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Indignação

Michael Löwy é um pensador marxista brasileiro radicado na França, onde trabalha como diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique.

Nunca esta frase de Michael Löwy foi tão importante para acordar as novas gerações. A indignação é o motor de todas as verdadeiras transformações sociais, das menores às maiores. Sem ela não há afeto, e sem as emoções afloradas não é possível mobilizar nossa potencialidade para a luta. Parafraseando a antropóloga britânica Sheila Kitzinger em seu livro “The Politics of Birth”, “Não se faz uma revolução com tapinhas nas costas”. Não mudaremos a realidade política no Brasil cuidando dos sentimentos feridos, acalentando emoções despedaçadas ou tendo cuidado para não ferir suscetibilidades. Para fazer um omelete é preciso quebrar as cascas dos ovos. O espírito de indignação precisa ser estimulado, porque sem ela só produzimos a estagnação e a cristalização das opressões.

Não é possível modificar os sistemas de poder numa determinada sociedade sem atingir aqueles que se acastelaram em posição de autoridade. Fazer concessões insensatas, acreditar em “consensos”, iludir-se com promessas e apostar em avanços fantasiosos (criados para que nenhuma mudança real ocorra) são formas altamente eficientes de adiar o necessário câmbio de paradigma. Todavia, poucos tem a capacidade de reconhecer a importância da inquietude que brota de um espírito revolucionário; a indignação ainda é vista como defeito, como uma falha de caráter que ocorre em sujeitos a quem nenhuma satisfação é possível. Por resta razão, mesmo nos movimentos populares e no seio do ativismo, prolifera um espírito contra-revolucionário que nos estimula a ter “paciência”, a conversar com os poderosos, a fazer infinitas concessões, a negociar e acreditar que a retórica move montanhas e que o bom senso, no fim, prevalecerá.

“Parem de nos matar”, dizem as próximas vítimas, na ilusão que isso fará aflorar a comiseração dos algozes. “Queremos comer” gemem os famélicos esperando, ao menos, migalhas dos seus opressores. “Exigimos dignidade” dizem as gestantes, despidas de autonomia e protagonismo, como se alguma vez na história da humanidade qualquer direito tenha sido conquistado pela bondade de quem o concedeu.

Sem a necessária indignação nenhum movimento é possível. Ela é a força da transformação, sem a qual tudo se cristaliza e morre.

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Domínios

Mais de uma vez escrevi sobre a questão dos “domínios” nos âmbitos familiares, que sempre me pareceram tão importante quanto o desejo real de participação. Mas num universo onde os homens são sempre culpados, como questionar este ponto importante? O caminho mais fácil é sempre o maniqueísmo…

A perspectiva contemporânea que aborda de forma mais equilibrada os espaços de conflito nas tarefas do lar é um sopro de frescor na aridez dos embates acusatórios. Ainda hoje reconheço como padrão a prática de acusar os homens de não participarem das tarefas domésticas e da educação dos filhos. Apesar de ser uma queixa verdadeira, ela deixa de apresentar outras facetas da realidade que são, via de regra, negligenciadas.

Uma das questões pouco abordadas é o que chamo de “domínios”. Eles se referem aos espaços de controle e saber reconhecidos, confinados a um gênero. É esse tipo de controle que faz muitos homens levantarem para ver um barulho estranho na porta dos fundos, abrirem o capô do carro para ver o defeito ou pegarem a chave do carro quando a família vai sair. O mesmo que faz as mulheres decidirem de forma autocrática a comida, as roupas e o tipo de educação dos filhos. São domínios culturalmente construídos dentro do patriarcado, mas que apenas enxergamos quando somos vítimas, não quando estamis na posição de opressores.

Muitos homens – e mulheres – se adaptam a essas construções milenares – por comodismo ou cansaço – mas muitos começam a questionar tais posições. Por que não posso (homem) arrumar – ou escolher – a roupa do meu filho? Por que não posso (mulher) dirigir o carro quando a família sai? Por que não posso (homem) decidir a comida que todos vamos comer? Por que não posso (mulher) trocar o pneu do carro ou fazer tarefas mais pesadas da casa?

Para haver equilíbrio é necessário que todos aceitem as mudanças e concordem com as inevitáveis concessões. Homens precisam ter o direito de participar dessas decisões sem o martírio das críticas e sem o peso do escárnio de suas companheiras que se sentem invadidas em seus domínios. As mulheres também precisam ter o direito de “invadir” as funções historicamente assumidas por homens sem sofrer com o deboche e o desprezo que estes oferecem como resposta ao que sentem como a tomada de um lugar cativo que lhes era destinado.

Os domínios antigos estão paulatinamente ruindo. Creio que o desmanche os limites pode ser celebrado como uma nova era de colaboração. Todavia, para que isso ocorra é preciso que a desconstrução de modelos ancestrais seja um exercício constante para os homens e também para as mulheres.

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Concessões

Uma lição de gente mais velha: nunca comemore as concessões dos opressores. Não existe avanço sem conquista e não existe conquista sem luta. Dádivas são efêmeras e dependem do outro; já as vitórias só se constroem com sacrifício e coragem.

Bertrand Huffington, “Maximus”, Ed. Principle, pag. 135

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