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Memórias do Homem de Vidro – 07

Simulacrum

Passados alguns anos da saída da residência médica, minha inquietude com a obstetrícia atingia limites preocupantes. Já naquela época eu trabalhava em hospitais de periferia como plantonista do centro obstétrico. Nesses locais, eu po­dia vivenciar o tipo de obstetrícia que se oferecia à grande massa da população brasileira, pois a clientela atendida era basicamente formada por trabalhadores de baixa renda oriundos do cinturão de pobreza que circunda as grandes cidades. Ali, à margem dos grandes centros, os procedimentos rotineiros não diferiam muito daqueles que aprendi no transcorrer da residência médica. As condutas eram to­madas sem um critério sólido de embasamento científico, e atitudes aparente­mente banais, como abolir a tricotomia (corte dos pelos pubianos), eram vistas pelos colegas e pela enfermagem com desconfiança e, muitas vezes, com explí­cita aversão. Eu, entretanto, já estava por demais contaminado com uma forma diferenciada de entender o parto, e essa compreensão se manifestava inexora­velmente na minha prática cotidiana, tornando-se um incontornável gerador de tensão.

Meu ingresso na profissão foi cercado de desafios e conflitos inevitáveis. Algumas auxiliares de enfermagem desses hospitais eram antipáticas aos meus procedi­mentos médicos, e dentre elas algumas eram manifestamente contrárias. Diziam que não achavam correto “deixar uma mulher para ter filhos como uma galinha botando ovo”. Não aceitavam a quebra que eu produzia em um modelo de partos que elas repetiam irrefletidamente havia mais de 20 anos. Para elas, as explica­ções científicas sobre a postura de cócoras, por exemplo, eram completamente inúteis, e me diziam que, “se fosse certo nascer assim, o senhor não seria o único a fazer”. Na verdade, elas acreditavam que eu assistia partos de cócoras só “para ser diferente e chamar atenção”. Nessa época, eu já era alvo do escárnio de al­guns colegas, mas as próprias funcionárias, mulheres que tratavam de mulheres, eram tão ou mais cáusticas. Não foram poucas as que me informaram que não gostavam de trabalhar comigo, porque eu era “cheio de manias”. Minha presença era considerada uma ameaça. Minha pior “mania” era pedir que tomassem cuidado com tudo que fosse dito na frente das grávidas em trabalho de parto, porque sua fragilidade, causada pelo estado alterado de consciência, as tornava facilmente susceptíveis. A entrada de um centro obstétrico, além de ser um local de extrema violência institucional, é também um local onde se encontra muita “patologia da palavra”, que, em se tra­tando do nascimento, pode ser entendida como “a morbidade causada pelo uso inadequado de expressões, atos ou gestos que podem fazer a paciente adentrar o ciclo vicioso do medo-tensão-dor”. Maximilian, meu colega e “guru”, batizou esse processo de verbose.

Lembro-me de uma história em que a desatenção e o uso irresponsável de uma expressão colocou um grupo inteiro de pessoas em pânico. Nesse mesmo hospital de periferia, há mais de 10 anos, uma paciente adentrou o centro obstétrico com uma ultrassonografia demonstrando um abortamento fetal precoce, de menos de 10 semanas. Vinha encaminhada diretamente da clínica de ecografias, e parecia estar já conformada com a perda da gravidez. Apresentava sangramento vaginal moderado e o colo uterino estava aberto. Conversei um pouco com ela, expliquei como seria feita a raspagem uterina e pedi que o marido ficasse por perto para estar ao seu lado quando acordasse da anestesia. Ela concordou, mas pediu que eu falasse com ele, porque se encontrava nervoso e preocupado. Determinei, en­tão, que uma das auxiliares de enfermagem solicitasse a presença do marido para falar comigo.

A funcionária prontamente dirigiu-se à porta de entrada do centro obstétrico e de lá disse em voz alta, dirigindo-se para a pequena aglomeração de familiares que aguardava informações:

— Por favor, o marido da paciente que perdeu o bebê, queira entrar para falar com o médico.

Detalhe: naquele momento, estavam internadas cinco ou seis pacientes em tra­balho de parto. Para cada grávida, existem em média 2,5 acompanhantes, o que significava quase 15 pessoas aguardando, espremidas e ansiosas na pequena sala. Quando a funcionária disse essa frase, todos se ergueram em sobressalto para saber quem era a infeliz paciente que havia perdido um bebê. Afinal, poderia ser qualquer uma das gestantes internadas. Criou-se um alvoroço que só foi con­tornado quando eu expliquei a cada um a confusão, e reforcei que as suas espo­sas/filhas/irmãs, assim como seus bebês, estavam muito bem.

Apesar de a admissão nos centros obstétricos ser marcada por condutas equivo­cadas, como a narrada acima, era no interior deles que ocorriam as mais questio­náveis e insensatas atitudes. Continuava sem entender porque, apesar de termos veículos ágeis e de fácil acesso, como a Biblioteca Cochrane, os livros do Ministé­rio da Saúde e a própria Organização Mundial da Saúde, poucos médicos se inte­ressavam em discutir medicina baseada em evidências. Sentia-me isolado, por­que, diante dos meus questionamentos, meus colegas frequentemente se justifi­cavam dizendo que suas condutas estavam calcadas em “anos de experiência”, ou que “foram ensinados dessa forma pelo doutor Fulano, que era um grande mestre”. Não era fácil encontrar posturas críticas e criativas; a grande maioria re­petia atitudes e jargões padronizados. Diante desse cenário de conformismo com o modelo vigente, minha prática como obstetra que assistia “partos de cócoras” era vista como “modismo”, algo estranho e sem importância, que apenas algumas mulheres eivadas de fervor místico consideravam digno de consideração. Eu era tratado como “sonhador”, ou alguém que enxergava a medicina de forma român­tica e ingênua.

Meu sofrimento era incrementado pela ausência de explicações convincentes para as idiossincrasias da prática obstétrica. A despeito de ter percebido os maus re­sultados produzidos pela distância que mantínhamos das evidências científicas, eu ainda não tinha as respostas para uma pergunta que me torturava: por que, apesar das provas contundentes de que já dispomos, nós, médicos, continuamos a agir de forma mitológica e repetitiva, reproduzindo terapêuticas comprovada­mente inúteis e/ou perigosas para as nossas clientes? O que nos movia? Por que a distância entre nosso saber e nosso gesto? Por que nossas condutas eram tão afastadas do cientificamente comprovado como útil e seguro?

Naquela época, esse hospital tinha índices de cesarianas superiores a 45%, e questionar a validade de, por exemplo, episiotomias de rotina (entre outras con­dutas corriqueiras e igualmente equivocadas) era considerado quase um sacrilé­gio. Essas perguntas, relativas às práticas comprovadamente ineficazes ou inade­quadas, eram frequentemente respondidas pelos colegas com afirmações do tipo: “É o efeito inercial; agimos assim porque mudar é sempre complicado e difícil. Fomos treinados em um determinado tipo de proceder e nos mantemos nele por hábito”. Em uma frase que acabou famosa através de uma tese da Dra Simone Diniz, uma ginecologista explicava a razão pela qual aplicava episiotomias nas suas pacientes, apesar de saber de sua inutilidade: “Eu até tento não fazer, mas minha mão parece que vai sozinha!”. Também chamavam essa conduta repetitiva e automática de “hábito vicioso”, que poderia ser definido como a “dificuldade em mudar um procedimento previamente conhecido que nos oferece a segurança de um resultado previsível”.

Nada disso me satisfazia. Eu costumava responder a essas afirmações com uma pergunta capciosa: “Se você ganhasse um milhão de dólares na loteria, continua­ria indo para o trabalho de ônibus porque teria dificuldade em romper um hábito de 25 anos?” Nunca escutei nenhuma resposta afirmativa a essa pergunta; ninguém manteria um costume como esse sem ter uma boa justificativa. A tese de “repeti­ção inercial” ou “hábito” parecia querer esconder motivações inconscientes, que provavelmente seriam complexas ou constrangedoras demais para serem explici­tadas.

Mas que motivações inconscientes seriam estas? Tratar-se-ia, por acaso, de sa­dismo por parte dos médicos? Utilizariam eles cesarianas em excesso, enemas, tricotomias, episiotomias etc., muito além do que seria medicamente admissível, apenas para que suas pacientes sofressem intervenções injustificadas? Seriam os médicos tolos, ignorantes e cegos às realidades disseminadas modernamente sobre a validade desses procedimentos? Não pareciam ser estas as respostas. Rebater as críticas a uma prática médica cientificamente equivocada com argumentos de ordem moral me parecia uma tá­tica escapista, muito utilizada para explicar outros fenômenos sociais. Assim era com a criminalidade, tratada como uma mácula social criada pela ausência de va­lores éticos, dessa forma mascarando as questões econômicas e culturais envol­vidas na distribuição da riqueza. Não me permitiria acreditar nessa interpretação tacanha da realidade, que mais escondia do que revelava respostas. Deveria exis­tir algo mais profundo, recôndito e de difícil acesso que pudesse responder a es­sas questões.

Se as explicações eram escassas, os fatos, por sua vez, eram inquestionáveis: bastava uma passada superficial pelas estatísticas para perceber a brutal distân­cia entre realidade e evidências científicas. Na minha cidade, existiam hospitais privados em que o índice de cesarianas era maior do que 80%. Essa realidade ainda vigora incrivelmente nos dias de hoje, e depois do trabalho de Joe Potter e Kristine Hopkins (mostrando que as cesarianas não são a preferência das ges­tantes, como foi historicamente apregoado) já não podemos culpar as mulheres pela opção insensata do nascimento pela via cirúrgica. Nossa mortalidade ma­terna, que estava nessa época em um patamar superior aos atuais 75 por 100 mil nascimentos, é fortemente ligada às hemorragias e infecções — muito mais fre­quentes nas cesarianas — e está entre as mais altas do mundo, pareada com os mais pobres países da África. Onde estaria, então, a resposta para esse divórcio entre ciência e prática médica?

As explicações para o intervencionismo no nascimento humano às vezes apre­sentavam características que oscilavam entre o absurdo e o bizarro. Em uma con­versa que tive alguns anos atrás com um colega obstetra durante o congresso de ginecologia e obstetrícia da Febrasgo no início deste milênio recolhi essa pérola, que tentava explicar o índice abusivo de cesarianas no nosso país. Dizia ele, com ares de inequívoca sapiência, que o problema do excesso das cesarianas no Bra­sil estava relacionado com a miscigenação entre negros e europeus, pois criava as condições para uma desproporção céfalo-pélvica. Sendo os negros menores e mais “estreitos”, acabavam por obstaculizar o nascimento de indivíduos com ge­nes europeus, maiores e mais largos. Olhei para o colega sem acreditar na serie­dade da sua tese racista e disse-lhe: “Mostre-me seus dados! Estarei pronto para acreditar nisso se o senhor me apresentar de onde saiu essa afirmação”. Ele, ob­viamente, nunca me enviou nenhuma informação sobre isso.

Comecei então a procurar em outras áreas do conhecimento as respostas que a medicina não me apresentava, principalmente na história, na psicanálise e na an­tropologia. Passado algum tempo, caiu-me nas mãos um dos artigos mais eston­teantes sobre a obstetrícia contemporânea que eu já havia colocado meus olhos: Obstetrical Training as a Rite of Passage, de Robbie Elizabeth Davis-Floyd. Rob­bie é uma antropóloga americana e ativista do nascimento, que escreveu vários livros e artigos sobre o parto humano através de uma visão antropológica. Encon­trei esse artigo “por acidente”, ao vasculhar as referências bibliográficas do livro Obstetric Myths and Research Realities, da educadora perinatal Henci Goer. Os capítulos finais desse precioso livro são todos dedicados ao modelo que Robbie descreveu sobre as motivações para os procedimentos repetitivos e ritualísticos da prática médica contemporânea.

Foi uma descoberta reveladora e violenta. Ali, pela primeira vez, encontrei o signi­ficado da ritualística médica, tecnocracia e rituais de passagem. A leitura desse artigo — e posteriormente de todos os livros publicados pela Dra. Robbie — fez com que o meu entendimento sobre a obstetrícia desse uma guinada fabulosa, levando de roldão toda a minha vida.

Coincidentemente, poucos meses depois da leitura deste artigo, chegou na minha cidade o filme “Matrix”. Seduzido pela expectativa de um filme de aventuras e fic­ção científica, acabei sendo surpreendido por uma instigante e estonteante metá­fora para a compreensão do mundo contemporâneo, que produziu um profundo choque no meu entendimento sobre a realidade circundante. A partir de então, fiquei tão impactado com essa coincidência que comecei a traduzir o mundo em que eu estava inserido através da metáfora poderosa dos irmãos Wachowski.

Quando saí do filme, em 1999, estava acompanhado dos meus fiéis escudeiros, Lucas e Bebel. Só me permito ir ao cinema assim escoltado, porque depois de qualquer sessão se forma um debate acalorado sobre o filme, regado a Coca Light e suco de laranja. Sempre assim, mesmo que o filme seja insuportavelmente ruim. Dessa vez, não foi diferente. Saí da sessão com a nítida sensação de que havia visto mais do que um filme. Havia assistido algo que tinha a ver com a minha vida, e uma maneira específica de enxergar o mundo. Ainda emocionado, encarei meu filho Lucas e, com o dedo apontando ameaçadoramente contra seu peito, disparei:

— Lucas, não permita que seus olhos o enganem. O mundo é feito de ilusões, e a maior delas é a de que elas são obra apenas de nossa imaginação. A ilusão é a face oculta da realidade. Olhe para o simbolismo abrangente contido nesse filme. Não permita que os efeitos especiais ofusquem sua compreensão da verdade, verdade esta que se esconde por detrás do meramente manifesto aos sentidos mais grosseiros. Existe algo de Matrix aqui, nesta cafeteria. Existe algo de Matrix na sociedade em que vivemos, assim como dentro de você. Os meandros do seu inconsciente escondem porções que seriam violentas até mesmo para a sua inte­gridade. Tem certeza de que é realmente Coca-Cola o que você está bebendo?

Lucas me encarava com atenção, e certamente levou a sério o que eu estava di­zendo. Olhou para o meu dedo em seu peito e sorriu. Seu sorriso me dizia que também acreditava em uma forma outra de ver a realidade, apesar da sedução apresentada pela experiência cotidiana dos sentidos. Bebel sacou na hora. Olhou para o suco de laranja e fez cara de nojo. Voltou-se para mim, com a face ainda contorcida, e disse:

— Vou devolver esse suco, “paps”; está cheio de “bits e bytes”!

A possibilidade de analogias infinitas e criativas com o mundo que nos rodeia me pareceu fascinante desde o princípio. Entendi que o mundo, assim como em Ma­trix, é sustentado por uma arquitetura invisível, criada por nós mesmos, para nos fixar ao core system da sociedade, e consolidar os valores fundamentais sobre os quais nossa vida social se assenta. Somos tão somente seres guiados por forças incorpóreas e poderosas sem que nos apercebamos disso. Agimos socialmente tal qual marionetes, sustentadas por finos arames invisíveis ao olho desarmado. Ime­diatamente, inseri a obstetrícia contemporânea nesse cenário, e sobre essa ideia tracei os inevitáveis paralelos com o trabalho de Robbie E. Davis-Floyd, que incri­velmente não assistira Matrix.

“O que quer a Matrix?”, perguntaria em “A Pílula Vermelha” o articulista Read Mer­cer Schuchardt. “Ela quer manter a nós, humanos, escravizados pelas nossas ilu­sões, a principal das quais é a de que tecnologia não nos escraviza, e sim nos liberta.”

Percebi a existência de uma ultraestrutura que governa o atendimento às mulhe­res gestantes e que pretende conformá-las com o mundo como foi construído, para que obedeçam ao sistema sem contestá-lo. A gestação, com sua natural fra­gilidade, é o momento ideal para determinar a posição específica da mulher na sociedade, assim como ensiná-la (doutriná-la) sobre a forma como seu filho deve ser inserido na mesma. Apesar da presença de absurdos incontestes, equívocos inaceitáveis e crenças insustentáveis, a fé no sistema, e nos seus condutores, deve persistir. Olivier Clerc, pensador francês contemporâneo, alinha de forma muito curiosa a forma da medicina atual lidar com a realidade e suas interpreta­ções, pareando-a com a religião e considerando-a a sucedânea desta no imaginá­rio social, no qual a “verdade” pode ser buscada através dos “clérigos modernos”, que parecem ter trocado a batina pelo jaleco. Diz-se de Santo Agostinho, padre dos padres, a frase “Credo quia absurdum” (creio por ser absurdo), e nisso colo­cava a força de sua fé. Parece que dos médicos solicita-se o mesmo tipo de vin­culação poderosa e pré-racional a um modelo religioso e mítico, porque essa liga­ção é fundamental para a manutenção do sistema.

No que tange à obstetrícia e ao nascimento humano, hoje em dia o sistema mito­lógico, etiocêntrico, iatrocêntrico e hospitalocêntrico da medicina ocidental nos pede que acreditemos que as mulheres são incompetentes para gerar e parir seus filhos, mesmo que nos demonstrem diuturnamente sua capacidade e talento. A epidemia de cesarianas e, modernamente, as terapias de reposição hormonal, a ideologia da ablação menstrual e a proliferação de clínicas de fertilização artificial são demonstrações claras de uma visão específica da sociedade sobre o feminino e a mulher. Essas manifestações e fenômenos sociais ganham sentido contempo­raneamente porque nos levam diretamente ao âmago do sistema de valores de nossa sociedade, que se ergue em nome do patriarcado e do capitalismo, através de um modelo cartesiano de percepção da realidade. No sistema patriarcal, não há lugar para mulheres poderosas e livres. Elas devem acreditar — como os ha­bitantes da Matrix — que o lugar onde estão (o sistema de valores que as consi­dera subcidadãs) é o melhor para elas. Esse modelo é o cimento básico que nos une. Temos medo de perder o controle sobre tudo o que construímos enquanto humanidade. Uma sociedade baseada na igualdade nos amedronta.

Em um mundo que dissemina a inferioridade básica das mulheres, é necessário que elas mesmas sejam convencidas dessa realidade, assim como é necessário que o pobre se convença de que sua pobreza é obra do destino ou de sua etnia, para que o mesmo não confronte o sistema distribuidor de riquezas. Toda a cons­trução da obstetrícia contemporânea se assenta sobre a crença básica da defecti­vidade essencial das mulheres porque, baseada nesse modelo, a medicina obsté­trica poderia construir as ferramentas e tecnologias adequadas para consertar esta “máquina”, agora entendida como equivocada e defeituosa, como bem nos revelou Robbie Davis-Floyd. Mas essa visão sobre o parto não se estabelece em um vácuo conceitual. Outros acontecimentos exclusivamente femininos como a menstruação — chamada por alguns de “sangria inútil” — e a menopausa são exemplos claros de eventos fisiológicos tratados pela ciência médica como patolo­gias. Minha pergunta aos colegas na época era: que evento fisiológico masculino merece um tratamento pela medicina contemporânea?

Recebia apenas sorrisos como respostas. A verdade é que o homem não neces­sita ser tratado em sua normalidade funcional, porque ele é o espelho de Deus. Ele traz consigo a perfeição Divina in essentia. O contrário acontece com a mu­lher. Culpada, entre outros crimes, pelo “pecado original”, foi punida pelo Senhor com a pena dos partos dolorosos e do sangramento mensal. Mulheres são a falha, o desajuste e o equívoco da criação. Henci Goer, educadora perinatal americana e ativista do CIMS – Coalizão para a Melhoria dos Serviços de Maternidade fala que a medicina trata como disfuncional tudo aquilo que foge ao padrão. O parto foge dos padrões da normalidade porque não ocorre nos homens.

Levando mais adiante nossa ideia, mais do que acreditar na sua defectividade, faz-se mister que as próprias mulheres disseminem essa crença. Iniciando esse processo, é fundamental que elas sejam doutrinadas desde o berço com a ideia de que uma mulher tem uma incompetência básica inata, que faz com que qual­quer uma de suas decisões tenha que passar, em última instância, pela ordem do masculino. O parto, momento apical da feminilidade, é o momento ideal para que essas crenças sejam reforçadas e disseminadas. Ali podemos encontrar todos os valores sociais profundos encenados de forma sutil, mas poderosa. A natural abertura sensorial determinada pelo evento nos propicia a possibilidade de instruir as mulheres e seus filhos nas posições específicas que desejamos que ocupem na estrutura social. Por essa razão, o estudo da simbologia representada no nas­cimento nos leva ao cerne dos valores mais profundos que estruturam nossa civili­zação.

Olhar para esse cenário de fora da Matrix é angustiante. Uma tortura. Em Matrix, diante da verdade revelada a Neo por Morpheus, este inicialmente negou. Depois vomitou. Desperto do sono tecnocrático, não queria acreditar no que via. Não su­portou a confrontação da imagem que nutria da humanidade com a dura realidade que seu libertador lhe apresentou. Teve náusea, fruto da impotência diante de um sistema muito maior do que ele próprio. Sentiu-se fraco e desesperançado.

As pessoas que se defrontam com essa nova forma de encarar a realidade na medicina (assim como em outras áreas do conhecimento) acabam sofrendo o mesmo processo pelo qual Neo (de “novo”, mas também um anagrama de “one”, o “um”, ou mesmo “éon”, energia emanada de um ser supremo) passou ao ser res­gatado da fantasia da Matrix. Dor, sofrimento, negação, angústia, tristeza, re­morso, vergonha. Descobrem também que é necessário passar por um ritual de despojamento das falsas certezas e do orgulho rastejante para, assim renovadas, serem verdadeiramente leais com sua própria existência. Lembram que nosso he­rói fica nu ao ser desplugado? Parece mesmo a nudez de São Francisco de Assis no filme Irmão Sol, Irmã Lua, quando este abre mão de seus valores — dinheiro, roupas, crenças — para adentrar uma vida de desapego aos valores mundanos.

Não existem orgulhosos no céu.

A leitura do artigo de Robbie, que se transformou em um maravilhoso capítulo do seu livro Birth as an American Rite of Passage, me deu a exata dimensão de mi­nha arrogância e da minha estupidez, mas ao mesmo tempo me deu a esperança de que apenas através do reconhecimento de nossas próprias fragilidades é que podemos nos fortalecer. “Toda a vitória se ergue dos escombros de uma derrota”, como sempre me dizia Max. Toda relação pessoal se instaura sobre um fracasso egoico. Toda esperança se cria quando reconhecemos nossas fraquezas. Neo percebeu sua vocação libertária ao se defrontar com sua infinita pequenez e insig­nificância, mas para isso foi necessário despertar no “campo de cultivo”, as plan­tações em que a humanidade era usada como “energia barata” pelas máquinas.

Matrix está aí fora, criando nas mulheres a ideia de que, se elas se submeterem aos ditames que “sempre existiram” e que “incontestavelmente são os verdadei­ros” (em outras palavras, a “realidade expressa”, o roteiro que se aplica sobre as marcas do real), elas estarão seguras para todo o sempre. A Matrix quer fazer acreditar que sem as máquinas (tecnologia/masculino/instituição) nenhuma mulher pode arcar com suas aptidões biológicas. A Matrix não admite que o poder seja repartido ou que a fraternidade seja um modelo factível de relação entre as pes­soas. A Matrix nos diz que a estrutura básica deste mundo não pode ser mudada, sob pena de que esse mesmo mundo venha a ruir.

Ao acordar no mundo real, Neo foi avisado por Morpheus de que a dor que sentia nos olhos se devia ao fato de que nunca anteriormente havia enxergado. Ao ne­garmos a oportunidade de vislumbrar a dura realidade de um sistema de crenças centrado no poder dos que dominam a tecnologia, sucedânea contemporânea da religião, ficamos também cegos às verdades outras que surgem da própria experi­ência feminina com o nascimento. Disse-lhe também que pessoas mais velhas — e talvez aqui “velho” não esteja necessariamente ligado à idade cronológica — dificilmente eram libertadas da Matrix, porque o resultado era invariavelmente ruim.

Algumas crenças ficam tão impregnadas que não esvaecem jamais. Neo, em Ma­trix, escondia seus programas piratas em um livro que retirou da estante. Nesse livro, além de vários discos, havia um maço de notas, mostrando um aspecto mer­cantilista do personagem; era, provavelmente, o combustível para que ele pu­desse subsistir na Matrix. O nome desse livro é Simulacra and Simulation, de Jean Baudrillard. Nele Baudrillard apresenta as teses fundamentais do pós-moder­nismo. A ideia básica é de que o mundo real não mais existe, permanecendo entre nós apenas o seu simulacro. Após a criação da linguagem, o “mundo real” deixou de ser possível, como nos ensinou Lacan, sobrevivendo apenas a sua versão, construída por nós. O parto real não mais existe, apenas a variante que criamos dele, construída pela medicina ocidental contemporânea.

Remontando-nos a outro filme, O Sentido da Vida, no capítulo “O Milagre do Nas­cimento”, os comediantes ingleses do Monty Python nos mostram uma cena de nascimento hospitalar contemporâneo, em que aparece como estrela principal não a mulher parindo, mas a máquina que faz “ping”. Indagados pela angustiada paci­ente do que se tratava tal máquina, explicam, orgulhosos, que essa tecnologia era a que “poderia dizer se o bebê ainda estava vivo”. No caso, era a tecnologia quem ditava as percepções maternas, como na famosa imagem apresentada por Robbie em uma de suas palestras, na qual uma mulher observa o monitor fetal acredi­tando que os batimentos cardíacos que ela escuta são verdadeiramente produzi­dos pela máquina, e não pelo seu bebê. A verdade subjugada pela sua interpreta­ção.

O Dr. Marsden Wagner, da OMS e ativista da humanização do nascimento (que para a minha trajetória funcionou como Morpheus para Neo), costuma contar a história de que, falando para médicos em grandes audiências, solicitava: “Ergam o braço quem dentre vocês já acompanhou um parto domiciliar”. A reação era inva­riavelmente a mesma: em uma plateia de 400 médicos, nenhuma mão se erguia. Aqui aparece a face pós-moderna mais dolorosa da medicina: perdemos total­mente o contato com a realidade do nascimento. Perdemos seu odor, seu clima, sua temperatura e gosto. Nós, médicos, só conhecemos a sua representação, seu simulacro, sua imagem refletida na parede da tecnocracia. Continuando o raciocí­nio do articulista Dino Felluga, no seu artigo Matrix: Paradigma do Pós-Moder­nismo ou pretensão intelectual?, “fizemos um roteiro tão assemelhado com a ver­dade que aquele se justapôs a esta. Hoje em dia, a realidade é que se desfaz por entre as linhas riscadas do mapa”. Mentimos o parto, falseando a natureza.

Minha mais agradável fantasia é imaginar The Farm, no Tennessee, a comuni­dade pós-hippie onde trabalha e mora a parteira Ina May Gaskin, como a Zion de verdade, onde o nascimento pode ser tratado despido das múltiplas capas que o aprisionam no mundo tecnológico. Nesse “laboratório” de afeto e sexualidade apli­cada ao nascimento, já ocorreram mais de 2000 nascimentos desde os anos 70, e a taxa de intervenção é baixíssima (índice de cesarianas de 1,4%), com resultados maternos e neonatais superiores aos melhores centros tecnológicos do mundo. Por que a obstetrícia contemporânea desvia seu olhar desse tipo de realidade? Por mais que continuemos em uma realidade artificial criada pela cultura, como disse Morpheus, “um mundo que foi colocado em frente aos seus olhos para cegá-lo da verdade”, o mundo real continua existindo como “farpa na sua mente que o faz enlouquecer”, demonstrando, através da inquietude, da indignação surda e da inconformidade, a possibilidade de questionar as ideologias dominantes. A sexua­lidade viva que emana de uma mulher parindo, ou a ideia de uma “Xanadu” pós-moderna, em que o parto poderia ser vivido como um processo de empodera­mento feminino e em estado de graça, funcionam como as mais doloridas farpas com que convivo.

Por outro lado, quais as estratégias de mudança no modelo vigente? Como con­vencer os médicos a modificar suas condutas, direcionando-os para uma postura profissional embasada em evidências e centrada nas necessidades de suas paci­entes? Além disso, como se comporta um sistema que se ergue sobre um modelo cartesiano, positivista, capitalista e patriarcal e que coloca um profissional, invaria­velmente mal pago e pressionado por resultados, como seu “ponta de lança”? Tentemos fazer esse médico mudar sua conduta profissional, mostrando que suas atitudes médicas, mesmo que aceitas por seus pares, arriscam a vida de suas pa­cientes e bebês, e ele lhe dirá que, no atual contexto médico e jurídico, apenas os que defendem o parto humanizado e a medicina baseada em evidências é que são condenados.

A realidade do dia a dia nos demonstra que os médicos são também vítimas desse paradigma, criado por todos nós. Nesse modelo, baseado no medo ances­tral da confrontação com o desconhecido, somos levados a criar sistemas de crenças e rituais que nos oferecem a ilusória ideia de controle sobre a natureza. Sobre essas crenças, passamos um fino verniz de intelecto, para que elas fiquem justificadas perante nossa visão racionalista, como nos fala Olivier Clerk. Médicos confrontados com o nascimento humano sentem medo porque esse evento foge ao seu controle, tal qual a erupção de um vulcão desobedece nossas vontades. A forma ritualística de realizar procedimentos obstétricos padronizados produz um senso de ordem cultural que se impõe sobre o caos da natureza, o que nos produz alívio, assim nos falava Robbie Davis-Floyd em Birth as an American Rite of Pas­sage.

Nosso sistema de saúde é completamente aderido à Matrix. Somos governados por um modelo de crenças tecnológico, naquilo que se chama modernamente de “infotecnocracia”, que é a “ideologia que coloca em posição de poder aqueles que controlam a tecnologia e a informação” conforme a definição do antropólogo ame­ricano Peter Reynolds. Ela se comporta como o “sistema operacional” da Matrix contemporânea ocidental. Basta olhar ao redor e perceber isso no nosso quotidi­ano. Mesmo que a biblioteca Cochrane e a OMS despejem toneladas de informa­ção a respeito da forma segura — e barata — de tratar as mulheres, grávidas e puérperas, continuamos atrelados ao sistema mitológico em que fomos inseridos, porque o modelo obedece às premissas básicas desse sistema de crenças. É o que chamaríamos de “mapa” ou “roteiro” do parto, o que Baudrillard chama de “segunda ordem da simulação”, em que o simulacro mascara a realidade. O parto tecnocrático como o conhecemos é uma alegoria do que é em verdade, e só a confrontação com o fenômeno na natureza é que poderia nos livrar do engodo da simulação.

Muitos anos depois, Madalena me ofereceria essa confrontação, permitindo-me a possibilidade de ver outra realidade. Usando a metáfora de Marsden Wagner em Fish Can’t See Water, a experiência com o parto desmedicalizado, fora do con­texto da tecnocracia, seria o salto para além da superfície do oceano, que permiti­ria ao peixe perceber a água em que esteve sempre envolvido. “Fora da infotecnocracia não há salvação”, diz o apologista da tecnologia aplicada ao nascimento humano (e que, obviamente, lucra com ela). Não conseguimos, a não ser com uma quantidade enorme de esforço e sofrimento, nos desvencilhar disso, porque os que se atrevem a sair da Matrix tecnocrática são vistos como he­réticos e perigosos. Em grego, “hairetikós” significa “aquele que escolhe”. Ter a possibilidade libertária de escolher nos torna hereges e, portanto, suscetíveis de perseguições. Curioso, apesar de trágico, é perceber que frequentemente, como Cristo ou Neo, os hereges são apedrejados exatamente por aqueles a quem ten­tam libertar!

“Tudo se resume a escolhas”, disse Neo ao Arquiteto. Escolher. Decidir seu des­tino. Fazer caminhos com suas próprias pernas. Nada mais revolucionário, peri­goso e… herético. Apenas para citar uma ritualística ainda firmemente incorporada à prática médica, temos a episiotomia rotineira realizada nos hospitais de nosso país. Nessa ques­tão específica, o bem-estar ou segurança da paciente não é o fator que mais se considera ao se traçarem protocolos. Se fosse assim, bastaria ler artigos, estudar prós e contras, e tudo se resolveria. Convenientemente, não faríamos uma cirurgia mutilatória que nunca conseguiu provar sua validade como procedimento de ro­tina. Dessa forma, a episiotomia seria realizada de forma ética e em um número muito reduzido de casos.

Não é o que acontece. Diante das evidências contra a sua realização de rotina, que se acumulam há mais de duas décadas, é muito difícil entender porque essa cirurgia é feita em até 95% dos partos no meu país, quando deveria ser feita em menos de 10%. Sem uma explicação de caráter médico, e não caindo na ingênua armadilha do “hábito”, é fundamental entender em que espaço de discussão — técnico, sociológico, psicológico, antropológico — ela pode ser inserida. Robbie, mais uma vez, mostrou-nos o caminho para a compreensão dos rituais que se de­senvolvem nos ambientes hospitalares em se tratando do nascimento humano. Existem inúmeros fatores que nos impulsionam a realizar procedimentos médicos: o mais poderoso de todos é a ritualística. É importante salientar que os procedi­mentos ritualísticos podem ser (e frequentemente o são) ao mesmo tempo simbó­licos e operacionais. Isso quer dizer que o fato de uma episiotomia ter uma expli­cação médica (mesmo que falsa) como proteger a vagina de lacerações e fragi­lidades do assoalho pélvico — não impede que ela seja realizada com um pode­roso conteúdo simbólico.

Fazemos episiotomias ritualisticamente. Também vestimos branco, usamos um jargão hermético, fazemos tricotomias e enteroclismas de forma ritual. O ritual existe no comportamento humano para conformar a realidade a um padrão racio­nal e fenomenológico previamente reconhecido. Realizamos isso no nosso dia a dia, e fazemos isso desde que o mundo é mundo, e desde que temos medo do caótico e do incerto. Essa é a razão básica pela qual lançamos mão de rituais sempre que nos deparamos com a incerteza dos fenômenos naturais. Todos estes são fenômenos dominados por uma instância superior à nossa cons­ciência, mesmo que, nos dias atuais, já tenhamos desvendado alguns segredos que estavam escondidos da nossa razão. Ainda vemos a natureza com medo e assombro. Mesmo assim, a essência desses acontecimentos continua submersa em um oceano de mistérios. Para fugir do pânico que nos assola ao olhar para a face lívida do desconhecido, criamos rituais, que tentam fazer com que esses eventos se ajustem aos nossos padrões de compreensão racional. Assim sendo, acreditamos sinceramente que o sacrifício dos carneiros poderia satisfazer a sede de vingança das tormentas e pensamos que rezar uma “Ave Maria” exatas 75 ve­zes vai fazer nosso time fazer um gol nos últimos cinco minutos da partida.

Da mesma maneira com que afugentamos nosso medo através do recurso da ritu­alística, aplicamos esse fingimento (inconsciente) na nossa arte de curar. Quando falamos de episiotomia, e da complexa ritualística hospitalar, é impossível não entender esses eventos como algo que faça parte de uma grande engrenagem, que visa a perpetuar um sistema de crenças e impedir que outras formas de com­preensão sejam estimuladas. Como visto acima, episiotomias, enemas, afasta­mento da família, roupas de CO, etc. são procedimentos que visam a nos trazer a ilusória sensação de controle sobre os fenômenos da natureza, e a ritualística aplicada tem a intenção de colocar em posição de destaque os profissionais que detêm o poder da técnica e da informação. Essas condutas automáticas e irrefleti­das ilusoriamente parecem modificar o rumo caótico (porque fora do nosso con­trole) do nascimento. Mesmo que as pesquisas demonstrem que não existe liga­ção alguma entre episiotomia e melhora das condições fetais e/ou maternas, a prática médica contemporânea a perpetua de forma ritual, mística, repetitiva e pa­dronizada, e com conteúdo simbólico subjacente. Nada poderia se encaixar me­lhor no conceito de rito.

Parece que a evidência científica, por si só, não produz quase nenhuma modifica­ção importante no nosso comportamento clínico. Esse foi o ponto de partida para a minha inquietude em relação à mitologia e à ritualística em obstetrícia. Percebi claramente que existem fatores muito mais poderosos para o controle dos proce­dimentos médicos do que aquilo que a racionalidade científica nos pode trazer. O ritual é um sistema pré-racional, portanto ligado ao desejo, e por essa razão é tão poderoso e pleno de vigor, mesmo em uma civilização pretensamente “racional”. Por outro lado, é fundamental que tenhamos em mente que os rituais não são es­colhidos aleatoriamente. Sua criação pressupõe a valorização e a perpetuação de valores profundos e ancestrais na nossa cultura.

O médico mantém e reproduz um sistema de valores que o sustenta como figura preponderante na sociedade e que cultiva os valores básicos de uma cultura tec­nocrática, mitológica, consumista, patriarcal e individualista. Médicos também são guardiões de um sistema de crenças que sustenta o mundo em que vivemos. A ritualística envolvida no parto serve aos interesses profundos dos profissionais da medicina, porque cria a ideia de uma necessidade que só pode ser sanada por quem detém um específico saber. Assim empoderados, os médicos tentam de to­das as formas manter uma situação em que se estabeleça a indissolubilidade en­tre o parto e essa tecnologia, por eles dominada. Agem inconscientemente assim, assegurando sua posição e importância social enquanto mantêm o sistema que os sustenta. O parto, que deveria ser um processo de profundo empoderamento fe­minino, acaba se tornando, na maioria das vezes, em um processo de fortaleci­mento dos médicos, das instituições e dos valores tradicionais, mantendo a mulher e o feminino em uma posição inferior e subalterna.

A mulher, relegada a uma posição de passividade e alienação, acaba sofrendo mais tarde, muitas vezes de forma obscura e inconsciente, o resultado dessas in­terferências, através de múltiplas formas: depressões pós-parto, morbidade au­mentada pelas ritualísticas excessivas (doenças, mortes, limitações), mágoas di­fusas, dificuldades na sexualidade, etc. Além disso, enquanto entendermos o con­trole da tecnologia como o zênite do proceder médico, estaremos hipervalorizando no profissional detentor desse poder/saber apenas uma qualidade específica, co­locando em um patamar secundário aquilo que é a alma do ofício médico, qual seja, o contato e o vínculo com os pacientes. Insistentemente, escutamos o atabaque da mídia insuflando em todos nós, habi­tantes da Matrix, a importância do uso de tecnologia aplicada à saúde. As notícias seguem sempre um mesmo roteiro previsível, em que as “novas tecnologias” no combate aos males são sempre as grandes heroínas, mesmo que o impacto des­sas descobertas no grande cenário da saúde mundial seja normalmente pífio. As­sim, ocorreu com a monitorização eletrônica fetal, as ultrassonografias e mesmo a própria internação hospitalar, que nunca comprovou ser superior ao parto domici­liar para as pacientes de baixo risco. Apesar de todas as confirmações científicas dessas realidades, o uso sem limite da tecnologia continua associado à questão da segurança.

“Segurança é a máscara que encobre uma verdade que subjaz: a questão do po­der”, já nos alertava Robbie Davis-Floyd. Enquanto não aplicarmos nosso criti­cismo mais intenso para modificar a forma como enxergamos o nascimento, va­mos continuar a observar o parto de uma criança como algo “feito” pelas institui­ções e corporações, e em seu próprio benefício, em vez de vermos o nascimento humano na graça e magnitude que ele contém. Continuaremos acreditando que a tecnologia desmedida pode propiciar segurança, quando ocorre exatamente o contrário. Hoje em dia, não existe muita dúvida a respeito da necessidade de cui­dados com o nascimento, e poucos se aventuram a defender a completa desas­sistência ao parto. Entretanto, a tecnologia aplicada ao parto apresenta resultados positivos até determinado ponto; a partir daí, o acréscimo de tecnologia faz ape­nas crescerem estratosfericamente os custos e aumentar a morbi-mortalidade materna e neonatal, segundo inúmeros estudos, incluindo aí o da Dra Daphne Rattner. Isso acontece tipicamente com os Estados Unidos, que aplicam esse mo­delo tecnocrático à saúde como nenhum outro país e amargam péssimos resulta­dos de saúde perinatal.

Em uma visão pessimista, misturando George Orwell com Jean Baudrillard, em um futuro possível as mulheres já não parirão seus filhos: eles serão produzidos nas chocadeiras imensas da Matrix. Lá se configurará o apogeu das tecnologias de separação, cortando definitivamente a ligação visceral de mães e filhos, já apregoada por alguns arautos dos novos tempos. Será a “Quarta Ordem do Si­mulacro” de Baudrillard, em que a simulação se torna absolutamente despregada da realidade, não guardando com ela nenhuma relação residual. A pergunta que não queria calar em minhas angustiantes divagações — como Neo, magnetizado pela palavra “Matrix” na tela do seu computador — era: por que é preciso “consertar” mulheres que estão tendo seus filhos? Seriam estes proce­dimentos ritualísticos, realizados pelos médicos nos centros obstétricos, uma es­pécie de batismo, atitudes carregadas de simbolismo que visam a conformar os indivíduos a uma determinada função social? Serei eu um “tecnobispo” a batizar todas as mulheres para adentrarem o mundo da maternidade?”

Depois de algum tempo praticando a obstetrícia, compreendi que jamais realizara qualquer dos inúmeros procedimentos ritualísticos hospitalares também chamados de “rotinas”, por serem comprovadamente necessários, ou porque acreditava nos seus benefícios. Jamais havia embasado essas condutas em evidências claras de sua adequação. Agia tal qual um autômato, governado externamente por um sis­tema invisível, e por isso mesmo muito maior e poderoso. Esse comportamento estereotipado e previsível não era sequer culpa do meu pobre professor de obste­trícia. Ele também estava adormecido, aquecido e nutrido pelo sangue que vinha do coração da Matrix, e só repetira para mim o que lhe fora ensinado. Estava à mercê do sistema, e seus músculos estavam atrofiados demais para que pudesse se movimentar. Eu agia daquela forma, afastando, invadindo, cortando, costu­rando e separando, porque assim a Matrix me dizia para agir; era levado a acre­ditar que as mulheres jamais poderiam parir (ou adentrar a maturidade social) sem que um homem (ou alguém representando o patriarcado) a autorizasse, através das “marcas” no corpo e na alma, estabelecendo um triste paralelo com o simbo­lismo da clitoridectomia, em outra cultura igualmente patriarcal e violenta.

Em Matrix, o filme, estamos todos representados em muitos dos personagens, basta decidir em que parte do filme. Podemos ser o alienado, que nada desconfia das forças poderosas que nos fazem acreditar na tecnologia como uma deusa to­tipotencial, que “enfim vai nos redimir” da nossa impureza e imperfeição. Podemos ser como as pessoas que vão para o trabalho e sentem que existe al­guma coisa estranha no ar, mas não sabem o quê, porque não pararam para pen­sar suficientemente no fato de existirem hospitais com 80% de cesarianas ou que os 5% mais ricos da população do país detêm 50% da sua riqueza. Podemos ser também como o Neo “pobre-coitado”, que vomita, chora, sofre ao ver como o mundo (interno e externo) não é exatamente como pensava ou fanta­siava. Somos muito mais imperfeitos e incompletos do que nossa infinita condes­cendência nos permite enxergar.

Por outro lado, podemos ser o Neo que percebeu que esse mundo feio é o único de verdade que temos, e que é na realidade dolorosa — e só ali — que as modifi­cações podem se processar. Esse Neo que enfrenta os inimigos — internos e ex­ternos — e que percebeu que a luta contra a opressão e a injustiça é o único des­tino daqueles que tiveram a oportunidade de enxergar mais além. Mais cedo ou mais tarde, a vida dentro da Matrix se torna insuportável, pois é da natureza hu­mana o destino de expandir-se. Liberdade é a nossa meta última. Um mundo em que prevaleça a dignidade, o respeito, a cidadania e em que as mulheres sejam vistas com igualdade, princi­palmente no momento mágico e sublime de terem seus filhos é nosso objetivo maior, e para isso qualquer sofrimento vale a pena.

Até mesmo a injustiça.

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Entrevista Juiz de Fora

1- Como a equipe interdisciplinar pode contribuir com assistência ao parto e nascimento?

A ideia de equipe interdisciplinar foi criada a partir da própria institucionalização do parto. No passado, estas atribuições de atenção à mulher e ao recém-nascido eram assumidas pela parteira e suas auxiliares, mas uma série de mudanças na estrutura básica da atenção ao parto forçaram a diversificação destas funções. Nosso modelo passou a ser centrado no médico, e não mais na parteira. O local do nascimento passou a ser o hospital, um local construído para manter e tratar pacientes extremamente incapacitados, até para deambular (os mais saudáveis iam para “ambulatórios”) e a própria forma como encaramos o nascimento humano modificou-se profundamente. – de um processo natural para um evento médico. Os médicos são formados por 6 a 9 anos dentro da universidade para tratar doenças e oferecer intervenções que possam tratá-las, mas fica claro para qualquer observador que as gestantes NÃO são doentes e sequer precisam de quaisquer intervenções na maioria das vezes. Assim, o modelo “iatrocêntrico” (centrado na figura do médico) coloca no centro da cena do parto um técnico em intervenções que, via de regra, tem pouca ou nenhuma conexão emocional e afetiva com as pacientes a quem atende. Mais ainda, seus conhecimentos são relacionados à intervenção – que deveria ser a exceção e não a regra – e suas habilidades para lidar com as questões emocionais e psicológicas do parto estão ausentes ou são muito frágeis. Nesse contexto, percebeu-se a necessidade de que aparecesse no cenário da humanização um novo-velho personagem que pudesse oferecer os aspectos mais femininos e acolhedores que a institucionalização e a medicalização do parto nos sonegaram. Com isso surgiram as doulas em meados dos anos 80 nos Estados Unidos, e inundaram o mundo com suas habilidades de contornar os desafios emocionais que o parto reserva. Para além disso, se inicia no mundo ocidental a migração do modelo de atenção ao parto centrado no médico para as enfermeiras e obstetrizes, mas ainda assim uma atenção transdisciplinar terá sempre que contar com a presença do médico para tratar os desvios da fisiologia e a sombra da patologia.

2- Há um novo movimento que aborda a descentralização do modelo centrado no médico para dar força ao modelo de equipe interdisciplinar. Como funciona? Quais benefícios traz para o momento do parto?

Existem vários modelos aparecendo no mundo baseados na mesma premissa: a desmedicalização do parto, mudando a lógica da intervenção para a lógica do cuidado. Podemos também dizer que o que se pretende é a troca de um paradigma assistencial, deste modelo tecnocrático a que estamos sujeitos para o modelo humanizado, que se baseia em três elementos constitutivos:

  1. O protagonismo garantido à mulher, sem o qual teremos apenas um humanismo de fachada, sem profundidade;
  2. Uma visão abrangente e interdisciplinar, retirando da assistência ao parto da condição de “procedimento médico” para evento humano, sobre o qual vão incidir múltiplos pensamentos e propostas, vindas da psicologia, psicanálise, sociologia, antropologia, medicina, enfermagem e qualquer outro aspecto do conhecimento humano que se depare com as questões de nascer;
  3. Uma vinculação “umbilical”, consistente e dinâmica com a Saúde Baseada em Evidências, demonstrando que as ideias que norteiam este movimento são garantidas pelas descobertas cientificamente determinadas.

As vantagens da adoção desse modelo são inúmeras. Para além da participação efetiva da paciente nas decisões sobre seu corpo – uma questão para além da ciência, e que tem a ver com direitos humanos reprodutivos e sexuais – existem inúmeros indicadores que nos mostram que as intervenções para além da necessidade aumentam a morbimortalidade materna e neonatal. Portanto, regular estas intervenções e colocá-las dentro de limites razoáveis é uma questão que tangencia tanto os direitos humanos quanto a saúde pública.

3- Como você chegou à conclusão que o modelo atual de parto e nascimento está defasado?

Minha trajetória pessoal acabou me colocando em contato com as mulheres que davam assistência às gestantes em trabalho de parto sem serem médicas: as arteiras profissionais e as doulas (fui um dos introdutores do modelo de doulas no Brasil no início deste século). Isso pôde me mostrar o quanto existia de falha na assistência tecnocrática que eu oferecia, e que seria de enorme vantagem trabalhar com parteiras profissionais (enfermeiras ou obstetrizes) juntamente com doulas, para que o trabalho pudesse contemplar não apenas os aspectos médicos e fisiopatológicos, mas também as questões emocionais que afetam o parto. As enfermeiras e as doulas conseguiram, portanto, me mostrar que o parto é muito mais do que um evento medicamente controlado, e que em verdade é bem mais rico e abrangente do que eu jamais supunha. Além disso, meu contato com modelos de assistência ao parto de países tão díspares quanto Uruguai, Argentina, Portugal, Estados Unidos, Bulgária, México, Holanda e recentemente a China me mostrou que o caminho para um nascimento mais seguro e mais satisfatório estava ligado a aplicação de modelos humanizados ligados à garantia de protagonismo às mulheres. O mundo inteiro, na esteira das transformações sociais do final do século XX e no início do atual, nos mostram que não é mais possível tratar as mulheres como contêineres fetais e “bombas relógio” prestes a explodir, e que sua dignidade, assim como sua fisiologia, deveriam ser respeitadas.

4- Quais atitudes e mudanças devem ser realizadas pela equipe interdisciplinar para que o parto seja mais humanizado?

São muitas ações, mas todas se baseiam em uma ATITUDE diante do parto. Respeito à fisiologia, reconhecimento das necessidades ancestrais de suporte físico, psíquico, emocional, social e espiritual das gestantes. Proporcionar um ambiente adequado para a sacralidade do nascimento. Oferecer à família a possibilidade de participar do evento, quando a mãe assim o desejar. Restringir as intervenções o mais possível, dentro de limites de segurança. Cuidar a ocorrência de “verbose”, que é a doença produzida pelas palavras mal colocadas durante o processo de parto. Criar uma “psicosfera” positiva e criativa no local onde tantas transformações estão ocorrendo. Cuidar do uso exagerado de medicações, todas elas potencialmente perigosas. Respeitar os profissionais da equipe, pois deles também depende o sucesso do atendimento. Respeitar a cultura, as vontades e os desejos de quem vai parir.

5- Em um momento de reflexão você cita que “humanizar o nascimento é garantir o lugar de protagonista à mulher”. Como este ato deve ser realizado?

Sempre, durante todo o caminhar, do diagnóstico da gestação até o nascimento a mulher deve ser respeitada em suas decisões. Esta é em verdade a parte mais difícil para os profissionais que atendem: olhar a parturiente como sujeito e não mais como objeto de nossas intervenções e determinações. Sabemos que existe o que se chama de “humanismo superficial” que trata de elementos locais, arquitetônicos e de palavreado como pintar as paredes do hospital com cores agradáveis, treinar os profissionais em determinados procedimentos – como parto de cócoras ou na água – e evitar a “verbose” de termos inadequados como “mãezinha” e a infantilização do discurso dirigido à futura mãe, cheia de diminutivos e vozes melodiosas. Entretanto, todas estas ações – que são inequivocamente positivas – serão apenas “sofisticação de tutela” caso o protagonismo do nascimento não seja garantido à mulher. Sem que ela possa ser a figura principal de nossas atenções e do nosso cuidado teremos tão somente arranhado a superfície do controle patriarcal sobre o parto. Sem que seus desejos e visões de mundo sejam reconhecidos e respeitados não faremos uma verdadeira revolução no parto e ele continuará a ser o propagador de um modelo social anacrônico. “Mude o nascimento para mudar a humanidade”, já dizia o mestre Michel Odent.

6- Em um dos seus artigos você aborda a banalização da cesariana. Quais riscos as mulheres enfrentam a escolher esta modalidade de parto?

A banalização da cesariana demonstrou ser um risco à saúde das mulheres em todo o mundo, mas em especial nos países em desenvolvimento. Em um recente artigo (de algumas semanas) ficou demonstrado que, as cesarianas realizadas fora dos países desenvolvidos (do primeiro mundo), tem cem vezes mais possibilidade de produzir danos profundos à mãe. Os estudos até hoje publicados demonstram sem sombra de dúvida a potencialidade danosa das intervenções, em especial a mais radical delas: a cesariana; as dúvidas se concentram apenas no quanto de risco é associado ao procedimento. Isso não significa a demonização desta cirurgia, mas um chamado à moderação, para que ela seja somente utilizada quando houver real necessidade. Por isso mesmo é importante que busquemos nos aproximar dos exemplos de países desenvolvidos onde a atenção ao parto é colocada nas mãos de especialistas em parto vaginal: as parteiras profissionais, enfermeiras ou obstetrizes (de entrada direta), e que os partos com complicações sejam reservados aos médicos com pleno treinamento nas intervenções.

7- Quais recomendações você daria para as mulheres que estão grávidas ou pretendem ter filhos algum dia?

Informem-se sobre os seus direitos. Nunca entrem num hospital sem saber exatamente o que é garantido aos pacientes e, em especial, às grávidas e seus companheiros(as). Procurem profissionais que entendam a importância da humanização do nascimento, que conheçam e trabalhem com o suporte essencial das doulas. Investiguem o trabalho dos profissionais para saber se eles respeitam a fisiologia do nascimento – ou não. Não se deixem iludir por consultórios cheios e clínicas luxuosas; a humanização do nascimento está quase sempre vinculada à simplicidade, à sinceridade e a conexão pessoal e afetiva entre profissional e paciente. Procurem hospitais que tenham a humanização como proposta. Pesquisem sobre segurança de partos em casa de parto e domiciliares, para ver se são habilitadas para estas escolhas. Tenham confiança em sua capacidade de gestar e parir, mas mantenham uma porta aberta para a necessidade de uma intervenção. Discutam com seu cuidador, obstetra ou parteira, sobre as alternativas possíveis. Solicitem que todas as ações realizadas sejam explicadas e orientadas antes de serem feitas. Tenham fé, mas tenham cuidado.

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Mãezinhas

Entre as expressões mais comumente utilizadas em centros obstétricos (e em lojas de roupas para bebês) está uma que ainda encerra certa divisão nas opiniões.  

Para alguns, trata-se de uma expressão carinhosa; para outros uma espécie de armadilha linguística, que cairia na categoria que Maximilian definiu como “verbose”. A expressão é “mãezinha”, tão utilizada pelas pessoas que atendem mulheres cujo volume abdominal denuncia um nascimento que se aproxima celeremente. Entretanto, sabendo que existe muito mais por trás das palavras do que a mera superficialidade de sua intenção, eu prefiro me filiar à tese das “intenções recônditas”, vendo nestas expressões jogos verbais que camuflam os verdadeiros propósitos a que servem. 

“Mãezinha” nos apresenta um duplo código:   O primeiro é a presença óbvia e ostensiva do diminutivo, que serve para infantilizar a gestante, tal qual o discurso feminino das “coisinhas, pequeninhas e bonitinhas“, que é utilizado para desmerecer as ações e o universo de significantes de meninas e mulheres.   Isso se produz desde a infância, onde a delicadeza e a fragilidade são expressões valorizadas no comportamento feminino, e onde a força e a imposição são por vezes intoleráveis. A “mãezinha”, assim tornada criança, é mais facilmente manipulável e condicionada a aceitar as ordem que lhe são dadas. Além disso, com menos culpa suprimimos as suas vontades e solicitamos que obedeça o sistema, com suas regras e protocolos. O segundo sentido oculto – e para muitos totalmente inconsciente – é a liquefação do sujeito, a amálgama deste no tecido social, como diria Max.

Tal situação se percebe em todas as circunstâncias em que a individualidade e a subjetividade precisam ser abolidas e amordaçadas. Um exemplo típico, em outra instituição de contenção social, é nas forças armadas.   Quando fui oficial médico na aeronáutica tal era a prática estimulada: jamais chamar pelo nome, e sempre pela inserção funcional do sujeito na instituição. Chamávamos pelo que determinado militar fazia, como se o sujeito fosse reduzido à sua função, sua utilidade. Assim eram os “soldados”, “sargentos”, “cabos” ou mesmo “capitães”.  

Não havia “sujeito”, apenas sua ação. Mãezinha serve a este fim: a supressão da individualidade e a infantilização de um sujeito tornado objeto.”

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