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Minorias

Dave Chapelle (comediante de stand up americano) conta uma história muito interessante em seu último espetáculo. Após um dos seus shows – politicamente incorreto, como todos deveriam ser – foi ele confrontado por uma mulher trans que não gostou de suas piadas. Ele respondeu como é de praxe “Sinto muito que tenha se ofendido. São piadas, não tem a intenção de ofender, mas de nos fazer pensar”, etc. Ela não aceitou a desculpa, e dois enormes amigos gays que estavam ao seu lado resolveram interceder, ameaçando Dave. Houve uma breve troca de insultos. Como legítimo representante da “hood” Dave pagou pra ver. Cerrou os punhos e disse “bring it on”, chamando os dois para a briga.

Um dos gays, então, calmamente pegou o telefone e… chamou a polícia.

“Foi aí que eu entendi com mais profundidade a dinâmica das minorias”, disse Dave em seu show. “Excetuando-se eu, todas as pessoas nesse encontro eram brancas. Os gays se sentiram ofendidos por serem uma minoria oprimida, mas tão logo a situação chegou no limite do confronto físico eles imediatamente se tornaram parte da maioria branca, pois só um branco seria capaz de chamar a força do Estado para resolver um conflito”.

Num passe de mágica, pularam de uma minoria ofendida para uma maioria opressora. Fossem eles gays negros e jamais chamariam os tiras. Numa comunidade de pretos (hood) a polícia sai batendo indiscriminadamente, e não quer saber quem foi o “Clifford que fez a queixa” – todos são iguais para a borracha do cassetete. Precisa ser muito branco para confiar que a intermediação da polícia em uma briga lhe trará alguma vantagem.

A esquerda brasileira deveria aprender com isso. Cada vez que vejo parlamentares ou membros da esquerda exaltando as forças do estado burguês, acreditando que judiciário pode lhes proteger, eu lembro dessa história. Essas instituições servem à proteção da burguesia e não servem ao cidadão pobre que vive nos cinturões de pobreza, e também não estão a serviço daqueles que dão apoio político ao proletariado. Quem fica o tempo todo pedindo censura, exigindo a cassação de cegas parlamentares e apelando às instituições acaba se chamuscado com a própria fogueira que tanto abanou.

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Desculpas

Eu acho lamentável Chris Rock se desculpar pela piada contada no Oscar, mas acho que ele na verdade está cagando para isso. Um comediante não age dessa maneira. Isso é uma traição ao seu ofício. Essa declaração dada no dia seguinte à premiação é pró-forma, para evitar o brutal cancelamento que pode se seguir. Foi provavelmente escrita pelo advogado dele com o conselho: “faça isso para não se incomodar, olha só o que fizeram com o Dave Chapelle”. A sociedade americana é doente, mas vejo essa doença identitária e moralista migrando para cá. O Chris Rock, do ponto de vista da lei, não cometeu nenhum crime. Não há nenhuma proibição de contar piadas (thanks God!!) nem que ela fosse ofensiva. Nos Estados Unidos (e confesso admirar este detalhe da cultura americana) não há crime nem mesmo se você de mandar um policial à merda. Free speech, a primeira emenda, é para eles algo de caráter sagrado. Já no Brasil autoritário você pode dizer apenas o que os outros deixam você dizer, sejam eles o Estado ou sejam os flocos de neve.

Todavia, esse autoritarismo que controla o discurso para proteger minorias, apesar de entranhado em nossa cultura, tem efeito ZERO no combate que se propõe, basta ver os feminicídios e crimes contra gays, trans e contra a população negra que ocorrem diuturnamente no nosso país. Racismo, sexismo, machismo são elementos da cultura e não podem ser controlados pela justiça ou pelas leis. Continuamos achando que atacar a liberdade de expressão, cerceando a livre manifestação, poderia trazer benefícios para a sociedade. Nossa experiência mostra que isso é um absurdo, um erro, até porque, para cada Chris Rock brazuca maledicente que botamos na cadeia por dizer “o que não devia” (para o delírio dos identitários) carregamos mais 50 ou 100 pobres e negros que falaram de forma ríspida com um policial, uma autoridade, ou foram mortos pela nossa polícia racista e classista defensora do patrimônio.

Torcer pelo proibicionismo, pela censura e na defesa dos “sentimentos feridos” é um tiro no pé, um remédio que mata o sujeito antes de atingir a lombriga.

PS: Foi descoberto algumas horas depois que eu escrevi este texto que o pedido de desculpas do Chris Rock era FALSO. “Faith in humanity restored!!!” Um comediante JAMAIS deveria pedir desculpas por uma piada – desde que seja uma piada mesmo (como foi nesse caso) e não uma desculpa para agredir.

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