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Os Homens e o Cuidado

A primeira grande briga que tive contra o identitarismo na pauta da humanização do nascimento foi quando afirmei que os homens também poderiam atuar como doulas, desde que a gestante assim o quisesse e aceitasse. Por causa dessa simples afirmação, movida por um desejo de equilíbrio entre os gêneros, fui atacado e cancelado sem dó, acusado de “machismo”. Justificavam este cancelamento afirmando que os “homens estavam invadindo um espaço feminino”. Respondi explicando que nos últimos 50 anos tudo o que vi na sociedade foram mulheres invadindo “espaços masculinos” em todas as áreas da atividade humana, desde médicas até juízas de futebol, passando por pilotos de avião e presidentes da República – o que deveria ser saudado por todos. Não seria justo que os homens também pudessem se aventurar na seara do cuidado? A luta contra o essencialismo não deveria ser uma via de duas mãos – ou uma faca de dois “legumes”?

De nada adiantou minha resposta; fui xingado, ofendido e cancelado. “Como ousa?“, diziam algumas mais furiosas. Pois se há algo que me constitui é a ousadia. Não tenho problema algum em regar inimizades em nome da defesa de ideias honestas e sinceras – mesmo correndo o risco de estar errado. Não levo estas coisas para o terreno pessoal, mas já passados quase 20 anos ainda acho que minha proposta continua correta. A tese contrária à minha era de que “as mulheres foram desconsideradas por milênios, impedidas de fazer tarefas reservadas aos homens. Não seria justo que as poucas coisas reservadas a elas – como o cuidado – fossem agora divididas com quem já controlava quase tudo”.

Respeitosamente discordei. Acredito na lei biológica que diz ser o hibridismo uma característica que fortalece as espécies. Da mesma forma, sociedades com diversidade de gênero nas tarefas comuns aprendem com a diferença de perspectivas que homens e mulheres podem oferecer. A paralaxe que se produz aumenta nossa capacidade de entendimento dos fenômenos e auxilia na resolução de dilemas. Uma mulher que atua em áreas outrora dominadas por homens oferece mais qualidade a este trabalho e ao mesmo tempo aprende com esta nova função. Homens que atuam no cuidado – de doentes, crianças, velhos, gestantes – também cooperam com uma maior diversidade de compreensão do trabalho enquanto se nutrem com o aprendizado que recebem em seu labor.

Quando estive na China havia uma propaganda na TV sobre novas iniciativas de saúde governo. Uma delas era a incorporação de obstetras do gênero masculino na atenção pública ao parto. Na propaganda um marido avançava para atacar um médico quando ele se aproximava para examinar sua mulher. Uma enfermeira intervém e explica que ele é um obstetra, e que não teria nada a temer. Para aquela cultura, a ideia de um homem examinando as partes íntimas de uma mulher era tão estranha quanto o era para o ocidente no final do século XIX. Hoje parece estranho e bizarro um “doulo”, mas talvez sejam barreiras que o tempo vai desfazer. Como saber?

Eu sou testemunha direta desse processo. Vivo ao lado de 5 netos que são constantemente cuidados pelos seus pais homens. As tarefas de cuidado na Comuna são divididas de forma muito equânime, excetuando-se a amamentação. Posso constatar a qualidade de amor paterno que os meus netos recebem e o quanto isso é fundamental na formação ética que recebem. Para um velho, como eu, que foi criado em uma divisão sacrossanta de tarefas domésticas esta foi uma grande revelação. Ver a pequena revolução do cuidado foi um grande presente que a vida me deu. Por outro lado, existem resistências muito fortes, como esta da qual fui vítima. A psicanalista Vera Iaconelli, em um recente artigo, fala da dificuldade de garantir aos homens esta posição:

“A tarefa do cuidado é desprestigiada porque é a menos remunerada, a menos valorizada da nossa sociedade, mas ao mesmo tempo ela serve, paradoxalmente, como um lugar de prestígio para as mulheres, já que se supõe que só elas sabem fazer”, diz.(…) Então a gente tem uma contradição, que faz com que elas sofram nessa posição de exclusividade, mas, ao mesmo tempo, tenham medo de abrir mão de um dos poucos lugares de reconhecimento.”

Para que a sociedade esteja legitimamente no caminho da equidade é fundamental reconhecer esta angústia feminina – e por vezes um rechaço explícito – em relação ao cuidado feito pelos homens com a mesma seriedade que entendemos a relutância destes em assumir a posição de cuidadores, onde será necessário muito mais do que habilidades técnicas e força física – que por milênios foram exaltadas como superiores – mas o desenvolvimento de novas aptidões como paciência, delicadeza, afeto, docilidade, compreensão dos limites, carinho e amor incondicional.

Sim, homens podem ser doulas; mais ainda: podem exercer as funções de cuidado com seus filhos, netos e avós; com os doentes, os acamados, os bebês e todo aquele que necessite da “fraternidade instrumentalizada”. Por mais que a ciência tenha adentrado no âmago das células ela jamais foi capaz de afirmar que o gene do amor se situa apenas no cromossomo X.

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Avós

Eu sei que é brincadeira essa história da criança e fazer com os avós tudo o que os pais proíbem, mas no fundo esse jogo é perverso, e se trata de uma disputa entre pais e avós pelo afeto das crianças, algo que só produz malefícios a elas. Tenho 5 netos e tenho como norma não oferecer jamais a eles qualquer coisa que não tenha autorização expressa dos pais. Não cabe a mim criar este tipo de competição; também não preciso oferecer coisas e objetos para conquistar o carinho e a afeição deles. Não tenho necessidade de usar meus netos para arrefecer as culpas derivadas da minha insuficiente e falha paternidade. Jogar as crianças de um lado para outro (como muitos casais separados fazem) não é a função de um avô que deseja uma educação equilibrada aos seus netos.

Pareceu careta? Pois é careta mesmo, mas talvez estejamos carentes de um pouco de caretice, de valores, princípios e disciplina. Acho que o bom senso na educação, assim como conceitos já bem sedimentados de psicologia, são sempre de auxílio nessa tarefa.

https://fb.watch/oIT6CU5U3M/

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Conchinhas

dormirconchinha

Para mim a melhor coisa de morar com alguém (de forma romântica) é dormir junto. Max sempre me dizia que “dormir de conchinha é o melhor dos sexos“, mas eu achava que era só terrorismo. Eu creio que dividir a cama com alguém é um ato profundamente íntimo, muito mais intenso do que o sexo. Você pode transar com um(a) desconhecido(a), mas para dormir com ele(a) é preciso muito mais coragem e confiança. Olhar o outro a dormir, escutar sua respiração, sentir seu copo reagir ao toque e ao contato são sensações que se ampliam quanto mais se aprofunda a intimidade.

Só quem sentiu o calor de um corpo acoplado ao seu sabe o significado profundo desse contato.

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