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Imagem Pública

Não é sobre Madonna, mas poderia ser. Uma influencer (sabe-se lá o que realmente significa isso) faz uma série de transformações corporais, aumenta os lábios, puxa a pele do rosto, coloca silicone em vários lugares, perde 20kg (ou ganha), faz bronzeamento artificial, coloca “lentes” nos dentes, injeta Botox e transforma sua face em uma fotografia inexpressiva. Depois de tudo isso, publica sua imagem em várias plataformas. Olho as fotos que são jogadas na nossa cara pelas redes sociais e penso: “A modificação visual dela ficou um horror. Está mesmo muito feio, basta comparar as fotos e ver como ela era lindamente imperfeita antes”. Abaixo das fotos inúmeros comentários, a maioria exaltando as modificações, mas muitos são debochados, outros bem humorados e alguns francamente ofensivos.

Imediatamente surgem os textões deixando claro que “o corpo é dela e ninguém tem nada a ver com isso”. Defesas aparecem do seu direito de mudar seu rosto como bem entender, como se alguém estivesse questionando a legalidade das mudanças corporais. Mas será que a imagem de alguém pertence apenas àquela pessoa? Seria justo silenciar um crítico de arte dizendo “O artista tem o direito de pintar como quiser, e você não tem nada a ver com isso”? Quem assiste não tem nada a ver com o produto? Para um ator sua imagem não é sua obra, seu trabalho? Será mesmo certo silenciar qualquer comentário sobre a imagem que um artista (nos) apresenta?

Por que estas “estrelas” de Hollywood não aprendem de vez que suas figuras públicas estarão eternamente sujeitas aos comentários alheios? Ora, quem desejar ser anônimo e não sofrer pelas avaliações negativas de sua aparência, basta trabalhar no escritório de um banco, longe dos olhares do público. E vejam: não se trata de defender ofensas, deboches, ataques sexistas, misóginos ou racistas; por certo que ofender alguém por sua aparência é deselegante e deseducado, mas não estar preparado para críticas quando uma figura pública faz transformações radicais na sua aparência é ainda mais inadequado.

Pessoalmente, não me importo com a atitude dos artistas sobre seus corpos, em especial as atrizes. Quer emagrecer, quer engordar, quer fazer os enchimentos da moda? Problema seu, máximo respeito às suas escolhas pessoais. Entretanto, sabemos o quanto estas mudanças só ocorrem em função do outro; elas não são feitas para oferecer satisfação a um sujeito isolado do mundo, mas para que esta mudança produza um impacto na forma como os outros o enxergam. Portanto, quem faz comentário sobre os artistas e sua imagem é o legítimo destinatário das transformações realizadas. Não há nada de incorreto ou invasivo: a forma e a intensidade como os outros nos impressionam pertence a nós. Sou eu quem vai ver seu rosto e suas formas, portanto é justo que tenha o direito de avaliar, julgar e comentar.

O que estas pessoas pretendem é a criação de um mundo onde ninguém critica nada ou ninguém para não correr o risco de ofender ou tocar em feridas narcísicas. Se esse mundo um dia vier a acontecer rapidamente vamos retroceder à idade da pedra lascada, já que sem atrito não há mudança, e sem ela obstaculizamos a possibilidade de progresso. Desta forma, não é justo reclamar e se vitimizar ao escolher uma nova face, um novo parceiro, um novo visual ou um novo gênero. Nossas escolhas afetam os outros e eles tem o direito de manifestar seu entusiasmo, seu apoio, sua aceitação ou sua inconformidade. Além disso, quantas vezes alguém respondeu um elogio dizendo “Sua opinião não me interessa. Guarde-a para si mesmo. Você está sendo invasivo”. Nunca, não é? Portanto, não é o comentário “invasivo” sobre suas cirurgias plásticas ou transformações: é a crítica, a inconformidade, e o fato de expor publicamente que não gostou dos resultados.

Sim, existem muitos “Juízes de Internet”, mas sejamos francos, quem não é? Quem aqui nunca julgou Lula ou Bolsonaro na rede social, inclusive usando do recurso do deboche, da sátira, do escárnio ou da ironia? Quer dizer então que não devemos julgar nada ou ninguém? Ou não devemos julgar apenas atrizes bonitinhas, frágeis, ingênuas e sensíveis – pelos menos assim se apresentam – para que não se sintam tristes? Ora, se eu fosse mulher me sentiria ofendida por acreditarem que a minha condição de mulher me impede de ser criticada, por ser frágil demais para suportar comentários negativos.

Sim, a defesa automática das mulheres é geralmente misógina, porque aposta na fraqueza e na infantilidade delas, que assim precisam ser protegidas das mesmas críticas que, de forma cotidiana, fazemos a qualquer homem na confiança de que ele vai suportar as críticas e responder de forma firme e autônoma.

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Futebol, arte e imagem

Nesta época do ano os clubes de futebol no Brasil fazem as principais contratações para a temporada. Com a injeção que as Ligas recém criadas estão fazendo no futebol, alguns clubes receberam somas muito grandes de dinheiro referentes aos direitos de televisionamento. Com isso, para as estrelas que devem chegar, são prometidos salários inacreditáveis como 2 milhões de reais mensais, ou o salário de quase 2 mil trabalhadores. Eu sei: paga quem quer, ninguém é obrigado a consumir. Entretanto, as somas são impressionantes, e sempre me fazem lembrar da “Febre das Tulipas”.

Este fenômeno merece uma consideração. Por que tanto dinheiro investido em futebolistas? Pagar 2 milhões mensais para jogadores medíocres (ou seja, comuns) é a medida justa da nossa neurose, e o quanto o capitalismo, ao nos sonegar o sonho da riqueza e do sucesso, nos faz gozar através do sucesso alheio. A glorificação de jogadores de futebol, mas também do tênis, golfe, xadrez, basquete, basebol assim como antigamente o foram os gladiadores e esportistas de todo tipo, mostra que usamos destes artifícios – o circo – para anestesiar o sujeito comum, oferecendo a ele uma felicidade tão fugaz quanto alienante, já que o sistema o mantém alijado de conquistas próprias. “Você continuará um inútil, pobre e medíocre, mas seu time será campeão e seu ídolo vai conquistar as mulheres (ou os homens) que você tanto sonha”.

Aliás, li agora mesmo que o ator “exilado” em Portugal Pedro Cardoso escreveu algo na mesma linha ao dizer que se vende muito mais Beyoncé do que Tracy Chapman. Apesar de preferir a cantora de “Fast Car” à intérprete de “All the Single Ladies”, ele reconhece que Beyoncé vende muito além do que apenas sua música. Ela expõe sua vida pessoal, sua vida sexual, seu casamento, suas posses, seus perfumes e produtos, suas fofocas (ela recentemente “trocou de cor”) e seu cotidiano incrível de mulher milionária. Ela faz parte do pequeno e seleto universo de mulheres tão etéreas que sequer fazem cocô…. apenas sublimam.

Já a Tracy Chapman vende apenas arte, e através dela, seu modo especial de ver o mundo. Ela lança sobre o mundo seu olhar cheio de poesia e crítica social. Quem realmente se importa? Para quem consome o “pacote celebridade” este é um produto muito menos valorado. “Sim, mas não tem um escândalo, um “bafão”, um namoro secreto, um divórcio milionário?”Não – diz ela constrangida, apenas a minha arte, música, minha sonoridade. Desculpe” . Sim, nós não queremos arte. Queremos a gloriosa projeção que o artista nos oferece, sua fortuna, suas lágrimas, seu prêmios, sua vida fantasiosa de glamour. Queremos a vida dela, não seu olhar sobre a vida. Queremos ela, não sua arte.

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Privacidade

Gal Costa era casada com Wilma, e com ela tinha um filho. Entretanto, negava-se a falar publicamente sobre o assunto. Apesar de ser algo de conhecimento popular, ela nunca “saiu do armário” publicamente, declarando-se abertamente homossexual. Algumas pessoas chamaram sua atitude de “auto preconceito”, típica de alguém que não se aceitava. Outros elogiaram o sigilo, exaltando a importância da inviolabilidade da vida privada.

Esse diagnóstico é arriscado. Não há como saber o que exatamente a fez manter privada sua orientação. Pode ter sido por vergonha, assim como pode ter sido motivada por pudor. Ahhh, o pudor, o mais belo (e raro) dos atributos em uma sociedade saturada de hiper exposição.

Talvez a escolha por manter fechado esse aspecto de sua vida seja a simples postura de valorizar sua arte e não permitir que sua sexualidade ocupasse mais as manchetes do que o seu cantar. Muitas mulheres voluptuosamente bonitas se sentem constrangidas ao notar que sua beleza ofusca seus outros talentos, escondidos atrás de uma formosura estonteante. Alguns atores e atrizes ficam até feios de propósito com o objetivo de demonstrar virtudes para além da beleza, como o fizeram magistralmente Tom Cruise em “Trovão Tropical”, Charlize Theron em “Monsters”, Jared Leto em “Capítulo 27” e Christian Bale em “O Maquinista”. Talvez Gal desejasse que sua música fosse a razão única para ser admirada.

A tese que mais me seduz é de que ela pode ter tentado tão somente proteger seu amor, que seria um alvo fácil da imprensa de escândalos. Manter incógnito seu afeto pode ter o objetivo singelo de garantir que sua parceira não seria perseguida, constrangida e invadida pelas hordas de gente interessada em puro voyeurismo de celebridades.

Não há como saber o que realmente leva as pessoas a esconder uma parte tão significativa de suas vidas. Além disso, não há como agradar um público sedento por identificações. O julgamento destas atitudes vai depender sempre de elementos afetivos. Se você não gosta da pessoa vai dizer que ela foi covarde e que a exposição de sua vida amorosa ajudaria outras pessoas a não sentirem vergonha de amarem igualmente desta forma “especial”. Já se você a admira, vai preferir acreditar que todos temos o direito sagrado à privacidade, e que o exercício deste direito por parte dela demonstra o valor que dá à sua arte, impedindo que seja eclipsada pela imprensa que sobrevive de fofocas.

Como sou um sujeito reservado, entendo perfeitamente o silêncio de Gal Costa. Responderia da mesma forma a qualquer intromissão que julgasse indevida. “Não estou vendendo exposições da minha privacidade. Ofereço minha arte e minha emoção. Caso não a queiram, não me peçam um escândalo em troca”, seriam minhas palavras. E acho que foi exatamente o que Gal tentou dizer….

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O Papel do Artista

Jerry Seinfeld

O comediante americano Jerry Seinfeld uma vez foi perguntado sobre a razão de ter terminado seu programa no auge da popularidade, quebrando recordes de audiência e sendo o programa mais visto na TV americana. Quando houve o anúncio do fim da “sitcom” até o presidente americano na época, Bill Clinton, solicitou a sua manutenção por pelo menos mais um ano. Apesar de todos os pedidos ele se manteve firma na ideia de terminar este trabalho depois de 9 temporadas de extremo sucesso.

Vou dar aqui a minha interpretação pessoal da sua resposta, já que não recordo das suas palavras exatas. Entretanto, as explicações que ele deu sempre fizeram muito sentido para mim no que diz respeito às ações que os indivíduos produzem para mudar a sociedade em que vivem, em especial nas pressões que tais sujeitos sofrem do entorno.

Ele explicou assim as razões para o fim de “Seinfeld”:

Aprendi com o stand up que você deve parar exatamente neste ponto, quando as pessoas saem de sua apresentação com o riso ainda nos lábios e o desejo de que o show continue. Insistir para além desse ponto é oferecer para as pessoas uma ilusão: a satisfação de seus desejos.

As necessidades podem ser supridas pelo homem, os desejos jamais. Por necessidades básicas entendo comer, beber, dormir, amar e reproduzir-se, e isso podemos oferecer como fundamento para a vida humana. Para além disso temos os desejos, que vão da mulher mais bonita ou o homem mais forte até os mais sofisticados “gadgets” tecnológicos. Estes desejos são, por definição, impossíveis de suprir. Para cada patamar alcançado desejamos mais, e mais, e mais… indefinidamente.

O entrevistador então questionou: “Mas não achas que o desejo das pessoas deve ser satisfeito? Todos queriam que o show continuasse. Ele fazia sucesso, era famoso, trazia alegria a todos. Porque parar diante de tantas conquistas? Porque resistir ao pedido sincero de tantas pessoas que amavam seu trabalho?

Jerry respondeu:

Acima de tudo eu acho que nunca devemos dar o que as pessoas querem. Esse não é o papel do artista. Você deve dar o que VOCÊ acha melhor, as suas ideias, sua arte, seu talento e seu esforço. As pessoas devem segui-lo se assim o desejarem, ou esquecê-lo, se assim for justo. Entretanto, jamais o verdadeiro artista deve entregar às pessoas o que estas lhe pedem.

O reverso dessa postura é o fracasso criativo, mesmo que haja um relativo e efêmero sucesso nas audiências menos exigentes. Quando o artista canta o que o público quer ouvir ele fracassa no seu intento renovador e revolucionário. Quando o ideólogo fala o que todos querem escutar ele falha na sua tarefa de sacudir ideias e conceitos. Quando o ativista caça desesperadamente o afeto de seus seguidores, por medo de decepcioná-los, estará falhando em sua tarefa de despertar mentes e estremecer a cultura.

Nietzsche já nos ensinava que o verdadeiro gênio só é reconhecido um século depois de sua morte. Para quê tanta pressa em ser amado e admirado?

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