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Experiência

“Sem que você tenha trabalhado nesta área durante 30 anos, em três turnos, não terá direito de me criticar”

Não é verdade. Você pode opinar sobre o trabalho de alguém mesmo sem ter trabalhado dessa forma e com essa intensidade. Esse tipo de postura é prejudicial para o progresso e serve apenas para calar a boca dos críticos e permitir que um mau profissional continue fazendo um trabalho ruim apenas porque é velho (ou experiente) e trabalhou demais. Quando Galileu Galilei expôs sua teoria heliocêntrica contrapôs inúmeros pensadores da época com muito mais experiência que ele. Deveria se curvar à autoridade destes? Ou a própria ciência é produzida e criada através da ousadia de alguns pensadores munidos de sua criatividade?

Não é justo se blindar das críticas selecionando quem pode lhe questionar. A todos é garantido o exercício necessário da crítica, mas é verdade também que estas serão levadas em consideração – com maior ou menor crédito – a partir do lugar de onde são emitidas. Por certo que um sujeito com ampla experiência terá mais condições de questionar, mas isso não impede que esteja por vezes (muito) errado. A ninguém parece justo ser impedido de criticar Bolsonaro com a desculpa “seja parlamentar da direita por 30 anos e só depois venha me criticar”. Não, isso seria indecente. 

Por fim, experiência não é tudo, apesar de ser importantíssimo. É perfeitamente plausível que alguém tenha formas melhores de realizar um trabalho ainda que não tenha dispensado o mesmo tempo que outro sujeito mais experiente. Se isso fosse verdade, e pudéssemos silenciar a voz daqueles que cuja opinião não nos agrada, quase ninguém teria condições de criticar a qualidade do trabalho alheio, e seríamos prisioneiros de uma gerontocracia que só atrapalha a renovação das ideias. Assim, não estou afirmando que a experiência é inútil; apenas afirmo que ela não pode ser o escudo perfeito para a incompetência e a blindagem definitiva para as críticas.

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Escrever

Eu as vezes leio artigos escritos por jornalistas, escritores, acadêmicos e simples escrevinhadores como eu e me surpreendo com a qualidade da escrita, seja pelo estilo, pela organização das ideias, pela capacidade de síntese, pela clareza, pela profundidade, pela relevância e pela erudição. Sou possuído pela sensação bastante comum de “puxa, gostaria de escrever assim!“.

Eu não aprendi a escrever direito, mas depois de passar 25 anos escrevendo num ritmo diário eu cheguei à conclusão que a única forma consistente de aprender esse ofício e essa arte é… escrever sempre, verter a vida em letras, condensar as ideias em tinta, massacrar o papel com os sulcos do pensamentos.

Como em muitas outras áreas, o exercício da escrita se faz na experiência diária da transmutação das ideias embaralhadas, na revivescência de lembranças enoveladas e nas propostas misturadas para a linearidade do texto, permitindo ao leitor que capte o fio do seu pensar e o utilize como assim o desejar.

Se pudesse dar a mim mesmo um conselho diria para ter escrito minhas histórias desde a adolescência, porque isso teria sido muito mais útil do que se pode imaginar.

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Meu P* te ama

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Música ao estilo “sertanejo universitário” (o nome mais malandro inventado na história da música) que é onipresente na cultura e toca nas rádios toda hora, fala de 4 assuntos básicos: mulheres que chutam homens que não lhes dão o valor que julgam merecer, baladas, sofrência de corno e bebedeiras. A cafonice das letras é de arrepiar, mas hoje em dia elas estão presentes em todos os ambientes. É quase impossível não escutar. Aqui na cafeteria estou há 15 minutos escutando o DVD do Luan Santanna, que agora definitivamente está assumindo um estilo “melaqüeca“.

Eu não aceito falar em termos de “no meu tempo era melhor”, mas gostaria de escutar alguém que entenda de música me dizer o que aconteceu com o refinamento, a delicadeza, a profundidade das letras, e a sofisticação de melodias nos últimos 30 anos.

Veja só, quando eu era adolescente Chico Buarque era POPULAR. Não precisava ligar a Rádio Cultura para ouvir. Ele ia no programa do Chacrinha e o povo cantava em uníssono suas canções. Caetano, Gil, Tim, Betânia eram artistas do povo, e suas letras estavam na cabeça de todos nós.

O que aconteceu para chegarmos até “Meu pau te ama” e “Eguinha Pocotó”?

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Personagens

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Esses dias vi uma foto da família Obama se despedindo da Casa Branca e abaixo da imagem todos os comentários elogiavam o presidente, suas filhas e – em especial – sua mulher Michelle. “Linda”, “maravilhosa”, “discreta”, “feminina”, “nobre”, “educada”. Michele parece ser o escoadouro para onde fluem todas as virtudes, principalmente as que mais fazem falta no cenário político atual.

Entretanto, eu proporia uma reflexão. Há muitos anos escutei de uma colega estudante de medicina rasgados elogios a um médico, o qual eu conhecia vagamente dos plantões. Ele não me parecia grande pessoa, mas não duvidei da minha colega, apenas resolvi perguntar que tipo de critério ela havia usado para classificá-lo como “grande profissional”.

Ela, obviamente, se ofendeu com minha pergunta. Questionar a origem de um apreço parece um desmerecimento. Mas não era; tratava-se da legítima curiosidade em saber as razões dessa admiração. Insisti e acabei descobrindo algo muito interessante.

Ela não sabia explicar. Não tinha NENHUM dado objetivo. Não o conhecia pessoalmente, não havia feito plantões com ele, não sabia de detalhes de sua prática. Não tinha sequer assistido uma aula sua. Então por que esse conceito positivo?

Seu conceito positivo sobre o colega havia surgido apenas por tê-lo escutado falando de sua prática. A forma como descreveu o que fazia, como fazia e porque fazia. Não havia nenhuma experiência verdadeira, apenas o discurso. Claramente a imagem que ela fez dele se adaptou à sua fantasia de profissional de sucesso. Pode-se acrescer a isso as roupas, a gravata, o jaleco branco impecável, o estetoscópio Litman, as canetas coloridas no bolso, o crachá do hospital, a brilhantina no cabelo e o linguajar científico e firme

Em outras palavras: nada de objetivo, apenas uma imagem construída de qualidade e sofisticação. Eu entendi que ela admirava um produto que ELE nos vendia, com claro sucesso. Mas ficava para mim a pergunta: o que existia de verdadeiro por trás daquela gravata italiana e daqueles termos médicos empolados? O que existia de médico para além daquela propaganda bem construída?

Voltando à Michelle…  o que nos faz achar que ela é uma “grande mulher”? Por concordar com nossas ideias? Por ser negra? Por ser discreta? Por ser mãe? Por se adequar ao que imaginamos ser uma primeira dama? Por algo que efetivamente fez? Por ser “feminista”? Por falar bem em público? Por estar “do nosso lado”?.

A verdade é que nos apaixonamos por PERSONAGENS!!!! Quantas vezes as atrizes da Globo são adoradas pelos papéis que incorporam, mas não foram poucas as vezes em que o contrario ocorreu: serem atacadas quando atuam como pessoas más. Lembro de Beatriz Segall sendo agredida no Rio quando atuava como Odete Roitmann (os velhos vão lembrar). Porém, as luzes do personagens nos seduzem demais e podem ser enganosas. Essa é a minha preocupação com estas figuras publicas: pouco ou nada sabemos delas. A face pública pode ser uma máscara que esconde um interior pouco recomendável, mas o contrário também é verdadeiro: uma face feia com uma energia espetacular. Só a prática e a ação podem mostrar o que se esconde por detrás das fantasias. Mas eu pergunto: qual seria a opinião dos palestinos, sírios, afegãos e iraquianos sobre esta grande mulher, cujo marido de sorriso simpático mandou matar centenas de milhares de cidadãos do Oriente Médio? O que ela realmente fez para o mundo, para as mulheres e para o seu país?

O que existe de verdade por dentro dos vestidos bem cortados? O que há de grandiosidade e caráter por trás de um sorriso generoso? 

Propaganda? Ou uma mulher de valor?

Não se ofenda…  é uma pergunta honesta.

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