Apesar de não gostar de fogueiras creio que o debate nacional sobre violência obstétrica é oportuno e essencial, em especial através de um programa de tamanha audiência como este, o Fantástico na Globo. Espero que, mais do que uma ação punitivista, este seja um passo importante para a consolidação de propostas para a erradicação da violência de gênero, em especial no parto e nascimento.
Creio que precisamos de mais participação da família, escolhas informadas, pré natal de qualidade, confiança nos profissionais (e nos pacientes), uma mídia consciente, um judiciário atento às evidências científicas e mais parteiras e doulas na atenção ao parto de risco habitual. Precisamos também de uma mídia menos sensacionalista e mais responsável, assim como uma maior proteção aos profissionais humanistas, que são as pontas de lança das transformações no cenário do parto.
Acho que um passo – a exposição crua da realidade triste da violência obstétrica – foi dado hoje. Espero que tenha sido um momento decisivo em direção a uma interação mais respeitosa entre cuidadores e gestantes.
Que assim seja.
PS: Agora fica difícil conter a pressão dos ressentimentos represados. Espero apenas que a mobilização (que infelizmente vem pelo escândalo) não se contente com o mero punitivismo, mas ofereça uma perspectiva de sairmos desse processo histórico de violência de gênero. Assim estes fatos tristes não mais ocorrerão com tanta frequência.
Porém, é importante tomar cuidado; muitas vezes as punições são uma forma de não-mudar, de conter a transformação, colocando as falhas estruturais nas costas de um único sujeito, para que as pessoas não percebam a arquitetura corroída que sustenta todo o sistema. O que precisamos mudar é o modelo autoritário de atenção ao parto que não ocorre de forma isolada; pelo contrário, é uma das marcas da assistência ao parto no Brasil.