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Imprensa e Guerra

Se é possível defender cinicamente a morte de crianças, velhos e mulheres e o bombardeio indiscriminado de zonas residenciais, de hospitais, de ambulâncias e de campos de refugiados, então é possível aceitar qualquer coisa em nome das ideias fascistas e supremacistas que comandam Israel. Se a imprensa contemporânea consegue justificar este tipo de barbárie fica fácil compreender como foi possível, há menos de 100 anos, encher vagões de trem com judeus, ciganos e comunistas e colocar em prática a “solução final” . Quando vejo jornalistas levando adiante a tese de que os “terroristas” (leia-se, a Resistência à ocupação bárbara, cruel e desumana) se escondem nos hospitais e, por isso, torna-se justo bombardeá-los, matando pacientes que lá procuram ajuda e funcionários que heroicamente se dedicam a ajudá-los, um pouco da minha fé na verdade se apaga.

Quando dizem que um telefonema com poucos minutos de antecedência por parte das autoridades militares israelenses avisando que um bairro inteiro virá abaixo é prova de “respeito à população civil”, isso me faz acreditar que a imprensa burguesa não tem pudor algum em contar qualquer mentira, torturando os fatos até que as ações mais desumanas e covardes pareçam justas. Quando o próprio governo sionista divulga mentiras como “corpos carbonizados” falsos, bebês decapitados inexistentes, estupros de mentira, fica claro que deixaram a verdade de lado há muito tempo, mas isso não significa que a imprensa deveria seguir suas falsidades. Mas como sempre, a imprensa vendida – verdadeiro lixo corporativo servindo aos interesses do imperialismo – não vai se desculpar e sequer se retratar pela torrente de imposturas que despejaram nas últimas semanas.

A verdade que resta de mais esse fiasco é de que as grandes corporações jornalísticas são a verdadeira e mais perigosa fonte de fake news. Torna-se impossível acreditar em qualquer relatório, qualquer acusação e todo tipo de comunicado; tudo que emerge das grandes empresas jornalísticas é falso, descontextualizado, inverídico, distorcido e não pode ser aceito como verdadeiro. Os crimes de Israel são tornados públicos apenas pela franja mais ética do jornalismo independente; já a imprensa corporativa – ou seja, aquela onde a notícia pode ser comprada – morreu.

Sim, nas guerras – e esta é a guerra do imperialismo contra o mundo inteiro – a primeira vítima é a verdade. Todavia, sabemos que estamos submetidos a um embate de narrativas conflitantes, onde de um lado temos um povo esmagado pela opressão que já soma mais de 7 décadas, e do outro uma potência nuclear, comandada por fascistas, levando a cabo um plano de genocídio e limpeza étnica de proporções ainda não vistas neste século e aliado a uma gigantesca máquina de informação e imprensa , a qual tenta nos convencer que o massacre de crianças, a destruição de um país, a expulsão de milhões de habitantes dos seus lares é algo justo, ético e certo. Para os sionistas a única saída permitida aos palestinos é desistir ou morrer, mas sabemos que este povo não vai desistir. A resistência popular no mundo inteiro está aumentando e, apesar dos grandes conglomerados imperialistas de comunicação, a guerra da opinião pública está sendo vencida pelos palestinos.

Fosse há 80 anos e esta mesma imprensa burguesa estaria defendendo as câmaras de gás; fosse há dois mil anos e estaria achando correta a crucificação de alguém por suas ideias de liberdade. Alguns de nós estariam aplaudindo a barbárie e a injustiça; muitos estariam convenientemente lavando as mãos. Entretanto, tão logo as contradições ficassem evidentes, outros entenderiam que a luta pela libertação de um povo demanda luta, resiliência e coragem. Esses, em qualquer momento da história, são os imprescindíveis.

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Arquivado em Causa Operária, Palestina

A Banalidade do Mal

Uma jovem pesquisadora da Índia resolveu publicar um estudo sobre uma das maiores feridas da sociedade de seu país: o estupro. Para tanto entrevistou 100 estupradores condenados e chegou a uma conclusão importante: “São homens comuns, não monstros”.

Hanna Arend disse exatamente o mesmo; ao meu ver absurdo seria dizer o contrário. Qualquer viagem ao inferno humano nos leva a encarar o espelho. “O que é humano não me é estranho”, nos ensinava Terêncio, uma das lições mais difíceis de aceitar, por atingir frontalmente nossa arrogância essencial Desumanizar o estuprador evita que sejam entendidos, acolhidos, tratados e julgados como humanos movidos por desejos humanos. Demonizar estupradores e pedófilos impede que compreendamos o caldo cultural de onde brotam, e assim perdemos a possibilidade de prevenir sua aparição.

Hanna Arend também chocou ao falar da banalização do mal e encontrar seres humanos normais entre os nazistas que cometeram as maiores atrocidades durante a guerra. Eichman, seu personagem principal, era um burocrata comum, mediano, que passaria despercebido por quem o encontrasse na rua.

Uma das cenas no filme sobre Hanna Arend descreve a cena de fúria e indignação dos seus amigos judeus (Hanna também era) quando ela lhes evocava o conceito de “banalidade do mal” e sua surpresa ao ver diante de si, no julgamento de Eichman, homens comuns cumprindo ordens quando esperava ver aberrações de perversidade explícita nos algozes sendo julgados.

Os textos – da jovem hindu e de Hanna – mostram que essas pessoas são tão humanas quanto qualquer um de nós. Isso é ao mesmo tempo aterrador e revelador. Não há nada de monstruoso (no sentido de inumano) nestes atos; tudo de ruim que fazem estes homens existe dentro de cada um de nós como uma semente que os contextos e as circunstâncias se encarregam de nutrir e regar.

São apenas homens, meninos com medo“, disse o padre Heitor para Amélia.

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Arquivado em Pensamentos

Momento Transformador

A civilização poderá usar esse momento triste e chocante como elemento transformador. Eu prefiro acreditar que a indignação gerada pela morte brutal e inaceitável de uma menina em Nova Delhi, na Índia, venha a se transformar no estopim de uma “revolução para o bem”. Para tanto, me parece importante deixar de lado os sentimentos de ódio e vingança, olhar para frente e tentar propor soluções em todos os níveis (educacional, jurídico, político, social, policial, etc.) para que ocorra uma verdadeira e profunda a mudança nos valores daquele povo. O linchamento dos criminosos pode até satisfazer algumas almas que se deliciam com o sentimento de revanche, aquelas que ainda acreditam na lei de Talião. Entretanto, o “olho-por-olho” não é capaz de construir a sociedade que desejamos. Mesmo que não pareça aceitável negligenciar a necessidade de uma justiça dura, severa e exemplar para este caso, por outro lado nossos olhos precisam se voltar para o amanhã, exatamente porque o caso dessa menina é apenas emblemático, e está longe de ser um “fato isolado”. Mais de 600 estupros já haviam sido denunciados naquela cidade só em 2012.

A morte desta estudante foi apenas mais uma na estatística de violências hediondas produzidas por uma sociedade anestesiada pela impunidade, e que acabou por banalizar tais crimes. Executar meia dúzia de perversos não será a cura para esta doença, a enfermidade do desrespeito com a mulher. Precisamos muito mais do que a simples vingança; é necessário entender as raízes da violência, do machismo, da impunidade e dos abusos de ordem sexual para poder combate-los e prevenir a ocorrência de novas tragédias como a que testemunhamos. Somente com um postura civilizatória e fraterna poderemos fazer desse triste episódio uma lição duradoura para a humanidade.

Sabem qual a sensação que me dá quando eu leio na internet as declarações anônimas de pessoas pedindo os mais diversificados e sofisticados tipos de linchamento contra os assassinos da menina de Nova Delhi? Eu fico com a sensação de que realmente Terêncio tinha razão: “O que é humano não me é estranho”. O sentimento de vingança e justiciamento cego que algumas pessoas colocam na Internet é tão feroz e insano quanto o próprio crime que testemunhamos. É claro, dirão; são apenas “desafogos”, desabafos indignados e não há a “passagem para o ato”. Entretanto, o que nos distancia dessa passagem? É possível que, ao avaliarmos a vida, a infância, as circunstâncias e o contexto desses criminosos poderemos perceber que o ato brutal e inaceitável que cometeram nada mais é do que um elo na cadeia de ações aviltantes de suas vidas. Poderemos perceber que o crime que cometeram é tão somente uma “vingança”, cometida contra uma vítima inocente. Entretanto a “vingança” está atrelada a um passado em que eles próprios também foram vitimizados por uma sociedade cruel e nefasta.

O crime cometido por eles não está tão distante como pensamos de nossa própria realidade. Talvez fôssemos nós a cometê-lo, se nos tivessem oferecido o contexto e as circunstâncias que a eles foram ofertados. Longe de desmerecer a necessária dureza nas sentenças, creio que uma humanidade mais justa precisa olhar para casos assim com uma compreensão que se afasta dos sentimentos mais rasteiros, olhando para o futuro e tentando prevenir outras ocorrências trágicas como essa.

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