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Pós eleições

Muitos dos que agora criticam o PT por abandonar as ruas são responsáveis pelo afastamento das raízes operárias do partido. Falo daqueles que, da posição de formadores de opinião, agora criticam o Partido dos Trabalhadores mas que há poucos anos aceitavam que a melhor estratégia era apostar no reformismo. Entre eles um professor de sociologia de Brasília, cuja postura sempre foi de apoio a uma esquerda “moderada” e reformista. Lembro bem quando da grande vitória do Talibã sobre as forças imperialistas de ocupação de ver o professor choramingando pelas “meninas que não iriam às aulas”, sem levar em conta a barbárie do imperialismo, a rede de prostituição das crianças afegãs patrocinada pelo exército americano, a destruição da infraestrutura do país, o lucro com a Papoula e as milhares de mortes dos cidadãos do país, enquanto sua preocupação mais firme era com as questões identitárias. Sua vinculação e seu apoio a Guilherme Boulos é a prova definitiva de que ele não tem – e e nunca teve – uma postura de esquerda raiz. Jamais se importou com as vinculações de Boulos com o IREE e com think tanks imperialistas. Curiosamente, agora quer cobrar isso do PT. Essa postura de muitos de “ahhh, o PT esqueceu suas bases”, apesar de estar correta, permite esconder as opções pessoais que durante anos tiveram em favor de uma política de conciliação.

Quanto a Porto Alegre, muitos (como ele) dizem que a escolha por Maria do Rosário foi equivocada, mas todos se negam a dizer qual teria sido a escolha certa. Ou seja: criticam sem apontar a alternativa. Mello ganhou porque tinha a máquina municipal, por ser apoiado pelas grandes empreiteiras, pela especulação imobiliária, por causa da campanha antipetista feroz que se faz há duas décadas na cidade, pelo sentimento anticomunista propagado pela direita nacional, e também por não termos nomes fortes para a majoritária. Colocar a culpa em Maria do Rosário é uma postura errada, cruel e que serve aos interesses da direita. Não esqueçam que o candidato para a câmara de vereadores mais votado da capital foi um sujeito cujo slogan é “direita de verdade”. Também reelegemos uma comandante da PM, uma notória fascista que vai às seções legislativas fardada, e agora a cereja do bolo: elegemos o “Comandante Ustra”, primo do mais famoso torturador da ditadura, ídolo de Bolsonaro, que fez campanha exaltando o que existe de mais abjeto em um ser humano. Ou seja: essa cidade mergulhou de cabeça no obscurantismo, na violência, no punitivismo e nas soluções cosméticas. Ainda teremos muito trabalho de base pela frente para mostrar a este povo como as alternativas à direita são mais do mesmo, e que não apresentarão jamais bons resultados em médio e longo prazo. É preciso, como eu já disse, limpar a esquerda do discurso identitário e voltar a fazer campanha política no chão de fábrica e nas ruas.

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Abobado da enchente

Esquina Rua da Ladeira x Rua da Praia – Porto Alegre (1941)

Nesta foto aparece uma charmosa esquina de Porto Alegre durante a famosa enchente de 1941 – Ladeira com Rua da Praia. Esse fato dramático produziu a coisa mais feia da história dessa cidade: o muro da Mauá, que separou o centro de Porto Alegre do seu rio.

Conta-se que nessa enchente algumas grávidas ficaram ilhadas pela alta das águas do Guaíba e, assim incapacitadas de chegar aos hospitais durante o trabalho de parto, tiveram seus filhos sem assistência. Daí surgiu a expressão tipicamente porto-alegrense “abobadinho da enchente”, que homenageia as crianças nascidas durante o período em que o Guaíba invadiu a cidade. Sabemos hoje o preconceito que essa expressão carrega: mulheres sem assistência de médicos (homens) não conseguem parir bebês saudáveis. O tempo mostrou que é esta assistência que, quando abusiva e despregada das evidências, resulta em violência institucional e riscos aumentados para mães e bebês.

Hoje, os “abobados da enchente” são aqueles que negam as evidências e se mantém numa prática violenta e misógina, contrariando os preceitos de uma atenção centrada na mulher e no bebê. Curiosamente, depois da construção do muro nunca mais tivemos uma enchente das proporções daquela de 1941.

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Vanguarda do Atraso

Existe uma cidade nos Estados Unidos que fica no meio de uma região muito careta, mas o que a salva é ser um polo universitário muito grande, o que traz estudantes do mundo inteiro que oferecem a diversidade e a pluralidade de gostos, jeitos, caras, cheiros e idiomas que se entrelaçam na malha social. Estou falando de Austin, Texas.

Pois esta cidade tem um “bumper stick”, um adesivo famoso e que se vê em muitos lugares: automóveis, jornais, lojas e até nas casas. Nele se lê: “Keep Austin Weird” – Mantenham Austin Bizarra – normalmente acompanhado de uma foto de algo muito estranho que ocorre na cidade, como uma corrida de gente pelada, festival de tatuados, galerias de arte com amostras curiosas, arte e eventos LGBT, gente jovem de qualquer combinação de gêneros se beijando, etc. Para os moradores de Austin, ser “weird” significa ser diferente, ser progressista, desafiar os limites e enfrentar corajosamente as mentes mais atrasadas que se recusam a avançar. Ser bizarro é um orgulho para seus moradores, e algo pelo que querem ser conhecidos.

Quando vejo isso fico pensando nas mentes atrasadas e estúpidas que regulam nossa sociedade. Somos comandados pela vanguarda do atraso do Brasil, e não é à toa que a nossa obstetrícia obedece ao mesmo padrão de caretice e anacronismo. Mesmo quando o mundo inteiro já tiver se dado conta da imperiosa necessidade de trocar o modelo obstétrico baseado em cirurgiões – que falhou no mundo inteiro – por um controlado por parteiras profissionais, o Rio Grande do Sul se manterá atrelado aos sistemas de poderes que oferecem supremacia para uma corporação, mesmo em detrimento do bem-estar de mães e bebês. Aqui o atraso é chique, a abertura das mentes uma dor insuportável, e a perseguição aos dissidentes um ato de desespero que se dissimula como “defesa da família” ou “práticas consagradas”.

O que testemunhamos hoje em dia é uma brutal humilhação para quem conheceu uma Porto Alegre que prometia a pluralidade, a diversidade e o sonho de “um mundo novo possível”. O que acontece agora, esse salto para trás, é muito triste e deprimente, mas tem tudo a ver com um estado que sempre se orgulhou de seus fracassos.

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A Miséria dos Partos da Burguesia

 

 

cesarea

Uma paciente da Unimed Porto Alegre tem 7.5% de chance de ter um parto normal; 92.5% das gestantes com este convênio terão uma cesariana, a maioria delas sem nenhuma justificativa clínica. Uma cesariana aumenta de maneira clara e inquestionável os riscos de curto e longo prazo para mães e bebês. Os estudos mais conservadores apontam algo como 100 a 200% de aumento de mortalidade, e sobre isso não recai mais nenhuma dúvida.

Mais de 9 entre 10 grávidas de Porto Alegre e arredores da classe média (que usam planos de saúde) são submetidas a cesarianas que colocam a vida e a saúde de mães e bebês, sem que exista uma justificativa clara para tal conduta. O que houve?

Isso seria suficiente para desconfiar que algo está MUITO errado na atenção ao parto na minha cidade (mas o resto do Brasil não está diferente). Cabe a pergunta óbvia: Quem ganha com essa inversão de expectativas? Quem lucra com isso? Quem leva vantagem com o excesso de cesarianas?

Posso apenas dizer que os que PERDEM com essa “cultura perversa da cesariana” são mães e bebês. Quem são os que ganham?

Isso poderia ser menos vergonhoso se os órgãos de classe atacassem o excesso de cirurgias e oferecessem soluções para a grave crise. Afinal, eles deveriam lutar pela “boa medicina”, não? Mas não é o que acontece e o que se vê é o contrário disso.

No meu estado a corporação resolve atacar enfermeiras que atendem partos ou os partos NORMAIS, planejados e atendidos fora dos hospitais. Tais partos extra-hospitalares não perfazem 1% do total dos nascimentos. Porque algumas dezenas de partos merecem críticas, perseguições e ameaças – mesmo com centenas de estudos comprovando sua segurança – enquanto mais de 90% da classe média é submetida a cesarianas sem indicação clínica, arriscando a vida de mães e bebês, sem que haja qualquer comentário dos senhores da corporação?

As mulheres – em especial – começaram a se dar conta da EXPROPRIAÇÃO de seus partos. Impedidas de parir por uma cultura que protege a intervenção e criminaliza a fisiologia, começam a se questionar sobre este modelo e a quem ele serve. Da solução deste dilema surgirá o paradigma de assistência do século XXI.

Não creio que poderemos esconder a verdade para sempre. Perseguir aqueles que avisaram da nudez do Rei nunca deixou o monarca mais vestido e, no máximo, atrasou a compra de roupas. Medidas desesperadas e diversionistas como apontar para os partos normais (e seguros!!!) não surtirão o efeito desejado, e vão aprofundar ainda mais o fosso de desconfiança que as pacientes começam a ver se formar entre elas e aqueles que juraram protegê-las.

Falta bom senso onde abunda arrogância.

ANS – A Agência reguladora de planos de saúde do Brasil – ans.gov.br

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Sobre as Tetas

ACER

Historias curtas de Porto Alegre….

Aconteceu enquanto almoçava solitário em um restaurante de Porto Alegre.

Uma senhora desconhecida se aproxima de mim enquanto eu estava terminando meu almoço. Com olhos arregalados, boca de um vermelho vivo e brincos extravagantes, ela coloca a mão no meu ombro e com olhar severo me diz:

– Você é o João Vicente, não é?

Ainda tenho tempo de terminar minha última garfada e, claramente surpreso, respondo:

– Olha, infelizmente não. Eu me chamo Ricardo.

Ela fica desconcertada e me enche de desculpas. Diz que estava me olhando há alguns minutos, mas que tinha “obrigação” de me perguntar quem eu era. Eu, também sem jeito, resolvo ser simpático e lhe digo:

– Não se recrimine. Esse João Vicente deve ser um jovem senhor muito charmoso também. É natural que as pessoas se confundam assim.

A senhora dá uma boa risada e me explica:

– João Vicente é meu sobrinho, filho da minha irmã, e ele é a sua cara. Incrível como são iguais! Na verdade, eu estava furiosa porque achei que ele estava esnobando sua velha tia.

Sorri para ela amistosamente e disse que nenhuma pessoa em sã consciência esnobaria uma senhora tão charmosa e chique, muito menos um sobrinho.

Mais uma gargalhada e ela arrematou.

– Muito verdade, Ricardo. Imagina só, mamou nessas tetas e agora me esnoba!!

Bateu forte com a mão espalmada nos seios fartos e saiu caminhando. Eu só olhei para o lado e baixei a cabeça, com esperança que ninguém tenha escutado pela metade nossa breve conversa.

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