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Contradições

Por muitos anos fui atormentado por esta contradição: o movimento de humanização do nascimento se adapta – e é mais bem acolhido – entre conservadores. Durante décadas eu vi parteiras americanas conectadas com grupos cristãos de caráter extremamente conservador e achava bizarro que assim o fosse. Em minha cabeça comunista eu pensava: como pode ser possível que um ideário que me parece libertador e conectado aos direitos humanos mais básicos pudesse ter ressonância com mulheres à direita no espectro político?

A resposta que pude elaborar – ainda que parcial e incompleta – se encontra no fato de que a humanização do nascimento sempre colocou uma enorme importância na maternidade e na amamentação, funções especificamente femininas que os movimentos feministas sempre trataram com reserva – para não dizer, contrariedade. Para estes grupos a emancipação da mulher passa pela liberdade econômica, a competitividade em campos outrora dominados pelos homens e o poder social conquistado na arena das disputas profissionais. Mulheres queriam o dinheiro e o poder para comprar sua “alforria”, sua independência, para serem donas do seu destino. Por certo, não há como criticar seu desejo legítimo. Todavia, parto, nascimento, puerpério e amamentação jogam as mulheres no universo de sua biologia, nos compromissos ancestrais com a espécie, no corpo, na sobrevivência, na “dívida” que as mulheres tem com sua raça. Impossível não entender o quanto esse mergulho na essência feminina mais bruta e primitiva significa um anteparo às suas legítimas aspirações de autonomia.

Desta forma, qualquer movimento que tente debater, esclarecer, problematizar e questionar a suprema invasão tecnológica do nascimento contemporâneo “desnaturado”, ou seja, retirado da natureza e da integralidade destes processos, estará funcionando como um anteparo à utopia libertária da mulher, pois estará enxergando seu corpo através de um prisma mais ligado à sua natureza e sua essência. Levei anos tentando entender e lidar da melhor maneira possível com estas contradições, mas creio que a compreensão histórica dessas lutas é sempre uma ferramenta fundamental para o seu entendimento.

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Bruxas?

“Era uma vez, quando a Líbia (“Viemos, vimos, ele morreu”) oferecia ao mundo espetáculo imperialista humanitário sangrento estrelado pelas Três Hárpias Norte-americanas: Hillary Clinton, Samantha Power e Susan Rice, de fato quatro, caso se inclua a mentora e alma mater de Hillary, Madeleine Albright.” Crônica de Pepe Escobar no blog do Alok.

Pois vejam só… a grande ameaça para o resto do mundo com a possível vitória do senil Joe Biden se concentra em 4 mulheres poderosas, Senhoras da Guerra, frias comandantes do Imperialismo Americano mais abjeto e belicoso. Foram elas as responsáveis pela destruição de países inteiros no Oriente Médio, África e Ásia. E não há nada na figura de Kamala Harris – cria das poderosas Big Techs americanas – que nos dê esperança em um planeta mais fraterno e mais cooperativo. Em suma, mais “feminino”.

Não faz mal lembrar que a última guerra em que a América Latina esteve envolvida foi conduzida e liderada por uma mulher. Sim, Margareth Thatcher, além de ter jogado o mundo na espiral destrutiva do neoliberalismo, foi protagonista da última incursão bélica do primeiro mundo na parte de baixo do Equador.

Digo isso porque confio na tese de que “A Revolução será feminista ou não será”, mas com isso deixo claro que a simples entrada das mulheres na política não permite que esse modelo seja modificado. Uso para isso a minha experiência com o parto: a entrada das mulheres não deixou o parto mais feminino, mas deixou as obstetras mais masculinas. Eu canso de dizer que não existe nenhuma diferença moral ou intelectual entre homens e mulheres, brancos, negros, indígenas, amarelos e mistos, gays e héteros, e que estas diferenças são determinadas pelos sistemas e pelos contextos, jamais pela essência. Portanto, de nada adianta apostarmos nas aparências sem levarmos em conta o âmago – por vezes invisível – das lutas e anseios que habita aqueles corpos.

Conhecemos muito bem como a escolha por uma mulher apenas por seu gênero pode ser desastrosa. Mais salientes do que os dotes de sua biologia ou sua identidade sexual deverão estar seus compromissos com a equidade de gênero, o fim da violência contra as mulheres, o término da velada violência obstétrica, o rechaço ao punitivismo, ao racismo e ao sexismo de todas as formas, além de um compromisso com a construção de uma nova sociedade baseada na fraternidade e não mais na competição e na guerra.

Nossa experiência recente com Joice, Bia, Winter, Zambelli, Ana Amélia e tantas parlamentares ligadas aos valores conservadores nos prova que, mais do que ser mulher, é preciso levar a bandeira feminista da equidade e da paz.

Por mais bruxas e menos harpias.

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