Uma comunidade de direita apareceu na minha TL com a mensagem conhecida de que não existe racismo, mas indivíduos de diversas etnias que escolhem caminhos certos ou errados.
A retórica é a conhecida exaltação da meritocracia. Os negros não se esforçam tanto quanto os brancos, por isso estão em condições menos favoráveis na economia. Se os negros parassem de reclamar e se esforçassem mais esta distância acabaria. Chamam os movimentos sociais contra o racismo de movimentos “vitimistas”.
O vitimismo é o uso da condição de vítima para obter vantagens. Todo mundo sabe o que é isso, e todo mundo que teve irmãos na infância já usou das táticas vitimistas. Dito isso, é óbvio que existe vitimismo no movimento negro, no movimento LGBT e no feminismo. É impossível existir vitimas que não se seduzam pelo vitimismo e as vantagens que ele oferece. Ele funciona como um bypass, um atalho para conseguir alguma vantagem usando sua condição política e economicamente inferior. Não há como não se deixar levar, mesmo que temporariamente, por esta sedução.
Entretanto, existe racismo, homofobia e misoginia na nossa cultura. Essa evidência pode ser facilmente extraída das estatísticas e dos dados governamentais, assim como dos relatos dos negros, dos homossexuais e das mulheres que sofrem atos racistas lgbtfóbicos ou machistas. Minha experiência com o parto me permitiu testemunhar milhares de atos, atitudes e comportamentos claramente sexistas contra as gestantes nas instituições que trabalhei, acima de qualquer dúvida. Com os negros e homossexuais certamente é o mesmo.
Não se trata, portanto, de contrapor vitimismo com preconceito. O vitimismo é absolutamente minoritário nesses movimentos, que se estabelecem sobre a crueza dos fatos do cotidiano, onde negros, mulheres e homossexuais são desconsiderados em função de sua cor, gênero e orientação sexual. Não há como desmerecer a luta contra o machismo, o racismo ou a homofobia pela existência, francamente minoritária, de discursos vitimistas no seio desses importantes movimentos sociais.
A tentativa de desqualificar a luta contra o racismo, a homofobia e o machismo apenas demonstra que os avanços alcançados por estes grupos incomodam os poderosos, e por isso mesmo precisam continuar.
A questão é que o “vitimismo” funciona como uma capa encobridora, fazendo com que todas as reivindicações dos grupos oprimidos desapareçam por serem deslegitimadas. Se existe ou não vitimismo em alguns setores destes movimentos é o menos importante. O que tem valor é reconhecer a legitimidade das lutas e respeitar seus pressupostos.
Nivelar, em que topografia for, é fazer justiça. Mas sequer é esse o problema. A “discriminação positiva” é uma etapa de readaptação, um processo de “aceleração da equidade”. É usada para tornar mais célere a justiça social, e por isso ela um dia acabará, como aconteceu em muitos lugares onde foi implementada (Flórida, por exemplo). No Brasil podemos constatar a olho nu como ela está produzindo frutos: uma quantidade crescente de negros tendo acesso às universidades e, mais ainda, aos cobiçados cursos de Medicina, Direito, Computação etc…
Quando os efeitos sociais da escravidão tiverem, por fim, evanescido o suficiente para não serem notados nas filigranas do cotidiano eu serei o primeiro a reivindicar pela extinção do sistema de cotas.
Por ora a inconformidade de uma parcela da classe média – ressentida e meritocrática – é a melhor medida para avaliar o sucesso do programa.