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Silêncio

Por volta de dez anos atrás eu fui convidado a participar de uma comunidade de “blogueiros” que escreviam sobre a temática do parto e do nascimento. Na época eu já possuía meu tímido blog, que usava apenas para manter uma cópia guardada e protegida de tudo o que eu escrevia. Eu já tinha plena noção de que o meu tempo na Terra seria curto, e que poderia ser interessante manter minhas ideias resguardadas como uma espécie de “legado”, algo que poderia ser usado por alguém no futuro. Um pouco de arrogância, quem sabe…

Aceitei o convite de migrar o meu blog para esta comunidade com a ideia de que “unidos seríamos mais facilmente ouvidos”. Tinha a ideia de que uma comunidade de pessoas com temáticas próximas poderia produzir um efeito positivo de multiplicação de informações e conceitos. Sabia também que seria o único homem a escrever em um pequeno universo de mulheres, mas este tipo de posição jamais havia me inibido ou constrangido até então.

Desta forma, passei a escrever minhas ideias nesta comunidade sem muito alarde, apenas avisando às pessoas das minhas redes sociais que passaria a ter meus escritos depositados lá. Com o passar das semanas acabei gostando do compromisso de escrever, o que antes acontecia apenas quando eu achava algo interessante para relatar; a pressão de entregar uma “matéria” fez bem à minha criatividade.

O problema aconteceu exatamente por essa minha liberdade de escrever o que me interessava, sem me preocupar com a recepção positiva ou negativa que os meus textos produziam nos leitores. Uma certa vez fiz críticas a algo que, já há dez anos, começava a me incomodar: o identitarismo. Percebia nesse movimento elementos que não me pareciam adequados, em especial no que se relacionava à humanização do nascimento e a amamentação. Mais do que a defesa do parto fisiológico, seguro, com autonomia e liberdade, havia um interesse em atacar o masculino, em especial quando representado por médicos obstetras e mesmo pediatras, sempre tratados com desdém e como se fossem portadores de chagas morais a comprometer seu comportamento diante de mães e bebês. Havia um crescente maniqueísmo nas propostas, que colocava de um lado mães e bebês como vítimas e pessoas moralmente superiores, e de outro lado médicos e homens perversos que agiam condicionados por valores como o egoísmo, o interesse, o despeito e a arrogância.

Eu não podia aceitar esta visão diminutiva das relações entre médicos e pacientes, mas também, escamoteado entre as linhas, as mulheres e os homens. Quando – a exemplo do que faz até hoje a extrema direita – acreditamos que a sociedade é dividida pelos valores morais, pela decência, pelos princípios éticos e não por um sistema opressor que coordena a todos nós, produzimos o meio de cultura adequado para o crescimento de uma sociedade apartada entre “homens de bem” e “vagabundos ladrões”. Eu não aceito que isso seja feito sequer entre as distintas visões políticas, menos ainda poderia aceitar que essa divisão exista entre os gêneros.

Médicos são, via de regra, espelhos dos valores sociais. Médicos fazem no seu mister diário aquilo que a sociedade espera deles. O mesmo se pode dizer da polícia, que age de forma violenta e abusiva porque assim o queremos – mesmo que de forma inconsciente e/ou inconfessa. O mesmo pode ser dito da Medicina, que atua dentro das expectativas criadas pelo conjunto da sociedade. Médicos não são “vasos estanques” dentro de uma sociedade; não, seus valores se comunicam dentro da complexidade de significantes do campo simbólico. Assim, o abuso de intervenções da obstetrícia é tolerado – e até exaltado – porque o conjunto da sociedade acredita em seus pressupostos. Médicos respondem a esta demanda; eles não a criam.

Escrevi um texto duro, dizendo que as demandas feministas não poderiam espelhar as mesmas violências que as mulheres historicamente reclamavam dos homens dentro do modelo patriarcal. A ideia preconceituosa e machista de tratar as mulheres como seres “emocionais” e, portanto, incapazes de decisões racionais não poderia ter como contrapartida o discurso de que os homens são “estupradores em potencial”, maus, malignos, egoístas, violentos e desleais – em essência. A crítica ao masculino – que trata os homens como moral e intelectualmente inferiores – só poderia gerar uma ideologia supremacista de gênero. Ora, se é moralmente abjeta a divisão das competências entre etnias, religiões ou orientações sexuais, no que diz respeito às suas capacidades intelectivas e afetivas, porque ainda admitimos e se faça isso com os gêneros?

Lutar pela equidade não é defender os mais fracos usando as mesmas armas que condenamos nos opressores. Esta luta deve se basear no respeito à diversidade, mostrando que em todas as cores, todas as religiões, todas orientações sexuais e em ambos os gêneros existem pessoas de todo tipo: boas, más, honestas, pilantras, gênios e tolos. Qualquer um que discorde desse valor primordial de respeito ao diferente estará sendo um arauto do preconceito.

Chamei as pessoas que atacavam os homens e o masculino de “corporativistas de gênero”, pois que lutavam pela causa do seu gênero acima dos valores da igualdade e do respeito às diferenças. Essa foi a gota d’água.

No dia seguinte dezenas (centenas?) de pessoas vieram se manifestar. Muitas concordaram, enquanto outras diziam que minha postagem apenas fazia dividir o grupo de pessoas que lutavam contra um “mal comum”: o patriarcado. Não só algumas leitoras se indignaram, mas as outras blogueiras que compartilhavam o espaço comigo fizeram um abaixo assinado e um pedido de expulsão, um cancelamento peremptório pela minha postura de criticar o feminismo (delas) e suas bases excludentes e belicosas. Fui contactado pela dona do coletivo de blogs (a mesma que algumas semanas antes havia me chamado) e convidado a me retirar. Disse ela que estava sofrendo “pressões terríveis” e que seria melhor eu sair.

É evidente que eu saí imediatamente de um lugar que jamais deveria ter aceitado ir. Coletei todos os meus escritos e voltei para o meu humilde blog, que já conta com quase 2500 textos postados desde então. Todavia, eu acredito que sobrou mais uma lição. Durante a polêmica em que estive envolvido o blog explodiu suas visualizações. Nunca tantas pessoas participaram, escreveram, contestaram, apoiaram e se solidarizaram. Muitas pessoas ficaram ao meu lado, clamando por maior respeito com os homens e com os significados últimos do masculino; outras me odeiam até hoje. Pois imediatamente após a minha saída nesta comunidade passou a reinar a mais serena e plácida de todas as calmarias. Ninguém mais reclamou, não houve ataques, discussões ou cartas de repúdio. Todas estavam em perfeita sintonia em suas crenças e ideais. Não houve mais nenhuma briga ou contestação, nenhum contraditório ou discordância.

Para a surpresa de ninguém, o que poderia ser um veículo de difusão de ideais e propostas sobre parto, nascimento, maternagem e amamentação começou a atrofiar poucas semanas depois, na mais absoluta inanição. Não houve mais o mesmo interesse por um lugar que “chovia no molhado”, sem energia, sem enfrentamento, sem polêmica e sem audiência. As pessoas rejeitam lugares mornos, sem graça e sem surpresas. Sobrou o ensinamento de que o silêncio imposto, os cancelamentos e a censura produzem – de imediato – uma falsa sensação de paz, mas que esconde a destruição da energia propulsora e a capacidade de renovação.

Calar a boca daqueles de quem discordamos retira de nós a possibilidade de aprender com as diferenças. Porém, como todo movimento de transformação, respeitar as opiniões divergentes demanda coragem e força para suportar a terrível experiência de escutar o que não se quer.

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Feminismo e Humanização

discussao

Aqui estão reflexões sobre a Humanização do Nascimento conforme tenho observado.

Nos últimos meses temos visto muitas brigas intestinas dentro do movimento exatamente no momento em que ele se torna mais forte e abrangente. Muitas destas divergências poderiam ser tratadas internamente, esperando que os ataques venham daqueles que não concordam com nossas ideias, mas infelizmente vemos brigas entre pessoas que comungam com a mesma base de pensamento, divergindo apenas nos detalhes.

De uma certa forma isso é compreensível, visto que essas lutas são causadas quase que exclusivamente pelas  vaidades inerentes a qualquer coração que se deixa tomar por uma paixão, e o trabalho com o parto está dentro das grandes paixões que imantam profissionais do mundo inteiro.

Sei que minhas palavras desagradam muitas pessoas e não tiro minha culpa sobre estes julgamentos. Sou falante demais, opiniático e intrometido. Por outro lado sou alguém que acredita que o diálogo pode ser a única forma de resolver conflitos de forma civilizada, e para isso é fundamental escutar o que o outro tem a dizer, suportar o contraditório e (ó dor…) aprender com a experiência alheia. Por isso creio que o movimento de humanização precisa fazer uma reflexão sobre as questões inerentes ao ritmo e direcionamento de suas lutas.

Por transitar pelo universo feminino há mais de três décadas acabei me tornando um observador atento das nuances e características dos movimentos com os quais tive contato e aproximação: o feminismo e a humanização do nascimento.

É importante esclarecer que, do meu ponto de vista, a humanização do nascimento não é um assunto “feminista”. É um assunto sobre o qual as feministas precisam se debruçar de forma crescente, já que foi por elas negligenciado por décadas, mas que não pertence ao escopo de assuntos que pertencem ao feminismo. O parto é múltiplo, inúmeras facetas e vieses cabem no seu entendimento. Se é verdade que ocorre nos corpo das mulheres, TODOS somos nascidos deste processo, conferindo à totalidade da humanidade o direito de ter voz neste debate. Todavia, é evidente que  a imensa maioria das ativistas de ambos os movimentos sociais são mulheres. No feminismo, a totalidade, mas na humanização do parto a gigantesca maioria, e isso dá às mulheres uma especial posição de autoridade para falar de um tema que as toca de forma muito marcante. Posso ser visto como um dos poucos homens que se aventura a falar e defender de forma desabrida o protagonismo feminino como o ponto nevrálgico desta mudança paradigmática na atenção ao parto.

Como observador atento das nuances de discurso nos dois movimentos, muito do que vejo no feminismo é o mesmo que observo no movimento de humanização do nascimento: para algumas defensoras existe uma clara confusão conceitual entre o “problema” e quem o “representa“.

Na humanização do nascimento, o qual acompanho desde o final do século passado, ao invés de focarmos nossas forças na mudança de um SISTEMA perverso e ineficaz (nossas taxas de mortalidade materna nos comprovam isso) perdemos muito tempo nos elementos que – concordando ou não com ele – o representam; no caso do parto, os obstetras. Assim, muita energia é dispensada em atacar ferozmente médicos que atuam dentro de um sistema que não respeita a subjetividade, a autonomia e a liberdade das mulheres. Infelizmente, muitas vezes estes próprios médicos atacados são até sujeitos interessados em fazer mudanças na sua postura e na sua prática, mas são forçados a se proteger em suas corporações porque TUDO o que observam partindo do outro lado (as ativistas) é formado por acusações, agressões, violências verbais e rancor. Como seria possível chamar estes profissionais para fazer parte de uma grande mudança se não lhes oferecemos o carinho e a acolhida necessárias, exatamente o que reclamamos para as pacientes que entram em um hospital para dar à luz?

O mesmo acontece no feminismo. Eu mesmo, que tenho 30 anos de lutas para fortalecer a autonomia e o protagonismo das mulheres no parto, fui duramente atacado pela “tropa de choque” das feministas por um conceito (que sequer é meu, é de Engels) sobre as origens do patriarcado. Quando eu vi a enxurrada de acusações e violências (repletas de clichês do tipo “vaza“, “já vai tarde“, “não passará“, “machista“, “misógino mentiroso“, etc..) desferidas a mim eu pensei: “Bem, se eu não sirvo para essa luta, quem serve? Que tipo de obstetra seria correto e adequado para as feministas? Que tipo de profissional poderia cumprir todos os requisitos para servia à causa da humanização? Que tipo de obstetra concordaria com qualquer agressão à sua corporação sem sequer ter o direito de defesa? Que obstetra aceitaria participar de uma luta em que, qualquer discordância, o faria ser tratado como lixo?

Trinta anos buscando auxiliar a causa do protagonismo feminino não servem de nada diante das exigências das mulheres sobre o “correto comportamento e o adequado discurso de um homem quando fala sobre as mulheres“.

Mas antes que as defesas apareçam, é claro que não são todas as feministas que agem assim, talvez sejam uma minoria, mas são as que tem mais voz e que causaram mais estragos nas tentativas de diálogo.  No caso destes grupos mais radicais o objetivo implícito em muitas manifestações é uma total humilhação dos homens, uma vingança completa e final pelo “mal” que causaram às mulheres em todos estes séculos, sempre recheada de clichês (vaza macho, não passarão, mascus, esquerdomacho, etc.).

Na humanização do nascimento temos um grupo semelhante e muito vocal, acostumado a criticar abertamente o comportamento dos médicos com piadas, deboches, apelidos e críticas onde os fatos sequer foram totalmente esclarecidos, fazendo com que qualquer intervenção médica seja julgada com desconfiança. Para estas, o “extermínio” dos obstetras é uma espécie de “solução final”, pois eles representam todo o mal e toda a dor das mulheres na assistência.

Nenhuma destas soluções é possível (ou mesmo suportável), mas os discursos de culpa contra homens e médicos se multiplicam de forma inaceitável, pelo menos para quem sonha com mudanças.

Para quem deseja avanços surgindo no horizonte, mesmo que lentos e seguros, ver a humanização do nascimento adotar as mesmas táticas do feminismo mais violento pode retardar estas transformações por décadas. Atacar de forma agressiva e irracional – com palavras  recheadas de rancor e mágoa – os profissionais que atuam no parto, nos fará apenas regredir nas conquistas até aqui conseguidas. Esse comportamento apenas incentiva o surgimento e crescimento de reações óbvia daqueles que se sentem (justa ou injustamente) atingidos: os grupos machistas e o “dignidade médica“.

Sem uma postura de congraçamento e diálogo, isto é, uma postura mais “feminina“, nada será feito de forma consistente em um futuro próximo.

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