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Paixões

Vi hoje o post de um sujeito exaltando sua “alegria por não saber nada do que acontecia no contexto do futebol mundial“. Ponderei que sem a paixão não há dor e nem alegria. Sem elas não há gozo, ou como diria minha mãe “joie de vivre“. Não digo que só é possível haver prazer na vida através do futebol, apenas que, para este sujeito, esta porta se encontra fechada; o futebol não será uma via para alcançar as dores e prazeres das grandes vitórias e das dolorosas derrotas. Ou seja, não haverá como viver seus dramas através do teatro deste jogo.

Para mim, que gosto e vivo o futebol, seria o mesmo que, diante da morte abrupta de Gal Costa, e a comoção que se criou a partir do seu anúncio, alguém afirmar “Quanta alegria não saber quem foi esta artista”. Bem, admito que não sofreria a dor que agora nos atinge, mas também teria de renunciar a sua arte e tudo de bom e transcendente que dela brota.

Prefiro a sabedoria do para-choque: “Melhor amar e perder do que jamais sentir o gosto do amor”. Ou melhor ainda, como diria Paul Simon, I am a rock, and a rock feels no pain, and an island never cries. Se quiser abolir a dor terá que, inexoravelmente, desistir do prazer.

Após explicar minha escolha pelo pagamento do pacote completo da vida, com suas dores e sabores, ele achou por bem me bloquear. Bem…. ainda assim prefiro a dor do bloqueio do que a paz de não defender as paixões. 

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Emoções estupefacientes

É muito comum ver as análises morais dos jogadores e técnicos serem feitas à posteriori, ou seja, adaptamos os valores morais dos personagens aos fatos depois que estes ocorreram. A vitória ou a derrota nos fazem enxergar a moralidade dos nossos representantes de forma diversa ou mesmo antagônica. Todos se arvoram à condição de “experts” em comportamento humano, e até uma monja – com qualificações desconhecidas no futebol – faz críticas mordazes e severas ao técnico da seleção.

Por isso, somente depois do fracasso, conseguimos observar o quanto Tite é insensível assim como só agora vemos como é absurdo o salário astronômico que nossa neurose paga aos jogadores. Só agora acordamos para a covardia dos nossos diante das decisões em campo. Tudo isso teria sido esquecido bastando para isso acertar dois pênaltis.

Ao mesmo tempo nosso espírito macunaímico descobre em menos de 24 horas declarações impressionantes de humildade que partem de gente como Messi e outros jogadores vencedores, muitas delas criadas pela equipe de relações públicas que os assessoram. Mostramos gestos do craque argentino e os interpretamos como sinais de enfrentamento ao imperialismo, mesmo quando chegam de um craque que vive às custas do dinheiro europeu há 20 anos. Além disso, passamos pano para o deboche que os hermanos submeteram os holandeses após o jogo. “Ahhh, é do jogo…”

Como eu disse, é compreensível é até lícito tentar colocar as derrotas em linhas lógicas de causalidade; achar causas para fatos é um efeito inescapável do crescimento encefálico, do qual não podemos nos livrar. Porém, deixar-se levar pelas emoções depressivas é ficar refém da paixão, a qual não nos permite enxergar uma rota segura de vitórias no futuro. Acreditar que perdemos porque Neymar e os demais jogadores são ricos, e o Marrocos chegou às quartas porque seus jogadores são pobres e patriotas é se perder na superficialidade dos fatos. E as demais explicações (Messi é humilde, Argentina tem raça, Messi é vencedor, Marrocos tem liderança, França só tem sorte, Inglaterra sendo Inglaterra, Croatas tem amor ao seu país, etc.) também são carregadas de emocionalidade e lhes falta conexão com a realidade.

Não cobro racionalidade ao tratar de uma elegia à irracionalidade como é o futebol. Da mesma forma não peço aos amantes que usem a razão quando o fogo das paixões lhes consome os sentidos. Peço apenas calma, em ambas as situações. Muitas tragédias acontecem quando deixamos de lado a maior conquista da nossa trajetória humana: esta fina camada de matéria cinzenta que envolve nosso cérebro e nos confere a razão.

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Fracassos

Há fracassos que são oportunidades maravilhosas de crescimento. Em verdade, é a partir da enorme derrota narcísica do Édipo que é possível ascender à sexualidade madura. Fracassos são, portanto, constitutivos do sujeito. Não há grandes vitórias na vida que não sejam precedidas de rotundas perdas. Olhar para elas de forma negativa é não entender a pedagogia das falhas.

Judith O’Neal, “Time to Measure”, Ed. Parcoulis, pag 135

Judith O´Neal é uma escritora Irlandesa transexual, nascida na pequena cidade de Carrag Na Greine próxima de Galway com o nome de Martin O´Neal. Estudou literatura na Universidade de Galway e desde muito cedo se dedicou à ficção, mas foi na idade adulta que se interessou pelos temas do feminismo, ao mesmo tempo em que tomava a decisão de trocar sua identidade social para Judith (uma homenagem à sua falecida avó Judith, que sempre a apoiou em sua transição). Seus livros falam de dramas cosmopolitas, mulheres solitárias e sofridas, tragédias familiares, capitalismo e desterro. É casada com a artista plástica Sophia Marchette e ambas tem um filho chamado Leonard.

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