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Mediocridade

Meu pai certa vez me contou que estava numa fila de banco e pode observar uma cena curiosa. Claro, isso ocorreu na época em que as pessoas frequentavam agências bancárias para sacar dinheiro vivo, pagar suas contas, falar com o gerente, etc. Enquanto esperava sua vez de ser atendido, ficou por alguns minutos observando as expressões faciais da moça que atendia no balcão. Claro, isso aconteceu algumas décadas antes da criação do celular. As expressões da jovem bancária variavam da quase absoluta inexpressividade até o sorriso aberto e incontido. Ele, então, se deu conta que a reação da moça era modulada pela pessoa a quem atendia: quando era um homem feio ela se mantinha sisuda, mas diante de um homem muito bonito e jovem, ela se tornava a “moça dos sorrisos”, e se tornava solícita e afável.

Por certo que sua reação era instintiva e automática. Não haveria como – e nem porquê – ser mais atenciosa ao entregar um envelope de dinheiro para um cliente esperando algo em troca. Não, sua ação não tinha interesses objetivos, era tão somente sua resposta natural a um estímulo. O estímulo, para ela, era a beleza das pessoas com quem interagia, em especial os rapazes. Meu pai repetiu a observação pelo tempo em que ficou na fila e viu o quanto era evidente essa conexão.

Diante disso discorreu sobre o quanto era vantajoso para um sujeito ser bonito. Por certo que tal valor ainda era mais importante para as mulheres, pela estrutura patriarcal que sustenta nossas sociedades. Fosse um jovem bancário e talvez a reação à beleza das clientes seria ainda mais evidente. De qualquer forma, muitas portas se abrem à beleza, e não há como duvidar disso. Num mundo visual e guiado pelo desejo, a atração sexual cumpre uma função primordial na relação que estabelecemos com os outros, mesmo que estes sentimentos corram por trás da cortina do meramente manifesto ao olhar.

Por outro lado, a beleza e muitos outros talentos – e mesmo a riqueza – também fecham portas. Lembro de uma vez que fui ao casamento de uma paciente e houve um recital, onde um tenor, com raro brilhantismo, cantou uma ária de ópera. Fiquei encantado com a apresentação e sussurrei para Zeza “Queria poder cantar assim”, ao que ela respondeu: “Se você cantasse assim, teria que deixar de lado muitas outras coisas na sua vida. Estaria preparado?”. Ela insinuava que um talento assim teria a possibilidade de eclipsar outras virtudes que porventura pudessem existir. O mesmo ocorrem com aqueles cuja fortuna, beleza e charme hipnotizam e magnetizam todos à sua volta: para que investir na cultura, no conhecimento e na sua formação pessoal se o mundo já está aos seus pés pelo seu dinheiro, sua formosura, seu charme e sensualidade?

Essas conversas do passado me tornaram um apologista da mediocridade. Hoje eu valorizo sobremaneira o sujeito mediano, porque ele não se ocupa em investir em um talento isolado. Sua condição média o faz se esforçar tanto em ajeitar seu pouco cabelo e fazer uma dieta quanto ter algum conhecimento, leitura e formação para não dizer tolices. O sujeito mediano é totipotencial; o superdotado ou milionário é manco, pois seu talento especial, via de regra, atrofia suas outras possibilidades de expressão. Por isso vemos tantos milionários arrogantes, tantas modelos incultas e esnobes e tantos homens bonitos e vazios.

O sujeito que mais aproveita a vida é o que se equilibra entre suas faltas e suas habilidades. Talvez não seja o mais útil, pois crescemos através da beleza das formas e da genialidade de alguns, mas certamente é o mais equilibrado. Se me fosse permitido escolher um perfil para uma próxima vida seria bem claro: me livrem da exuberância das formas, da beleza estonteante, da abundância obscena de riqueza, do conhecimento de uma única especialidade na infinidade dos saberes ou do carisma arrebatador. Por mais que sejam chamativos e sedutores, eles são verdadeiros fardos a carregar pela vida.

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Sugestão

Quando eu morrer, ao chegar nas portas do inferno, deixarei na caixinha de reclamações o seguinte bilhete:

“Agradeço a oportunidade recebida, as condições para levar adiante seus compromissos assim como a intuição para escolher boas causas. Entretanto, deixo como sugestão para novos empreendimentos que estas causas sejam oferecidas àqueles com níveis mínimos de simpatia. Realizar tais tarefas desprovido de carisma e encanto pessoal é uma tarefa difícil demais. Que aos novos postulantes sejam oferecidas classes de simpatia, sorriso, paciência e sedução antes de serem enviados para este planeta de provas e expiações. Grato pela atenção dispensada”

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Sorrisos

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Existem dificuldades inquestionáveis em toda a tentativa de modular nossa ação e nossa fala em função do outro. Como será recebida a mensagem? Por mais que a intenção seja clara em nossa mente a chegada aos olhos e ouvidos alheios dependerá do meio (palavras, gestos, entonação, local, circunstância, etc.) e do universo de signos que dão sentido a quem as escuta e vê.

Por isso mesmo, eu entendo o quanto deve ser difícil para uma mulher controlar o conta-gotas da simpatia para não errar o ponto e oferecer aos outros uma falsa sensação de abertura. Enganam-se, portanto, os que pensam que ao homem cabe o ônus da iniciativa. Não, ela é sempre feminina e, via de regra, não verbal. E é nesse gestual intrincado e sofisticado, elaborado em milhões de anos de aprimoramento, que um sorriso simpático dirigido a uma alma sequiosa de atenção e carinho pode ser confundido com um convite.

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Silêncio Benevolente

silencio-blog

Sempre agradeço a todas as pessoas que explicitamente gostam de mim, em especial aquelas que já expressaram isso. Não são muitas, bem sei, essencialmente por culpa minha. Como já disse anteriormente, nasci sem o dom da simpatia, uma das virtudes que mais admiro e invejo. A pessoa simpática é acima de tudo corajosa e segura, pois sabe que seu sorriso pode ser confundido com fragilidade ou fraqueza; mesmo assim sorri e expõe sua alegria e brilho interiores. Nunca tive essa segurança a essa força para poder ser simpático e doce.

Mas hoje lembrei das pessoas que NÃO gostam de mim, as que não me aceitam e que não me suportam. Sempre penso que, no lugar delas, teria infinitos argumentos para justificar tal antipatia e rechaço. Não é preciso muita imaginação ou criatividade; basta me conhecer por pouco que seja para ver uma plêiade multicolorida de defeitos aparecerem no meu rosto como o brotar instantâneo de uma acne adolescente. Entretanto, é para estas pessoas que vai meu agradecimento.

O Mestre nazareno já dizia que “os inimigos são teus verdadeiros amigos”. De fato, são eles que nos mostram os tantos defeitos que carregamos, mas como sabê-los sem que nossos desafetos os apontem a nós? Para isso nossos inimigos são essenciais e indispensáveis.

Porém, há um tipo de desafeto que, ao perceber seu momento de dor e angústia, refreia seu impulso de lhe criticar e …. se cala. Silencia por caridade e consideração, mesmo nutrindo verdadeiro desamor por você. Ele sabe que a crítica mordaz, mesmo que justa, neste momento seria um exagero de crueldade. Diante disso, aguarda um momento melhor para oferecer o beneplácito da ofensa pedagógica.

Aos que me desgostam e silenciam, meu agradecimento sincero e emocionado. Vocês são verdadeiros amigos, os melhores que se pode ter.

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