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Visibilidade Trans

Em uma conversa sobre a visibilidade trans uma menina fez a seguinte observação:

“O que mata é a situação da prostituição, ser negro, ser pobre, ou seja, o de sempre. Homens brancos com grana podem transicionar pro que quiserem e vão ficar de boa”.

Deixei claro para ela que “de boa” era um exagero inaceitável. Dizer que outras condições de precariedade social, como a pobreza e a cor da pele, são elementos que agravam a marginalização dos sujeitos não nos autoriza a dizer que as transições de pessoas mais privilegiadas vão ocorrer com tranquilidade.

Eu nunca vi alguém trocar sua identidade sexual dando risada ou com leveza no coração. Isso é uma fantasia, mas pode acobertar uma brutal crueldade. Você pode passar por isso com mais ou menos sofrimento, mas nunca “de boa”, tranquilamente, fazendo festa. E digo mais, o que torna a transição um pouco mais tranquila para o transexual não será a cor da pele ou o dinheiro do sujeito, mas o suporte da família e do seu círculo de afetos. Ali mesmo, na mão amiga e compassiva é vai residir toda a diferença entre o sofrimento e a aceitação.

Ninguém sai do armário sob uma chuva de purpurina; as pessoas saem “chutadas”, mas esse chute é o sujeito que dá em si mesmo, premido pela angústia de viver uma vida dupla. Na questão da identidade de gênero a questão é ainda muito mais grave, pois não se trata apenas da orientação sexual (que pode ser absolutamente privada) mas tem a ver com a persona pública desse indivíduo, e a pressão social sobre ele será muito mais forte, cruel e até mordaz.

É óbvio que a cor da pele e a pobreza colocam elementos de agravamento sobre este cenário, mas acredito ser profundamente injusto com o sofrimento das pessoas brancas e de classe média dizer que sua passagem foi “fácil” ou “tranquila”. Não é, e basta conversar 15 minutos com alguém que passou por este processo para ver o quanto ele pode ser doloroso e desafiante.

Se a visibilidade trans pode nos oferecer alguma lição que seja esta: não participe de competições sobre quem é a maior vítima, separando o transexual branco, do preto, do classe média, do milionário e do pobre. Todos enfrentarão uma sociedade preconceituosa e cruel. Nenhum deles estará livre disso, mesmo que alguns tenham preconceitos que se somam e se intensificam. Todavia, o acolhimento deverá ser para todos, inobstante o grau objetivo de sofrimento que nós, erradamente, arbitramos.

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Esportes e Trans

No debate sobre a jogadora transgênero existem dois lados bem distintos: um que reconhece a jogadora como mulher baseando-se em duas premissas: auto-declaração e nível de testosterona. O outro lado afirma que biológica e fisicamente ela guarda aspectos fundamentais do gênero masculino que, no cenário específico do esporte – mas não na sua nova vida social como mulher – garantem a ela vantagens sobre as outras competidoras.

Existem bons argumentos para os dois lados, e eu vi todos eles sendo ditos por defensores de ambas as perspectivas. Apesar de reconhecer justiça nos argumentos lançados ainda me posiciono contra a liberação por achar que isso prejudica a competitividade das atletas cis.

Entretanto, esta não é uma posição definitiva ou inamovível, apenas uma espécie de zelo com relação à uma aparente banalização da transexualidade. Posso tranquilamente mudar minha posição se for nutrido de bons argumentos em contrário. Ultimamente tenho visto muitos debates que questionam as cirurgias e os tratamentos de designação sexual sem que haja uma avaliação mais profunda de questões psicológicas associadas e sem levar em consideração os riscos inerentes aos tratamentos. Hormônios em altas doses e cirurgias mutilatórias são realizadas em nome da “liberdade de escolha”, o que tem valor inequívoco, mas sem que a sociedade entenda bem o que estas intervenções sobre a fisiologia significam. A exemplo das cirurgias para emagrecimento, um novo filão para a medicina mas com inúmeros pontos obscuros sobre seus parefeitos, as mudanças de gênero precisam de uma discussão ampla que envolva os aspectos médicos, éticos, sociais e psicológicos.

Infelizmente para alguns grupos mais fanatizados o mero questionamento sobre o tema produz reações de fúria. Basta questionar se a teoria de gêneros usada na atualidade serviria (também) para o esporte de alta performance para que surjam de imediato reações de grosseria e ataques ad hominem.

Quem não admite o debate e não suporta perguntas inquietantes não passa de um sujeito dogmático e autoritário. Infelizmente pessoas com esse perfil estão tanto na direita quanto na esquerda. A ideia de ver suas ideias prevalecerem calando as ideias alheias ou atacando a honra de quem discorda é um ato medieval e característico de mentes aprisionadas no preconceito.

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