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Paradigmas

Uma das coisas mais engraçadas do discurso político atual é quando a direita, e mesmo muitos bolsominions das redes sociais, dizem que os representantes públicos deveriam trabalhar gratuitamente, sem receber nada por sua representatividade. Além disso, reivindicam que não deveria haver imposto para os trabalhadores e comerciantes, que já são suficientemente taxados pelo consumo. Por fim, reclamam da falta de “capacidade” e de cultura (formal e acadêmica) de alguns políticos – em especial Lula – exigindo que os cargos políticos e jurídicos do país sejam conquistados através de concursos públicos e só possam ser exercidos por quem tem diploma; ou seja, por meritocracia.

É curioso quando percebemos que tais exigências já foram implantadas há muitos anos na…. Coreia do Norte. Em Cuba, igualmente, não há impostos sobre a renda e os representantes das assembleias populares não ganham nada para trabalhar pelo povo. Todo trabalho político é voluntário. O socialismo deu conta dessas reivindicações – além da paridade de direitos e oportunidades entre os gêneros – há décadas. Quanto à religião, fazem coro à manifestação de Michele Bolsonaro, que diz que “O Brasil é do Senhor Jesus”, vinculando a nação a uma única corrente religiosa, algo que deveria ter sido superado desde o fim do século XIX. Nosso estado é laico e plural, respeitando todas as crenças e credos. Nesse aspecto, os defensores da direita pretendem que nosso paradigma seja o… Afeganistão.

No fundo os conservadores temem uma sociedade mais justa, mais equilibrada, mais equânime e mais fraterna. Acreditam que as diferenças brutais que o capitalismo produz são “naturais” e representam as diferenças subjetivas de cada um. Mesmo reconhecendo algumas diferenças inatas, não é aceitável acreditar que elas surjam de determinações divinas, e não da perversidade da estrutura social, que segrega grandes porções da sociedade na disputa justa pelo sucesso. Para a imensa maioria, o destino já está determinado ao nascer.

É contra esse determinismo darwinista que a verdadeira esquerda se insurge, lutando – através do choque de classes – para a implantação de uma estrutura social realmente fraterna e justa.

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Espiritismo e Laicidade

Existe um conceito bastante equivocado sobre a ideia de laicidade no que diz respeito ao espiritismo. Parte da premissa que “qualquer corrente de pensamento que admite a existência de um mundo extrafísico seria religioso”, portanto, incompatível com a laicidade. O espiritismo seria por definição, e inexoravelmente, uma religião, por abordar o “mundo dos mortos”.

Trata-se, ao meu ver, de um equívoco. Segundo seu criador, o pedagogo francês Alan Kardec, o espiritismo não é e jamais deveria se transformar em uma religião. Talvez o místico e alquimista Isaac Newton tenha feito o mesmo pedido para que não transformassem a gravitação em uma seita mística; Galilei provavelmente também. É provável que Lev Tolstói e Maradona tenham solicitado, mas não foram respeitados em suas vontades.

Entretanto, o “espiritismo laico” – que se afasta da ideia de um espiritismo religioso – assevera que a doutrina espírita não trata de fenômenos “transcendentais”, não lida com o mundo místico e não se importa com o “sobrenatural” (o qual nega com veemência). Além disso, sua atenção se volta às leis naturais, como o são a lei da gravidade, da aceleração e da conservação de energia. Não se interessa por nada fora da física ou da biologia, mas propõe uma expansão de suas perspectivas para além do mensurável. Como Freud que exalta a razão, mas investiga o que se encontra para além (ou aquém?) dela.

Kardec seria apenas um filósofo que admite a sobrevivência da alma e a reencarnação, como fenômenos constituintes da vida e da evolução (outro conceito que é muito caro aos espíritas). Chamar isso de um pensamento religioso seria tão lícito quanto chamar o platonismo de religião, apenas porque Platão falava do “mundo das ideias”, ou mesmo Freud, por conceber o conceito de Eu, Id e Supereu, elementos que não se encontram no cérebro e não podem ser medidos ou pesados.

Kardec estaria mais próximo de Descartes, um pensador munido de uma grande dose de cultura e ceticismo e que investigou um fenômeno perceptível. Pretendeu aplicar um método aos fatos observáveis cotidianamente (como a mediunidade e o fenômeno das “mesas girantes”). Todavia, em verdade, nada disso tem a ver com religião, da mesma forma como o platonismo não prega condutas morais, preces, orações, rituais, símbolos, exaltação de personalidades, culto ao místico, etc. O espiritismo é tão somente um método de compreensão e investigação de fenômenos naturais que infelizmente foi transformado em uma seita cristã.

Tudo isso que enxergamos no espiritismo cotidiano é fruto do sincretismo dessas ideias de Kardec com o cristianismo brasileiro – basta observar a imensa diferença entre a manifestação daqui (onde fez sucesso) com a manifestação de onde surgiu, a França e a Europa, onde não possui apelo popular e circula em grupos pequenos e laicos.

Em suma, o movimento do espiritismo laico tem a ver com a libertação do ranço cristólatra dessa filosofia. O abandono da culpa e do moralismo cristão é essencial para desenvolver um pensamento livre e científico na abordagem da alma humana.

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