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Intocáveis

Eu vi sem surpresa as imagens da carreata fracassada e melancólica protagonizada por Deltan Dalanhol em Curitiba após ser defenestrado do seu mandato de deputado. Vi também a minguada manifestação que contou com ícones do direitismo fascistoide brasileiro convocada para a mesma cidade. Ao ver as cenas constrangedoras eu pensei que esta é a imagem mais completa e definitiva da debacle da Lava Jato. Quem imaginou que haveria milhares de pessoas nas ruas apoiando o líder, outrora poderoso, da Lava Jato também sucumbiu à ilusão que durante anos foi estimulada pela mídia sobre os promotores “intocáveis” do Ministério Público de Curitiba.

Eu tenho uma perspectiva bem pessoal sobre o fato. Quando vejo Deltan indignado, gritando para ninguém em cima daquele carro de som, eu lembro da pergunta que ele fez ao público do Jô Soares quando convidado ao seu programa, ainda no auge da popularidade da operação. Disse ele, dirigindo-se à plateia: “Quem acredita que a Lava Jato vai mudar o Brasil?”. Quase ninguém levantou o braço, assim como quase ninguém estava na rua a lhe dar suporte depois de sua queda. Deltan é vítima de uma ilusão sobre si mesmo, sobre seu poder e também sobre a transcendência de sua “missão”.

Deltan foi vitimado por um ego inflado que fugiu do controle. Ele se acreditava um mensageiro de Deus, um “messias”, um templário da Ordem de Cristo para combater os monstros da corrupção. Para isso – uma tarefa inquestionavelmente nobre – não seria errado atropelar as regras, descumprir as leis, burlar as normas, fazer acertos espúrios com nações estrangeiras, aceitar bilhões para a criação de um “instituto” de combate à corrupção e atacar inimigos políticos com as armas da lei e o poder que lhes foi delegado – leia-se lawfare. Vejo esse personagem recente do drama polìtico do Brasil como alguém que se acreditava um “intocável” – uma referência ao filme de Brian de Palma de 1987 sobre os promotores que prenderam Al Capone em Chicago. A diferença é que o alvo dos ataques dos intocáveis tupiniquins era o maior estadista do mundo contemporâneo, e os crimes a ele imputados eram criações fraudulentas com motivação política. Não sobrou pedra sobre pedra do PowerPoint mais infame da história recente do Brasil

Não vejo Deltan como um bandido, apesar de acreditar que cometeu vários crimes. Vejo-o principalmente como um fanático, alguém cuja visão em túnel lhe retirou a perspectiva do compromisso com as leis. Entendo-o guiado por uma crença cega em sua Verdade, certo de estar lutando pela limpeza de nossa sociedade das impurezas da corrupção. Desta forma, a imagem que mais me parece adequada para entender sua trajetória é de um Torquemada, um sujeito cuja fixação nos dogmas e no combate ao pecado o levou às maiores crueldades e atrocidades contra seus semelhantes. Assim, quanto mais pretendia lutar contra o Mal e o Erro mais se aproximava deles, da mesma forma que o sujeito puritano se sente atraído e magnetizado pelas obscenidades que acredita combater.

Não tenho nenhuma alegria em ver a destruição pública de ninguém, incluindo esse rapaz de bochechas rosadas. Meu sentimento foi de genuína tristeza ao ver no que se transformou alguém outrora tão poderoso – e, vejam, seu calvário ainda está apenas no início. Por outro lado, jamais haverá uma verdadeira depuração do mal causado pela operação Lava Jato sem que esses promotores e o juiz que estiveram à sua frente sejam devidamente punidos. Também acredito que sem colocar a corrupção da imprensa Corporativa como partícipe ativa nessa fraude não haverá real progresso civilizatório. Por mais triste que seja esta queda não há como seguir em frente sem corrigir o erro e a destruição que estes indivíduos causaram ao país e a tantas pessoas por eles indevidamente atacadas.

Que esta tragédia brasileira sirva de lição a todos nós.

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Adeus Eugênio Soares

É curioso que quase todo mundo lamenta a perda do Jô Soares e fala das suas entrevistas, mas na minha cabeça eu lembro de forma muito viva da Família Trapo (um brincadeira com a família Von Trapp, da Noviça Rebelde) na antiga TV Record (antes de ser um antro de pilantras como agora), com Ronald Golias; Renata Fronzi; Otello Zeloni; Ricardo Corte Real; a (agora) vereadora Cidinha Campos, Ronald Golias (Carlo Bronco Dinossauro) e o gordinho desengonçado Jô Soares. (vide abaixo)

Também recordo vivamente dos seus múltiplos personagens, os quais apresentava em seus programas de humor, como Planeta dos Homens, Satiricom, Faça Humor não faça Guerra, Viva o Gordo etc, maravilhosos, cada um deles uma aula de psicologia, comportamento, política e sociologia. E tudo isso durante a ditadura, onde o talento tinha que ser contido e cuidadoso, basta lembrar o nome do seu show de stand-up: “Viva o Gordo e Abaixo o Regime!!”.

Queria ressaltar apenas os meus personagens prediletos: Capitão Gay (identiraries hoje cancelariam), Múcio, Gardelón, Alvarenga, Bô Francineide, Padre Cosme, Padre Carmelo, Zé da Galera e tantos outros. Penso naquele humor da ditadura e percebo que era muito mais livre – e engraçado – do que este controlado pela geração woke.

A única mácula foi o programa reacionário com a nata do jornalismo golpista da Globo chamado de “As Meninas do Jô”, de triste memória, mostrando que o atraso e o fascismo estavam entranhados há muito tempo na emissora onde trabalhava.

Os meus heróis do humor da juventude já se foram: Golias, Chico Anysio e Jô Soares. Sobra a esperança de que eu possa desfrutar do talento deles depois que eu me for também.

A pergunta que me fizeram hoje foi: Jô ou Chico Anysio? Minha resposta foi que Chico era superior como humorista e ator, enquanto Jô foi o melhor enquanto artista e personalidade pública. Mas… vamos combinar que estas comparações acabam desmerecendo sem necessidade. Ambos são, para, mim as melhores lembranças de humor da minha infância. A dobradinha Jô Soares-Max Nunes está no mesmo nível de Chico Anysio-Arnaud Rodrigues. Aliás, acho que está acima. O humor de personagens no Brasil teve nessas duplas o seu ápice.

Lembrei uma característica engraçada do meu pai. Ele era um sujeito sério e intelectual, reservado e sofisticado; um verdadeiro lorde inglês. Um domingo cheguei para almoçar e escutei gargalhadas vindo de um quarto da casa dele. Quando cheguei na sala de TV o vi se dobrando de rir com uma piada dos Trapalhões. Imediatamente o “repreendi” confessando minha surpresa por vê-lo dar risadas das trapalhadas circenses de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Ele deu de ombros e continuou rindo…

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PS: a respeito do Chico Anysio, eu lembro da manifestação do meu pai quando estreou o programa “Chico City”, onde ele circulava com enorme talento entre inúmeros e diversificados personagens. Ele me confessou, muitos anos depois, que não percebeu que era o Chico em todas aquelas figuras e só descobriu porque foi avisado no dia seguinte pelos colegas de trabalho. (veja aqui outro texto que escrevi sobre Chico Anysio)

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Governo do PT?

Na entrevista do Jo Soares com Luciana Genro na última disputa presidencial este perguntou-lhes como faria para governar sem parlamento caso fosse eleita. Sua resposta mostrou como sua candidatura era muito mais uma fantasia e uma propaganda do partido (o que acho válido e importante) do que um real projeto de poder. Disse ela:

– Não importa; eu governarei com o povo.

Temos que lembrar que ainda está viva na nossa memória o impeachment (forçado, ao meu ver) do “caçador de marajás”, o Collor. Seu problema foi EXATAMENTE esse: imaginar que poderia governar sem um parlamento. Nunca esquecerei dos votos austeros dos parlamentares que faziam parte dos “anões do orçamento” – bandidos que assaltavam o orçamento da nação – a favor do impeachment e contra a “roubalheira”. A história se repetiu como farsa, e nos dois casos o presidente acabou como refém de parlamentares fisiológicos e canalhas, como estes que protagonizaram o espetáculo bufão da votação na câmara.

Ainda não aprendemos que, por pior que seja o presidente, é melhor para a nação mantê-lo e reforçar a democracia e respeitabilidade do país do que mantermos esta postura de republiqueta de bananas que nunca sustenta o voto dos seus cidadãos. Levaremos mais uma geração inteira para recuperar a imagem do Brasil no exterior e para mostrar a nós mesmo que democracia é um valor e não apenas uma conveniência.

Essa tese, da pureza doutrinária, eu me lembro muito bem nos primórdios do PT, e ela foi derrotada no processo de amadurecimento do partido. Sabia-se que, a continuar com o maniqueísmo que ainda contamina uma parte considerável da esquerda, o partido jamais teria a possibilidade de chegar ao poder. Na verdade, esta é a arte da política: engolir ou beijar “sapos barbudos”.

O problema é que as críticas feitas aos governos Lula e Dilma foram em muitos aspectos injustas porque seus críticos – em especial aqueles da esquerda – não quiseram entender que para governar é necessário que haja um parlamento capaz de oferecer as condições para a aprovação de leis. No parlamentarismo isso é automático: o primeiro ministro é o RESULTADO de um parlamento favorável. No Brasil o presidencialismo não permite isso, e os governos do PT sempre foram grandes composições de um partido à esquerda com seus parceiros fisiológicos, entre eles o PMDB. Assim, o PT nunca governou pelas suas vontades e planos, mas para garantir uma maioria suficiente com elementos até da direita em nome da governabilidade. Eu compartilho com o assombro de tantos quando dizem que o PT fez uma grande revolução social sem possuir uma maioria garantida.

Esse mesmo tipo de problema existe nas críticas à Obama, sem levar em consideração uma casa parlamentar fortemente republicana que sempre foi muito contrária aos seus projetos, em especial o Obamacare. Por outro lado, essa crítica NÃO SERVE ao alcaide golpista e traidor que ocupa a presidência com 88% de apoio dos parlamentares, num golpe jurídico-midiático que atravessará a história como uma das grandes vergonhas desta nação.

O PT nunca governou por suas ideias e projetos: governou no limite do que podia suportar a tênue aliança com partidos, a maioria deles sem ideologia e sem projetos, mas que sempre sobreviveram como rêmoras no entorno dos tubarões. Sim, o PT fez uma grande revolução social sem ter uma maioria garantida.

O preço da governabilidade era esse. Quisesse governar por suas próprias ideias, sem fazer concessões e conchavos, e ainda teríamos o PSDB governando o país para os interesses internacionais, não teríamos revolucionado o ensino e não teríamos oferecido aos pobres e miseráveis a dignidade que alcançaram com os governos do PT. Se os acertos espúrios precisam ser criticados e condenados, é também necessário entender que na encruzilhada da esquerda ela se colocava entre a pureza virginal do PCO e do PSTU e a possibilidade de, entrando no jogo sujo da política, construir mais do que palavras, e fazer do Brasil um país em que os menos favorecidos pudessem ter dignidade e orgulho de nascer aqui.”

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