Arquivo da tag: umbanda

Umbanda

A Umbanda é uma religião afro-brasileira criada no início do século XX, no Rio de Janeiro, a partir da associação de crenças e ritos do candomblé, o catolicismo e o espiritismo. A palavra “umbanda” tem origem no idioma Bantu e significa “lugar de culto” ou “sacerdote”. Umbanda é, portanto, uma religião cristã, criada do sincretismo entre tradições africanas (como o Candomblé) e o cristianismo, numa das mais bonitas mesclas entre as iconografias cristã e africana, fazendo uso também do mediunismo como expressão, elemento característico da herança africana.

Eu sou espírita laico, portanto não tenho e não sigo nenhuma religião. Entretanto, quando analisamos as manifestações culturais de um país gigante como o Brasil é forçoso reconhecer a Umbanda é uma das mais bonitas páginas da cultura religiosa brasileira, com seus ritos, suas vestimentas, seus orixás, seu sincretismo, sua música e a mistura criativa entre África e Ocidente. Além disso, a Umbanda é a religião mais respeitosa com o universo LGBT, e uma das que mais concentra – junto com o Candomblé – pretos e pobres do Brasil, a classe de trabalhadores explorados que levarão adiante a nossa revolução proletária. A Umbanda tem um valor cultural imenso para o Brasil e, assim como as outras religiões surgidas dos mitos africanos, é um maravilhoso patrimônio cultural desse planeta.

Por certo que existem pessoas que usam das religiões para enganar e ludibriar pessoas em necessidade, mas isso ocorre em todas as religiões. É comum ver “médiuns” querendo ganhar dinheiro explorando a crendice e o misticismo de gente crédula ou desesperada. Ao mesmo tempo está cheio de “sensitivos” que recebe mensagem falsa dos mortos, desonestos que usam a Cabala, picaretas do xintoísmo, dos ciganos, do espiritismo, dos exorcistas católicos, etc. Ou seja, esse não é um problema da Umbanda, mas dos humanos. Porém, o fato de mesclar tradições de África com santos católicos não é uma falha ou fraqueza de suas tradições; em verdade é a magia do sincretismo. Não é à bossa nova o sincretismo do jazz com o samba? Não é o blues a mistura da tristeza e da musicalidade negra com os ritmos ocidentais? Não seria o Rock o filho parido de tantas mães? Não seria a própria humanização do nascimento uma espécie de sincretismo entre o “free birth” e as práticas tecnocráticas de assistência ao parto, alimentando-se de ambas as experiências para produzir uma síntese que tende a melhorar a experiência e a segurança do parto? Desta forma, para “não morrer” tudo precisa se transformar e se adaptar. Seria justo dizer para os passarinhos que eles são “pobres dinossauros fracassados, que precisaram diminuir para não acabar”? Ou que o seu sucesso surgiu de sua adaptabilidade a um mundo em transformação?

A música “Banda Um” do genial do Gilberto Gil é uma ode ao sincretismo, uma elegia ao pote de raças e culturas que se produziu no Brasil como uma de suas maiores riquezas. A Umbanda é a melhor síntese de brasilidade!! Viva a Umbanda, a religião mais brasileira e mais revolucionária das Américas!!!

“Banda um que toca um balanço
parecendo polka
Banda um que toca um balanço
parecendo rumba
Banda um que é África,
que é báltica, que é céltica
UmBanda América do Sul
Banda um que evoca
um bailado de todo planeta

Banda pra tocar por aí
No Zanzibar
Pro negro zanzibárbaro dançar
Pra agitar o Baixo Leblon
O Cariri
Pra loura blumenáutica dançar
Banda um que soa um barato
pra qualquer pessoa
UmBanda pessoa afins
Banda um que voa,
uma asa delta sobre o mundo
UmBanda sobre patins
Banda um surfística
nas ondas da manhã nascente
UmBanda, banda feliz
Banda um que ecoa
uma cachoeira desabando
UmBandaum, bandas mis”

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Mediunismo

Algumas perguntas aos espíritas e pessoas de religiões de matriz africanas:

Li o parágrafo de um livro que criticava o impedimento de que espíritos de pretos velhos se manifestassem em casas espíritas. Sei onde isso pode levar.

O espiritismo é uma doutrina de caráter filosófico e de consequências morais. Ao meu ver não é uma religião, mas reconheço a controvérsia. No dizer de Kardec, seu criador, ela é um acessório das religiões, e não mais uma delas. Kardec era cristão, filósofo e pedagogo. Pior: era branco e burguês, o que pode explicar a presença em sua obra – de meados do século XIX – de expressões do mais puro e cristalino racismo. Certo que fora do contexto expansionista e colonialista europeu seus escritos soam como barbaramente discriminatórios. Fica a ressalva dos contextos históricos e circunstanciais. De qualquer forma, o espiritismo e as religiões de matriz africana (Umbanda, Candomblé, Nação, Quimbanda, etc.) compartilham a ideia da comunicabilidade entre planos físico e extrafísico, a “mediunidade”. Mas as divisões de castas brasileiras fizeram com que o fenômeno “branco e europeu” ficasse com Kardec, um intelectual francês, e a manifestação popular ficasse com os negros e os referenciais relacionados com sua origem.

Ora, que profunda falta de perspectiva!! Quanto desprezo pelas forças sociais que condenam grandes massas à exploração ao arbítrio dos poderosos. O espiritismo – por sua origem intelectual, europeia e progressista – poderia ter sido a grande força renovadora das religiões no Brasil, mas se manteve atrelada ao religiosismo. No atual contexto religioso do nosso país, tão desigual e injusto, somente as religiões de matriz africana, por agregarem a massa de pobres e negros da nossa sociedade, têm a potencialidade de reverter a má imagem criada pelas religiões neste país. Só elas – e uma parcela minoritária dos católicos – tem massa crítica suficiente para produzir mudanças no cenário de desigualdade no Brasil. O resto cultiva a compaixão burguesa mais superficial e inócua. A propósito, o sincretismo religioso fez com que a Umbanda surgisse aproveitando dos símbolos e rituais do cristianismo hegemônico e misturando-os com a cultura de África, criando uma riquíssima manifestação religiosa miscigenada e valiosa da cultura nacional. O espiritismo, por seu turno, se manteve mais fiel aos seus propósitos racionalistas e apontando para as elites. Apesar da umbanda ser muito mais católica do que espírita em sua exterioridade, o mediunismo se expressa em ambas, mas com uma clara divisão de classes, cabendo à branquesia as manifestações mais “intelectuais” e à negritude o fenômeno mais popular. A religião mimetiza a divisão da Casa Grande e Senzala. Talvez seja possível imaginar que Zé Arigó, médium famoso dos anos 70, só se tornou famoso porque incorporava um médico alemão – Dr Fritz; fosse um caboclo curador e operador a lhe usar como “mula” e ninguém lhe daria importância.

Entretanto, a crítica a um pretenso impedimento de “manifestações” de pretos velhos me incomodou, em especial por uma crítica que faço ao mediunismo gratuito. Então eu pergunto, sem que nessa pergunta exista qualquer aversão ou preconceito: por que deveríamos dar voz a pretos velhos, ciganos ou outras pessoas falecidas em casas de Umbanda ou Casas Espíritas? Pelo contato e pela evidência do fenômeno? Se é pelos “ensinamentos” por que não chamar o preto velho que mora na esquina para vir falar de sua experiência na terra, suas lutas, suas dores, seus amores e angústias? O que há de especial no seus ensinamentos que se tornam valiosos só porque morreu? Dizer “ame o seu próximo”, “valorize cada minuto de sua vida” ou “cultive a caridade” passam a ter mais valor quando ditos por pessoas mortas?

Qual o real sentido do mediunismo? Receber conselhos clichês que a gente pode facilmente escutar numa mesa de bar dito por um garçom compassivo? Qual o real valor de produzir tais fenômenos? Em quê eles podem ajudar a nós ou aos desencarnados? A simples expressão retorcida de suas falas é – por si só – terapêutica para quem fala ou escuta? Que angústia seria essa que nos leva a procurar pretos velhos para oferecer direção e sentido à nossa vida? O mesmo que nos faz ler o horóscopo, procurar o padre ou consultar a cartomante? Se a crítica do texto é sobre um pretenso “racismo” na escolha dos consultores, então eu me associo. Se for uma crítica à nossa busca por conselheiros que nos digam apenas o que queremos ouvir, também. Entretanto, se for um estímulo ao mediunismo alienante, onde uma instância “mais próxima de Deus” toma decisões por nós, então estou fora.

Deixem os pretos velhos em paz.

Deixe um comentário

Arquivado em Religião