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A Realidade da Educação: Entre a Severidade e a Permissividade

“Eu achava que meus pais eram muito rígidos, mas vendo essa geração de hoje eu acho que eles me salvaram”.

Uma afirmação no mínimo arriscada. Se a “rigidez” se refere a firmeza de princípios, então estamos juntos. Caso ela esteja lançando uma tese saudosista sobre os castigos e o uso dos “corretivos”, que eram comuns na minha época, então estamos bem distantes. Talvez os pais de ontem – que agora são bisavós – pensem desta forma, exaltando a educação dura que receberam, mas eu creio que esta postura serve como uma excelente desculpa para espancamentos, surras e demonstrações de violência que ocorriam em tempos passados. Tipo “Sim, bati nos meus filhos e dei a eles castigos degradantes e humilhantes, mas os salvei do destino terrível da permissividade”. Fácil, não?

Não há dúvida que existe um clima de “laisser faire” na educação, e uma crença de que os filhos são máquinas de desejo a quem não convém frustrar. Por certo que existe um enfraquecimento da figura paterna, tanto pela ausência física dos pais em função da fragilidade dos casamentos, quanto por uma cobrança crescente e intensa sobre a severidade e a brutalidade dos métodos de educação aplicados pelos pais do passado. Entretanto, o questionamento sobre os métodos “frouxos” de educação doméstica não pode permitir a crença de que o modelo de surras e castigos seja justo ou adequado. Se existem crianças “sem limites” e abusivas também é verdade que os traumas causados pelas práticas violentas de outrora não podem ser negligenciados. Temos uma legião de homens e mulheres velhos cuja infância foi marcada pela violência doméstica, socialmente validada, mas que causa neles sintomas tanto visíveis quanto silenciosos até hoje.

Não devemos cair na sedução fácil de um falso dilema. “Ahh, no meu tempo é que era bom!!”, normalmente é uma frase dita por alguém que não entendeu como foi terrível a criação das crianças no passado. “Apanhei, mas sobrevivi”, o que é verdade, mas a que preço? O que dizer dos medos, das angústias, da falta de confiança e das mágoas que até agora lhe atormentam? Portanto, é razoável imaginar que ambos os modelos são ruins, e que não é necessário escolher entre duas perspectivas – violência ou permissividade – como se fossem as únicas alternativas possíveis. Não; é possível educar os filhos com firmeza e autoridade sem cair na tentação fácil da violência física e moral que oferece respostas imediatas, mas que deixa marcas indeléveis na alma das crianças.

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Violência

Educar sem violência não é fácil, nem natural. Natural é fazer “bypass”, criar atalhos, usar o caminho mais curto para atingir um objetivo. Testemunhei isso, com mais atenção, nos meus netos. Muito cedo eles aprendem a bater. Diante da insatisfação e da frustração, levantavam a mãozinha para bater e fazem isso sem jamais assistir a um ato de violência. É curioso como essas ações estão associadas com o nosso desenvolvimento enquanto espécie; bastam cinco minutos observando os animais para entender que elas são heranças muito antigas que carregamos em nossa bagagem primata.

Entretanto, apesar de ser um processo adaptativo natural para garantir atenção, domínio territorial, sucesso reprodutivo e recursos para sobrevivência, a violência pode ser substituída por modelos mais sofisticados de convívio social. Abolir as práticas violentas não deve ser um objetivo das sociedades e dos indivíduos apenas por ser moralmente superior, mas porque existem resultados muito melhores usando alternativas. Como diria minha mãe: “a fraternidade é a mais elevada forma de relação entre as criaturas”, além de ser a mais efetiva e a mais duradoura estratégia usada por humanos.

Meus netos são da primeira geração de crianças que eu testemunhei onde foi usada a filosofia da criação sem violência. A diferença que vejo no comportamento deles é marcante. Não existem surras ou castigos físicos a limitar suas travessuras e brigas; eles têm noção do limite e do preço por saírem da linha, mas agressões estão fora do escopo das penalidades. Com isso, creio que se estabelece uma perspectiva positiva para o futuro: nenhum conflito na vida deles necessitará da violência como intermediação. Mais do que informação, esta marca estará na sua formação como sujeitos sociais. Essa é, ao menos, a esperança que carrego; se desejamos mudar a humanidade, quem sabe a modificação do imprint da infância seja capaz de torná-los sujeitos da Paz.

Ainda há muita rejeição para esse novo paradigma, não só no plano pessoal mas igualmente no plano coletivo. O punitivismo é a palmada que a sociedade aplica nos delinquentes, imaginando que as punições possuem a capacidade de corrigir almas desajustadas. Não só isso: vejo aplausos todos os dias para linchamentos, de quem acredita no “olho por olho”. No trato com as crianças, ainda persistem milhares de advogados das “palmadas do bem”, que apostam nos “limites” estabelecidos “com amor” através de espancamentos. Ainda somos condicionados pela ideia de que violência pode gerar paz, como se a semeadura de urtiga pudesse gerar rosas…

Ainda há muito o que fazer para transformar este mundo e muito é necessário para modificar o paradigma da violência em direção a um modelo centrado na fraternidade e na cooperação. Mudar a forma de nascer é um passo essencial, assim como é fundamental tratar os pequenos com afeto e sem punições físicas. Cabe a nós começar essa mudança.

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Castigos

Castigos

Uma oportunidade que a avozeridade (relativo a avô, assim como paternidade é para pai) me ofereceu foi a possibilidade de estabelecer um comparativo intergeracional. Vejo com surpresa e encantamento o desenvolvimento psíquico e emocional dos meus netos com muita atenção – que eu não tinha aos vinte e poucos anos quando fui pai.

Um aspecto muito chamativo nessa observação é o fato de que eles são a primeira das cinco gerações que acompanhei (dos meus avós até aqui) em que não existe a perspectiva de castigos físicos. Não importa qual a travessura ou a “maldade” produzida, a violência não é uma expectativa que eles têm. Eles agem sabendo que, na pior das hipóteses, serão retirados do local para uma “pausa de reflexão”, mas jamais receberão ataques físicos como punição.

Por certo que entre eles a violência é um assunto diário. Brigam entre si todos os dias e com todos os requintes de crueldade, tanto física quanto psíquica. É assim o amor entre irmãos e primos: “entre tapas e beijos”. Também com os animais domésticos existe algum grau de violência, mas é natural que eles percebam os limites da sua expressão através destes experimentos. Quando os cachorros da casa mordem os pequenos em defesa própria é o momento de ensinar que a violência sempre tem um preço.

Por outro lado, a dimensão do “outro poderoso”, sem as tintas da violência explícita, é uma grande novidade para mim. Cresci com a ideia de que, dependendo da travessura ou da blasfêmia proferida, umas boas palmadas poderiam ser a consequência natural. Agora esta instância “pedagógica” foi eliminada. Acredito que há razões de sobra para comemorar.

Percebi na experiência de convívio com meus netos o que muitos já haviam descrito: do ponto de vista educacional os castigos físicos não fazem a menor diferença positiva. São inúteis para produzir a necessária castração simbólica e servem tão somente como válvulas de escape para as frustrações parentais. Mantém o círculo de opressão e violência e comunicam às crianças o valor da agressão como potencial solucionador de impasses.

Criar sem violência física é uma lição que pude aprender com esta espetacular oportunidade que a vida oferece a quem ficou velho o suficiente para merecer ser avô.

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Corretivos

Eu sei que é piada. Sei que “psicólogos” poderia ser colocado entre aspas. Não quero ser o “problematizador das piadas”. Sei também que entre as pessoas da minha idade é raro ver alguém que não tenha sido submetido a surras ou ao menos umas palmadas, em especial os meninos, já que a cultura dizia que “não se bate em meninas“. (Até nesse aspecto é interessante combater o patriarcado: nesse modelo são os meninos as principais vítimas das sevícias parentais).

Entretanto, não acho mais aceitável a glamorização do espancamento de crianças com a desculpa de que isso produz bons cidadãos, com adequada “castração” e “leais respeitadores das leis”.

O que me deixa abismado é ver a enorme aceitação desse tipo de “pedagogia da violência” entre as pessoas da minha geração. No fórum onde essa imagem foi apresentada a aceitação foi quase unânime. A exceção foi de algumas poucas mulheres que disseram “não apanhei, mas meus irmãos, muito“, e eu.

Crianças que passaram por estas torturas cresceram traumatizados, marcados pela dor, inseguros, raivosos e carregando uma ferida profunda e inconsciente, até porque a fonte de seus males inconfessos é a mesma dos seus amores mais profundos e primitivos, produzindo uma insuportável dicotomia em suas almas.

Crianças que foram surradas por seus pais não são adultos saudáveis; são sobreviventes da dor, cheios de cicatrizes que são obrigados a carregar por toda sua vida. Não há nenhuma razão para se romantizar espancamento infantil, e não é verdade que estes recursos produziram “cidadãos de bem”; sua única função foi criar uma geração de ressentidos que acreditam na violência como solução dos problemas.

Muitas dessas crianças hoje fazem o sinal da arminha ou carregam cruzes flamejantes.

Hoje tenho filhos adultos e netos. E se querem saber, dei palmadas nos meus filhos, mas aprendi que bater em crianças é sinal de fracasso, não ensina nada além de medo, e não produz cidadãos saudáveis e produtivos. Não condeno quem bateu, até porque eu também apanhei; condeno a ideologia da violência banalizada contra os pequenos, como se fosse algo inócuo ou parte do desenvolvimento normal das crianças.

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