde quando da internação? E porque só agora resolveram trazer a paciente? Ainda reclamando – em pensamento – caminhei os poucos passos que separavam o quarto dos médicos da sala de exames.

Quando cheguei à sala iluminada, que ficava na frente da nossa humilde maternidade, encontrei a menina já deitada na maca, e os sinais vitais – todos normais – estavam escritos em um papel que repousava sobre a pequena mesa de metal. Sim, uma menina; depois descobri que tinha apenas 16 anos. Levantei o lençol que cobria suas pernas e vi o quadro diagnóstico que a havia trazido ao hospital: a perna inchada e levemente avermelhada, que levantou a suspeita de uma trombose venosa profunda. A indicação era de usar warfarina sódica, mas a enfermeira suspeitava de uma gravidez, apesar da menina não confirmar, e por isso não quis aplicar antes de uma avaliação do obstetra. Levantei mais um pouco o lençol e lá estava o abdome globoso, porém escondido atrás da compleição volumosa da paciente. A menina era gorduchinha: pés, mãos, rosto e barriga. Perguntei a ela se ela estava com a menstruação desregulada, ao que ela respondeu que “sim”, apesar de não lembrar quando havia sido seu último sangramento. “Cinco meses, talvez; quem sabe sete doutor. Não lembro bem”.

“A enfermeira acha que você pode estar grávida, meu anjo. Acha possível?” perguntei eu. Foi após o silêncio, que preencheu de dúvidas a acanhada sala de exames, que eu atentei para o seu rosto e alguns detalhes do seu corpo. Os olhos estavam fixos no teto da sala, imóveis, crispados. Em torno deles a pele juvenil estava pálida e úmida. Na ponta do nariz bem desenhado, gotículas de suor brotavam de sua face como pequenas lentes, e as mesmas bolinhas de água adornavam o contorno de seus lábios vermelhos e a base do nariz. Levantei mais um pouco e o lençol e vi que sua mão agarrava com força a grade da maca. Todos aqueles sinais sutis demonstravam algo para além de uma simples trombose de membros inferiores. Ela continuava em silêncio diante da minha pergunta, mas poderia ser por pudor ou vergonha. “Afinal”, perguntava ela em pensamento, “o que esse menino de pijama tem a ver com isso?

“Vou escutar sua barriga. Se você estiver mesmo grávida o aparelho vai nos dizer”, disse eu laconicamente. Ela igualmente nada respondeu e eu coloquei o transdutor do sonar empapado de gel em sua barriga. Foram necessários apenas poucos segundos para encontrar o cavalgar tão característico de um batimento fetal. “Aqui está ele. Você está grávida menina, e pelo tamanho da barriga, bastante grávida”. Ela levantou a cabeça do travesseiro da maca e me olhou incrédula. “Grávida? Não pode ser!!” Dizendo isso contraiu o rosto como se estivesse sentindo dor. Olhei imediatamente para as duas enfermeiras que estavam ao meu lado e pedi um par de luvas. “Abra as pernas garota. Preciso lhe examinar. Eu suspeito que você está tendo contrações”. Com a ajuda das auxiliares fiz o toque vaginal e não pude evitar de uma expressão de surpresa. Não apenas ela estava em trabalho de parto, como seu bebê estava praticamente coroando.

“Sim, você está grávida e seu bebê vai nascer agora. Por favor, fique de pé e me acompanhe”. Pedi às auxiliares que acendessem a luz da sala de parto e me trouxessem um “pacote de partos” – um conjunto de materiais esterilizados e campos para atenção ao parto. Segurando suas mãos com cuidado, caminhei com a menina uns poucos passos para a sala ao lado e pedi que ficasse de cócoras, segurasse com firmeza as minhas mãos e empurrasse o bebê, caso sentisse vontade. “De fazer cocô?”, perguntou ela. Respondi afirmativamente, ao que ela disse: “Pois eu estou sentindo muito essa vontade!!!” Foram necessárias apenas duas forças bem intensas para que o bebê viesse para as minhas mãos, antes mesmo que as enfermeiras tivessem tempo de buscar o material esterilizado. Nasceu no chão da sala de partos, protegido por lençóis limpos arrancados da maca. “Então eu estava mesmo grávida!!”, exclamou ela. Não pude conter um sorriso; do diagnóstico de gravidez ao nascimento não haviam se passado mais do que dois minutos; uma gravidez inteira e todo um trabalho de parto que duraram menos de 120 segundos.

Os instantes que se seguiram ao parto foram como se aos poucos a menina estivesse voltando à realidade. Disse para mim que estava mesmo desconfiada, com o aumento de peso, com a falta da menstruação, mas temia que fosse realidade o que ela tanto temia. “Por que tanto medo?” perguntei, mas ela se manteve em silêncio, e eu respeitei sua insegurança em me contar o que havia ocorrido. Completei todas as etapas da atenção ao parto, avaliei o períneo examinei a placenta e confirmei a rigidez do seu útero. Ajudei que se levantasse e ela se deitou na maca, para ser levada ao quarto, apenas alguns metros adiante. Caminhei ao seu lado enquanto ambos em silêncio escutávamos o barulho das rodinhas mal azeitadas da maca cantando uma canção monótona e repetitiva. Quando chegamos à porta do quarto, me despedi com um sorriso, esperando retomar o que restava de sono para aquela noite. Entretanto, o que ela me disse ao se despedir impediu que Morfeu pudesse me recolher, mais uma vez, em seus braços.

“Foi o William, doutor. Foi ele. Ele não é uma boa pessoa. Além disso, ele é o namorado da minha mãe”.

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Inovações

Eu lembro muito bem da chegada do telefone à minha casa no início dos anos 70. Antes disso qualquer comunicação precisaria ser pessoal. Um episódio curioso ocorreu em 1962, quando da morte do meu avô. Nós morávamos em uma cidade chamada São Leopoldo, que está para Porto Alegre assim como o ABC está para São Paulo. No dia da morte meu tio teve que pegar um bonde até o centro de Porto Alegre, ir até a rodoviária e de lá pegar um ônibus intermunicipal até São Léo. Chegando à rodoviária pegou um taxi até nossa casa, na rua São Paulo, quando então deu a triste notícia à minha mãe. O processo inteiro levou toda a manhã, algo que hoje em dia fazemos instantaneamente.

Meu primeiro celular também foi marcante, porque a ideia de andar e falar ao mesmo tempo era inacreditável. Recebi o telefone na antiga CRT e pediram que aguardasse uma hora até que o sinal fosse estabelecido. Fui até um orelhão (quem lembra?) e solicitei a Zeza que ficasse tentando me ligar, até conseguir. Depois de mais de uma hora o telefone tocou quando eu estava caminhando na frente da prefeitura. Foi uma emoção incrível.

Assisti TV colorida no inicio dos anos 70, e lembro da festa da uva, em Caxias, quando foi transmitido o primeiro jogo à cores no Brasil. No dia da festa as pessoas se aglomeravam na frente das lojas para assistir as cores dos uniformes de Grêmio e Caxias. Claro que a transmissão era um horror se comparada às transmissões 4K por fibra ótica, ainda cheia de “fantasmas”, mas quem se importaria com isso diante do eflúvio de cores e tonalidades inéditas na TV?

Talvez os telefones celulares e as TVs a cores sejam menos marcantes do que a sensação fantástica que desfrutamos há pouco tempo, mas que já foi incorporada ao nosso cotidiano. É curioso pensar que há pouco mais de 90 anos quase ninguém podia tomar um banho quente em sua casa. Antes da invenção do chuveiro elétrico (por um brasileiro, aliás) todos os banhos eram gelados ou frios, inobstante a temperatura na sua casa. Hoje em dia ninguém consegue mais imaginar como deve ter sido a emoção de tomar um banho quente pela primeira vez. Nossos corpos facilmente se acostumam com estas inovações e as incorporam como “naturais”, como se fossem privilégios que sempre estiveram ao nosso alcance.

Entretanto, se alguém me contasse há 30 anos que no início do século XXI eu poderia escrever um texto como esse em um visor com teclas e que dezenas de pessoas ao redor do planeta o veriam instantaneamente, eu diria…

“Conta outra, vai…”

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Cuidado, “spoiler”!!!

“Festa de revelação”…
Balões azuis ou cor de rosa;
Recheio do bolo com “cor de menino” ou “cor de menina”;
Fumacinha colorida reveladora.
Céus…

Precisamos mesmo desse tipo de ritual?
Passamos por aqueles constrangedores chás de fraldas, onde a graça estava em maltratar a grávida, por festinhas mediadas por ultrassons recreativos e invasão da privacidade de bebês. Vale a pena? Não vou nem citar os riscos da realização abusiva destes exames, mas o que realmente ganhamos como sociedade ao revelar a magia, expondo o truque antes do coelho sair da cartola? Mas, a graça não está exatamente em não saber, em imaginar, em fantasiar? O desejo não se forma exatamente pela interdição, como o furo da meia – que excita por esconder?

Outra questão é o capitalismo aplicado aos ciclos vitais. Este ritual ganhou força quando começou a ficar claro que o abuso de ecografias não produzia nenhum benefício (cientificamente evidente) para mães e bebês. “Bem, mas se não produz efeitos médicos, quem sabe provamos que traz vantagens afetivas?” Assim, o comércio começou a vender a ideia de que o ultrassom era capaz de fortalecer a ligação entre as mães e seus bebê pela possibilidade de um contato mais intimo (visual) entre eles. Além de aumentar esse “bonding” – que jamais foi comprovado experimentalmente – essa nova tecnologia seria capaz de revelar o sexo do bebê, oportunizando uma comemoração extemporânea e a criação de um novo ritual, agora tecnologicamente mediado. Esse ritual acabou sendo explorado comercialmente mas também entrou como uma luva na sociedade contemporânea do espetáculo, onde qualquer evento – da formatura do jardim da infância ao fim do doutorado – merece um espetáculo grandioso e personalista.

Para mim, a questão central desse debate é simples: a intermediação do evento gestação pela tecnologia serve de auxílio para a relação familiar alargada (mãe, pai, avós, etc.) ou apenas expropria – mais uma vez – da mulher um evento que outrora era apenas controlado por ela, seus sentimentos, emoções e ritmos?

No fundo, a expropriação sutil que se faz sobre a gestação funciona assim mesmo: o bebê sai da barriga da mãe e entra para o ventre da máquina, para a cultura e para o controle dos médicos. As máquinas é que carregam este bebê, e não a mãe. Nesse aspecto homens e mulheres acabam se equiparando: a gestação já está fora de ambos, mediada pela frieza cientificista. Não dá para esquecer a entrevista que Robbie fala relatando a experiência com uma mãe que, hipnotizada pelos bips da máquina, diz a ela “parece que o bebê está ali dentro“.

Um exemplo simples para entender minha posição: o ritual do casamento ocidental é a mais poderosa de todas as cerimônias de fortalecimento e manutenção do patriarcado, Todo o simbolismo do evento é marcado pelos valores patriarcais mais básicos. O vestido branco, as testemunhas, o noivo esperando, o pai que entrega a filha para o seu próximo “dono” (ou cuidador, ou responsável), etc. Tudo ali é escrito – como uma peça de teatro que todos sabemos como termina – para reforçar estes valores, mesmo que de forma inconsciente. Aliás, a dissimulação dos rituais é sua maior força. Eles não precisam da razão para serem fortes e consistentes.

Pois muito bem…. não há nenhuma dúvida entre as pessoas que trabalham com rituais (de Van Gennep até Robbie) de que estes rituais carregam simbolismos os quais por sua vez produzem mudanças comportamentais em quem se submete a eles. Se você souber e for esclarecida sobre o que em verdade está sendo encenado em um matrimônio você mudaria sua maneira de casar?

Talvez não, mas é possível que sim, e por isso mesmo é crescente o número de pessoas que resolvem fazer “casamentos alternativos”, sem votos, sem roupas especiais, sem pais trazendo a noiva, sem a mediação de qualquer religião, etc… Isto é: mudam-se os rituais porque eles já não mais representam os VALORES SUBJACENTES daquele casal, mas poderia ser também daquela grávida. Pela mesma razão mudou-se paulatinamente o chá de fraldas – para chá de bênçãos – exatamente pela mesma razão: o entendimento dos valores subjacentes, e a ideia de NOVOS rituais para NOVAS consciências.

Os rituais das festas de revelação podem ser modificados se as pessoas entenderem ao que eles servem e o quanto eles expropriam das mães o controle sobre suas gestações, assim como a entrega deste poder aos médicos e à tecnologia pode ter significados deletérios para a relação que está para se formar.

Somos uma sociedade bizarra, onde achamos deseducado fazer um mísero comentário sobre um filme do cinema para alguém que ainda não o assistiu, mas achamos justo antecipar a mais grandiosa das surpresas. Qual o sentido em revelar o gênero de um bebê que aguarda o momento para, por si mesmo, nos anunciar? Qual a vantagem em contar o fim do filme quando ele está apenas começando?

Sei que sempre fui – e continuo sendo – a voz solitária no deserto da tecnocracia ao questionar estes modismos. Mas, pelo menos a mim foi dada a maravilhosa oportunidade de acompanhar partos em que houve respeito ao mistério e onde a revelação do segredo tão bem guardado se apresentou vívida e gloriosa diante de nós apenas no momento em que sempre ocorreu. Estes momentos de esplendor jamais esquecerei. Obrigado a todos que me permitiram viver a ansiedade da revelação corporificada no momento do nascimento.

Deixo as palavras do jornalista Chris Hedges sobre a importância do mistério e do sagrado para a sobrevivência de qualquer cultura.

“Aqueles que descreveram as sociedades nativas americanas ou de Delfos na Grécia antiga, não usaram a fria linguagem clínica da ciência e da razão. Eles as descreveram na linguagem nebulosa do amor, ternura, paciência, justiça, redenção e perdão. Eles foram fascinados pela misteriosa incongruência da existência humana. Uma sociedade que perde o respeito pelo sagrado, que ignora seus oráculos e separa o poder da imaginação humana, garante sua obliteração.”

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Esperança

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Tiro uma calça pendurada no calceiro e visto apressadamente antes de sair para o trabalho. Coloco a chave do carro no bolso da frente, a carteira no bolso posterior direito e, quando estou ajustando a calça, percebo um papel no bolso do outro lado.

Coloco a mão no bolso chapado de trás e mexo delicadamente o papel. Sinto a textura e o tamanho. O som do papel especial produz um barulho característico e inconfundível. O papel dobrado em dois roça em si mesmo sob a pressão dos meus dedos e sinto as pequenas irregularidades de tinta em sua superfície. Meu coração dispara e penso que hoje deve estar reservado um grande presente do universo.

Fecho os olhos e volto minha cabeça para o alto, enquanto minha mente em profunda oração silenciosa diz para si mesma: “cinquenta, senhor, cinquenta…”

Chega o momento da verdade e minha mão sai do bolso trazendo a pequena folha dobrada. Trago para a frente dos olhos, que se mantém fechados, em profunda conexão espiritual com as forças que comandam a prosperidade cósmica.

As pálpebras se abrem lentamente e a cor do papel se mostra com vagar.

Mas…. é azul o que o destino me ofereceu. Não é cinquenta; é dois.

Eu pergunto aos crentes e crédulos: Onde está Deus agora? Depois de todas as minhas preces é mesmo meio cafezinho a totalidade do meu merecimento?

Que papelão, meu Deus.  Depois reclama quando fazem marchas por Satanás..

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Presentes da Vida

Barriga-de-grávida
O quanto de desejo se esconde numa barriga?

O quanto de desejo se esconde em uma barriga?

Poucas mulheres, percentualmente, chegam ao meu consultório “planejando” engravidar. A ideia de uma preparação prévia, que poderia ser o modelo mais racional possível,  não é o mais prevalente. A maioria das mulheres chega à primeira consulta com um papelzinho na mão e um sorriso maroto nos lábios. As explicações são variadas, mas contém uma linha que pode ser percebida nos espaços dos discursos. “Não estávamos pensando para agora, mas já que veio, que seja bem recebido“. Ou então “Ah, estávamos com uma relação cheia de idas e vindas, e eu acabei engravidando numa dessas voltas“. As gravidezes nos surpreendem mais do que seria de esperar. Afinal, se temos tanta informação, como podemos cair nas artimanhas de uma gestação “fora de hora”?

Todavia, existe mais em nossas ações do que a fina e tênue camada de racionalidade que nos recobre. O que eu percebo, de forma clara e intensa, é que o desejo é o mestre soberano a comandar nossas ações. Essas determinações inconscientes são o vento que empurra a embarcação da vida, e a nossa consciência não passa de um tímido leme, pequeno e frágil, que apenas corrige, quando possível, as rotas sopradas.

Aliás, ainda bem. A previsibilidade racional da vida sempre me assustou. Quando vejo a ponta do desejo aparecendo na teia do cotidiano eu penso na arquitetura inconsciente que arbitra a existência, para além do pensado e planejado. Como diria uma colega psicanalista, “não existem gravidezes indesejadas, apenas aquelas em que o desejo não ascendeu à consciência“. E, nas gestações assim como em outros aspectos da sexualidade humana, a libido se manifesta à despeito da vontade expressa, comandando nossa vida adiante do que as conveniências determinam. Se pode ser adequado, tanto do ponto de vista da saúde como dos aspectos logísticos, um planejamento gestacional, eu ainda consigo ver uma beleza recôndita nas surpresas que a vida reserva, pois elas mostram a roupagem mais humana que vestimos.

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