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BDSM

O acrônimo B D S M significa Bondage, Discipline, Sadism and Masochism. Parecem palavras retiradas do lema de uma milícia de extrema direita, mas na verdade são práticas sexuais que incluem algum nível de violência consentida. Gente amarrada, humilhada, castigada, uso de sadismo e masoquismo. Não faço nenhuma crítica de ordem moral quanto a isso, em absoluto. Todos devem saber onde amarrar seu desejo, e se responsabilizar por ele. O limite? A lei. Em verdade creio que estas práticas tem o mesmo valor de fetiche quanto casar virgem, frequentar a igreja e ter 10 filhos. Cada um com sua fantasia; aliás, gosto da tese de que o pudor é a mais sofisticada das perversões. Afinal, como bem dizia Caetano:

A gente não sabe o lugar certo
De colocar o desejo
Todo beijo, todo medo
Todo corpo em movimento
Está cheio de inferno e céu
Todo santo, todo canto
Todo pranto, todo manto
Está cheio de inferno e céu
O que fazer com o que DEUS nos deu?
O que foi que nos aconteceu?
Todo homem sabe que essa fome
É mesmo grande
Até maior que o medo de morrer
Mas a gente nunca sabe mesmo
O que quer uma mulher

Aliás, grande tema para debater. Nos congressos de BDSM uma das questões mais debatidas é a importância dos “passwords” ou “safewords”. Tipo: numa encenação sadomasoquista como saber se o sujeito está atuando, ao estilo “ai, ai, ai, não aguento mais, não me bata”, ou quando REALMENTE está sufocando ou sofrendo demasiado com a dor pelo castigo imposto (e até então consentido)?

Esse debate, por distante que possa parecer, eu lancei no universo do parto. Afinal quando um “não aguento mais” é uma atuação e um simples pedido de ajuda diante das incertezas do processo de parir e quando é um real limite para o sofrimento, e a consequente desistência de um projeto de parto normal? Como saber se devemos entender o valor contextualizado do pedido ou o valor bruto da palavra? Exatamente porque os domínios de expressão podem ser confusos eu dizia que, para partos também deveriam existir “palavras passe”, senhas, sinalizadores de que “agora é prá valer”, ou “chega dessa brincadeira”. Isso poderia criar mais garantias para as mães e mais segurança para os cuidadores.

Mas se “parto faz parte da vida sexual normal de uma mulher”, que dizer dos outros aspectos na vida sexual onde um “não” poderia querer significar outra coisa, muitas vezes até o oposto? Bem… nesse caso perdemos a oportunidade de estabelecer qualquer debate; o mundo de hoje fechou essa porta. Eu sempre digo que nesse caso – nos prolegômenos do ato, no chiaroscuro do apagamento neocortical – o “não” deveria ser desnecessário.

Aos homens eu digo: se houver qualquer hesitação, por mais sutil que seja…. fuja. Não vale a pena arriscar. Para as meninas digo: respire fundo e diga com todas as letras o que (não) quer; não espere que os homens entendam racionalmente negativas gemidas quando seu cérebro está quase apagado diante da afluência de hormônios. Isso fará com que na área sexual, contrariamente à toda linguagem humana, os valores das palavras venham a perder seu simbolismo e terão sentido exclusivamente denotativo. No atual cenário das fricções de gênero, não vale a pena correr qualquer risco.

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Véus

Há alguns poucos dias uma famosa artista brasileira, perto dos 70 anos de idade (na verdade 65), foi instada por uma repórter a falar sobre sua vida sexual. As barreiras para este tipo de pergunta, que há poucas décadas seriam vistas como uma intromissão indevida e deseducada na vida privada, foram derrubadas em nome de uma “abertura” da informação, onde nada mais pode ser considerado inviolável ou privado. Todavia, sua resposta, pelo inusitado, foi absolutamente chocante. Não fez nenhuma revelação escabrosa, e muito menos revelou o nome do seu atual amante; nenhuma novidade digna de manchetes sobre práticas ou fantasias. Em verdade, limitou-se a dizer algo parecido com “Isso não é da sua conta”.

Que impressionante, não? Como assim? Não vai nos relatar os detalhes excitantes de suas práticas eróticas? Não vai falar quantas vezes por semana “comparece”? Não vai falar dos dotes do seu parceiro? Não vai descrever suas fantasias proibidas?

É curioso como a sociedade contemporânea, em nome de uma pretensa liberdade de expressão, abriu mão do pudor – uma virtude que, no passado, era vista como a mais delicada de todas as qualidades femininas. Ou seja, para parecer moderno e “descolado” é preciso que não haja qualquer limite para sua vida privada. Hoje em dia vemos atrizes descrevendo detalhes da sua vida sexual com minúcias que caminham sobre a fina lâmina que separa estas descrições da mais pura escatologia. Também o empoderamento de algumas mulheres parece passar pela paixão pelos vibradores, e o seu uso – contra o qual nada tenho a dizer – passa a ser uma insígnia de liberdade e autonomia. E veja… sua utilização pouco me importa, mas me impressiona a necessidade de tratar algo privado e pessoal – existe algo mais pessoal que um “sex toy“? – como se fosse de domínio público.

Nos dias atuais, na “sociedade do espetáculo”, os casais se separam e imediatamente comparecem ao Instagram para explicar as razões para o desenlace, muitas vezes expondo questões íntimas, sem que haja qualquer necessidade. Moças revelam antigos amantes, expõem suas preferências na cama, contam sem qualquer vergonha detalhes que só a ambos deveriam importar. Homens contabilizam conquistas, gabando-se de suas práticas, expondo em seu discurso uma imensa superficialidade, .

A hiperexposição parece ser hoje o único caminho para fugir da tragédia de uma vida pacata, onde ser anônimo e simples é tão devastador quanto foi terrível a lepra na época de Cristo. Para fugir dos horrores de uma vida comum os sujeitos explicitam suas preferências sexuais em podcasts, escancaram suas fantasias íntimas em entrevistas, revelam travessuras de alcova do passado, expõem amores do passado, abrem os armários e desvelam sua orientação sexual – como se o simples fato de romper as barreiras da vida pessoal fosse algo revolucionário.

Quando me deparo com essa abertura absoluta, que embaça os limites da vida íntima, lembro do quanto de desejo se expressa pela curiosidade, pela procura de algo a ser descoberto, excitando a imaginação, desvendando tesouros no âmago da alma. A intimidade é fundada pelo mistério e, a partir deste lugar de não-saber, estimula-se a busca pelo segredo tão bem guardado. Retirados todos os véus, todas as máscaras, todas as roupagens e todos os enigmas, qual o sentido em empreender tamanho esforço na busca pela resposta?

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A Primeira Vez

Li o texto de uma jovem mãe de adolescente descrevendo sua liberalidade ao se defrontar com a primeira relação sexual do filho de 15 anos (???) com sua namorada de 17.

A justificativa que ela usa para facilitar – ou colaborar – para o encontro sexual do filho (não vou nem mencionar o fato de ele ser menor de idade para não misturar os assuntos) é o fato de ela ter sido criada por uma família muito conservadora (um clichê previsível) em que as primeiras experiências sexuais foram cercadas de tabus, angústia e sensação de culpa. Tudo precisava ser feito às escondidas, “rapidinhas” na escada do prédio, beijos roubados, sempre com medo de ser descoberta e tudo cercado de muita ansiedade. Por essa razão ela decidiu que com seus filhos seria diferente.

Percebi que muitas moças comentaram o texto saudando a postura “moderna” e “descolada” da jovem mãe. Muitas entendem que essa facilitação seria uma atitude que “descriminaliza” o sexo, tornando-o menos culposo, portanto, mais prazeroso.

Talvez na ideia de “prazer” tenha se estabelecido o meu desconforto definitivo com o texto.

Primeiramente, sua descrição dos “problemas” encontrados para seus encontros sexuais iniciais são as mais cálidas, intensas e eróticas lembranças que eu carrego. Acredito que muitos outros leitores daquele texto também pensam assim. É exatamente a dificuldade e toda a planificação necessária para esse encontro rápido e furtivo que conferiam àquele momento sua significação. Da mesma forma, é a brevidade da vida o que lhe confere o valor. O sentido erótico desses encontros é posto pela conquista, não tem valor isolado. Aí está o gozo envolvido, e por isso meu desconforto com a busca pelo “prazer”, pois não é dele que lembramos hoje, tantos anos passados.

Outro fator que me incomodou foi a tentativa amorosa, porém ingênua, de facilitar a vida dos filhos, o que configura a atitude das mães em especial. Freud dizia serem elas o “princípio do prazer”. O texto da articulista deixava para mim explícito a cada linha que essa decisão era exclusivamente dela e que não havia na casa um homem para ajudá-la a decidir; houvesse um e talvez a história fosse diferente. Duas cabeças sempre vão pensar melhor que uma só.

Sim, eu discordei do teor do texto de forma peremptória. Não vejo razão alguma para facilitar a vida sexual de um filho (em especial para um menino de 15 anos!!). Pelo contrário; vejo boas razões para dificultá-la – dentro de alguns limites. Também não acho adequado facilitar a vida profissional deles, pelas mesmas razões.

Para dizer isso invoco alguns princípios que considero importantes. O início da vida sexual de um adolescente é uma TRAIÇÃO ao amor parental e deve ser encarado com essa gravidade. A primeira transa de uma menina é uma ato de rebeldia e de ruptura com os laços afetivos com seu pai e por isso é significativo. Para um menino representa a ruptura da sua relação edipiana com o primeiro amor de sua vida – a mãe. Esses passos em direção à maturidade devem ser CONQUISTAS e não concessões. É pela dificuldade da ruptura que eles adquirem seu valor e importância. Temo muito pelo desejo de quem não precisou mentir um pouco, ludibriar e enganar seu “antigo amor” na busca por uma relação mais madura. Que valor se estabelece sobre algo que se ganha sem esforço?

Apesar de reconhecer exageros do patriarcado – como castigos, humilhações (públicas ou privadas), rupturas, etc – eu me nego a discutir este aspecto do problema, pois não é isso que me move. Para isso existe a lei e o bom senso. Quero debater apenas a facilitação sobre um ato que, ao meu ver, NÃO deve ser ajudado, mas conquistado e batalhado. Afinal, ele estabelece uma ruptura grave com um modelo afetivo que sustentou o sujeito por toda a infância.

Para finalizar eu creio que não existe nada mais excitante ou estimulante do que recordar as dificuldades envolvidas nestas primeiras experiências. É exatamente isso, e não a relação sexual em si (muitas vezes dificultosa, pela inexperiência), que mantém essas lembranças como quadros perenes na parede de nossas emoções mais significativas.

Facilitar uma conquista dessa envergadura para os filhos pode lhes oferecer uma visão errada do sentido e da importância do passo que estão dando.

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