Arquivo do mês: abril 2016

Ódio

odio

Qual o sentido publicar textos de ódio pela Internet contra pessoas que cometeram crimes famosos? Qual o sentido de agredir pessoas que já foram presas a condenadas pelos seus erros e falhas?

 Qual o sentido de odiar uma pessoa que já está destruída? Qual o sentido em destroçar quem já foi despojado de tudo? Não percebem que isso – odiar alguém que cometeu um erro – as aproxima do criminoso? Somente o oposto disso – o perdão – é capaz de produzir esse saudável afastamento. Somente o perdão que surge de uma profunda autocrítica pode nos colocar ACIMA destas questões.

 Meu pai sempre dizia, quando recebia uma “fechada” no transito: “Não posso xingar esse sujeito, pois ainda está vívida em minha lembrança a ultima vez que, por desatenção ou descuido, fiz exatamente a mesma coisa“.

 Mas…claro que não vou pedir que perdoem quem fez tanto mal. Isso serve apenas para as pessoas que, como Terêncio, são capazes de dizer “o que é humano não me é estranho”. Para o resto eu peço tão somente que não disseminem ou distribuam seu ódio publicamente, até porque isso em nada atinge o pobre criminoso, mas mostra que seus algozes não são tão diferentes dele quanto pensam… O motivo foi a constante crucificação da mulher que mandou matar o enteado. Mas basta um olhar muito rápido para perceber que ela é um farrapo humano. Resta pouco nela que possamos ainda tripudiar. Mas … para quê? Qual a razão de carbonizar um corpo quase destituído de vida? O que se ganha ao jogar ainda mais para baixo essa mulher? Eu digo: nada.

 Entretanto, ao fazer isso nos aproximamos de sua miséria e provamos que somos mais parecidos com ela do que pensamos. São pobres seres humanos, dignos de comiseração. Nenhum de nós admitiria trocar de lugar com esta pessoa, nem por cinco minutos. Quando se reconhece a miséria alheia isso não significa inocentá-la de todos os crimes, mas apenas que seus erros não podem nos afetar porque não encontram nenhuma ressonância em nós. Poderia ser esse caso ou qualquer outro.

 Ódio não nos leva a lugar algum. Não estou pregando moral, e talvez eu mesmo também sucumbisse à proteção que o ódio e o rancor prometem. Entretanto, não acredito que algo de construtivo possa surgir desse sentimento.

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Travessia

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Pouco passava das 7 horas quando iniciei minha tradicional caminhada entre Torres e Cidreira. O dia prometia ser quente e seco. Nenhuma nuvem algodoava o azul sobre minha cabeça. A pedra da Guarita mantinha-se no mesmo lugar que eu havia deixado de última vez que a vi. Abusadamente adentrando o Atlântico separa esteticamente a Rio Grande do resto do Brasil, como uma fortaleza. Do lado de cá a monotonia das praias retas e carentes de relevo. Do lado de lá a exuberância litorânea que o Criador ofereceu ao Brasil. Em compensação pelas nossas praias insossas elas estão curiosamente claras e limpas, o que não dá para afirmar dos nossos vizinhos catarinas.

Minha história com o “Caminho de Cidreira” começou há 36 anos. Munido de uma faca , duas laranjas, um boné e três dinheiros saí caminhando pela RS 40 em direção ao mar. A distância que separa Porto Alegre do oceano Atlântico é de 108 km. Imaginei que seguindo a “estrada da praia” mais cedo ou mais tarde chegaria lá. Não tinha mais do que 19 anos, estava começando a faculdade de medicina e não tinha feito nenhum planejamento. Impulso diriam alguns; cabeça oca, diriam outros.

A viagem foi muito menos extenuante do que eu imaginei. Nenhuma bolha nos pés, nenhuma dor muscular insuportável. As benesses da juventude, o vigor, o ímpeto, as carnes duras. O sol não maltratava; era companheiro. Aliás, num mundo sem celulares e sem internet, só a brisa, o barulho dos carros e o sol me mostravam o caminho adiante.

Na primeira noite dormi no banco da faculdade de agronomia, mal saindo da cidade e ingressando em Viamão. A caminhada fora tão mal planejada que sequer os melhores horários foram escolhidos. A segunda noite, dormi em um galpão abandonado ao lado de um posto de gasolina. Na terceira noite…. não dormi. A excitação de finalmente encontrar o mar foi tanta que continuei caminhando madrugada adentro, chegando na Praia do Pinhal quase ao amanhecer. Sim, eu também cresci visitando a casa da dona Vera, que viria a ser minha sogra já falecida. “Mas agora o Pinhal, não tem mais a gente lá, e eu volto pra lembrar, que a gente cresceu, na beira do mar”, como diria a música, do Cidadão Quem, muitos anos depois. Voltei de ônibus pagando dois dos três dinheiros que eu tinha. O resto do dinheiro gastei com água e pastel.

Na volta encontrei minha mãe preocupada. “Que houve com seu cabelo?”, perguntou. A parte que saía para fora do boné estava queimada e com uma cor estranha. Olhei no espelho e achei bizarro. Resolvi descolorir o cabelo inteiro com água oxigenada, que era a coisa mais gay que a um menino hetero era autorizado fazer. Em minha opinião ficou “tri”, mas não gostaria de ver nenhuma foto minha daquela época.

Quando completei 40 anos de vida resolvi repetir o sonho da juventude. Desta vez com menos vigor e mais planejamento decidi que ao invés de caminhar pela estrada meu trajeto seria acompanhando a linha do mar. Saindo de Torres meu destino final seria a 120 km de distância do ponto inicial, na praia de Cidreira, cidade irmã de Pinhal, que muito frequentamos nos anos leves da adolescência. Desde então tenho feito a caminhada sempre que consigo uma brecha na agenda de nascimentos. O menino que se jogava de janelas continuava inquieto. Agora, 36 anos depois eu voltava a olhar a Pedra da Guarita para mais uma travessia.

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Sabemos pouco…

Maurice

Esta é uma das melhores frases do meu pai, na orelha de um livro sobre “Espiritismo Laico” do amigo Salomão Benchaya.

Outra frase que eu gosto muito é: “Depois de certa idade percebi que não passa um dia sequer sem que eu me assombre com o desmoronamento de uma antiga certeza, por muitos anos acalentada“.

Envelhecer também é despir-se da arrogância que nos protege. Somente os fortes desconfiam de si mesmos; os fracos e frágeis jamais abandonam-se ao vácuo angustiante da dúvida.

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