Arquivo da tag: crenças

Religião

Oração_religião

Desculpem-me os religiosos e crentes.

Sei das suas crenças e as respeito, pois um dia também as tive. Quando cito textos retirados das palavras de Jesus e de Deus faço-o para mostrar que a Bíblia é um livro escrito por humanos e para humanos, com valores humanos e não divinos. Qualquer pessoa retira o que bem entender dos livros “sagrados”. Podemos usar qualquer fundamentalismo sobre tais livros , seja ele a Bíblia, o Corão ou o Torá. Podemos olhar as palavras como são, ou interpretá-las da maneira como bem entendermos. É por isso que este e qualquer outro livro “sagrado” não são confiáveis para ditar normas humanas. Eles são num testemunho de histórias contadas há séculos, com valores e personagens daquela época, e que cumpriam funções políticas adaptadas à sua época também.

Quando esprememos a Bíblia e retiramos o sumo doutrinário mais essencial aparecem apenas frases como “amai-vos uns aos outros“, “seja teu falar sim-sim, não-não“, “o amor cobre a multidão de pecado” que, de forma variada, todas as outras religiões dizem no seu intento civilizatório de otimizar o esforço de progresso das sociedades humanas através da fraternidade. Portanto, não é necessário submeter-se a senhores, “intermediários de Deus”, para assumir uma atitude fraterna. Eu, pessoalmente, não procuro ser fraterno ou justo porque Jesus ou Buda me pediram ou exigiram, mas somente porque acho justas e corretas tais ações. Um Deus que criou o universo não poderia ter defeitos piores que os meus, como ódio, vaidade, rancor e raiva, mas a Bíblia é recheada de chiliques divinos, típicos de um menino manhoso e mimado, sujeito a ódios e vinganças. Certamente que a Bíblia – e menos ainda o Corão – não me oferece uma imagem adequada de criador.

Contínuo a crer que as religiões atrasam o mundo, e suas crenças mais separam do que unem os homens. A fraternidade não precisa de palavras mágicas ou gurus; ela se expressa como um roteiro natural de progresso humano, superior a qualquer outra forma de relação entre as criaturas. Esta é sua força essencial, e não as palavras de qualquer Avatar.

Eu respeito este tipo de visão de mundo, mas tenho muita dificuldade de entender. Uma coisa que me deixa atônito é os adesivos em automóveis onde pode-se ler: “Propriedade de Jesus“. Como alguém pode se sentir feliz ou orgulhoso por ser propriedade de outro, mesmo que seja um outro supostamente maravilhoso? Eu pergunto: se o seu filho fosse adulto e dissesse “sou propriedade do meu pai” você se sentiria satisfeito, orgulhoso da criação que proporcionou a ele? Você se consideraria um bom pai por ter mantido um filho atrelado a você, dependente de você, idolatrando você, sacrificando-se para agradar as suas vaidades e caprichos? Que tipo de pai acha bonito um filho subir uma escadaria destruindo os joelhos para honrar seu nome? Que tipo de pai acha bonito um filho se humilhar diante de todos confessando sua fragilidade e dependência? Pois eu não consigo entender que o “criador de todas as galáxias e mundos conhecidos” seja mais tolo, vaidoso e egoísta do que o mais mundano dos mortais.

Um Deus poderoso o suficiente para construir o Universo teria que ser pelo menos melhor do que eu. E eu não trataria um filho com tanta displicência como Deus – todo poderoso – trata seus filhos.

1 comentário

Arquivado em Religião

Crenças e Descrenças

Bertrand Russell, 1951

Eu sou um crente da descrença. Mas tenho profundo respeito por tudo que porventura exista fora desse pequeno aquário a que chamamos de “realidade palpável”. Assumir sua própria ignorância e respeitá-la nos ajuda a colocar freios na insistente onipotência. Mas, não enxergo nenhum raio de luz nenhuma aura, nenhum Espírito me sussurra. Talvez minha cegueira tenha alguma função, mesmo que eu não entenda. Quiçá seja apenas manter-me atento ao mundo deste lado.

Ter ou não ter “chip para acreditar” não é uma escolha racional, e sequer é uma “escolha”. É como orientação sexual. Não adianta virem me explicar as belezas masculinas; sou um heterossexual incurável. Quanto às crenças digo o mesmo que pensava Bertrand Russell: a ciência mostra o que pode ser visto, mas não é capaz de negar o invisível. Como ele mesmo diz: “A ciência nos diz o que podemos saber, mas o que podemos saber é pouco, e se esquecermos o quanto nós não podemos saber acabamos por nos tornar insensíveis a muitas coisas de grande importância.” (A História da Filosofia Ocidental).

Creio no sentido último do Universo, um princípio geral e impreciso, mas que acalma minhas angústias existenciais. Qualquer coisa abaixo disso não faz muito sentido para mim. Sei que minha crença em um princípio unificador é apenas isso: algo que – estimulado por Pascal – “prefiro acreditar”, mas não acho justo ser acusado de místico, pois essa crença está aquém de qualquer análise da razão. Creio porque assim minha vida e meus sofrimentos parecem ter sentido.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Construindo a Maternidade

Menino Sorrindo

A maternidade é uma construção muito mais complexa do que aquela ditada pela biologia. Somos constituídos por um núcleo de medos, fantasias e crenças, cobertos por uma fina camada de intelecto, que nos faz pensar que estamos livres dos perigos ao nos oferecer uma ilusão de controle. Por outro lado, a linguagem nos oferece uma especial posição na criação: somos muito mais do que uma mera carcaça de ossos e tendões recoberta por uma tênue camada de pele.

No que diz respeito ao nascimento, uma criança pode ter sido adotada, nunca ter conhecido seus pais biológicos, até mesmo abandonada sem jamais ter recebido a carga de hormônios adaptativos relacionados com o vínculo, e mesmo assim ser amada, saudável e crescer com felicidade. Exemplos como este são fáceis de encontrar na cultura. Ao mesmo tempo, o presídio está cheio de adultos que nasceram de parto normal, assim como os manicômios estão lotados de mulheres que pariram naturalmente. Não existem linhas retas a nos guiar a trajetória. Se é lícito acreditar nas inúmeras evidências que demonstram a superioridade do parto fisiológico sobre qualquer alternativa cirúrgica, tanto para a mãe quanto para o bebê – e de uma forma abrangente (física, emocional, espiritual, social) – também é verdade que um parto conduzido sob estas diretrizes não é garantia de uma infância feliz ou livre de problemas. A sinuosidade da vida é o que faz dela um caminho a ser percorrido todos os dias, e sem garantias.

Da mesma forma, um nascimento com mais riscos (de toda ordem) ocorrido de forma operatória, pode produzir uma criança feliz e uma mulher plenamente realizada com sua maternidade. Basta para isso reverter as dificuldades que se apresentaram na “porta de entrada”. Se é verdade que reconhecemos a inexistência de determinismo no parto e nascimento, também é certo que valorizamos as evidências comprovando que os riscos diminuem quando adotamos uma conduta respeitosa com a natureza íntima que estrutura o nascimento humano. Se não temos nenhuma garantia como os partos mais dignos, temos a certeza de que esta escolha é a que mais facilmente leva o sujeito a receber a nutrição de afeto que será seu combustível para o resta da existência.

Deixe um comentário

Arquivado em Ativismo, Parto