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Esportes e mulheres

“E você acompanha o boxe feminino para opinar?”

Ora, esse argumento é absurdo. Dizer que não se pode opinar sobre a condição da atleta Imane Khelif, foco da atenção mundial por sua aparência diferente do padrão das mulheres, apenas porque “não acompanha o boxe feminino” é algo ridículo e tolo. Caso fosse admitido na competição um homem que se identifica como mulher (uma mulher trans) no levantamento de peso eu me posicionaria contra, mesmo sem jamais ter visto sequer uma competição desse esporte, pois não se trata de debater boxe, mas de discutir o espaço das mulheres no esporte; qualquer um. E não se trata de atacar atletas ou pessoas trans, muito menos de combater a diversidade. Pelo contrário, o objetivo é defender as mulheres e possibilidade de conquistarem títulos concorrendo com pessoas com sua mesma condição de gênero.

A questão é simples: se ela é mulher e não usa drogas, pode competir nas competições femininas, inobstante sua condição hormonal. Ao que tudo indica, ela é mesmo uma mulher com condições fisiológicas raras (níveis altos de testosterona). Sei que existem controvérsias, mas a questão extrapola em mundo o “boxe” e se ocupa de responder uma questão elementar nos dias atuais: o que em verdade define uma mulher. Podemos analisar pela genitália, pelos órgãos reprodutores internos, pelos cromossomos, ou por uma mistura de todos esses marcadores biológicos de gênero. Desta forma, fica evidente a necessidade de definir o que é uma mulher, algo que há alguns poucos anos era fácil, mas agora se tornou complexo, entre outras questões pela onda woke no mundo – que só agora parece estar arrefecendo. A ideia de “identificar-se” com um gênero e impor essa percepção subjetiva (legítima) aos outros gerou estas confusões.

“A boxeadora argelina nasceu mulher, foi registrada como mulher, viveu sua vida como mulher, lutou boxe como mulher, tem um passaporte feminino”, disse o porta-voz do COI, Mark Adams, na sexta-feira.

O debate sobre os níveis de testosterona natural (hiperandrogenismo) é desnecessário. Sim, é uma vantagem sobre os outros concorrentes, mas tanto quanto ter mais de dois metros de altura em esportes como o basquete ou o vôlei. O mesmo também ocorre nos jogos de futebol em altitude, onde os jogadores que vivem nestes locais têm níveis de hemoglobina mais altos por causa do ar rarefeito. Por certo que é uma vantagem, mas é um efeito adaptativo natural, não exógeno ou artificial. Portanto, não se trata de questionar as vantagens que um lutador possui sobre os outros, mas a própria divisão das modalidades esportivas em gêneros, que foi criada para que as mulheres – em desvantagem física pelo dimorfismo sexual da nossa espécie – tivessem condições de vencer competições disputando provas apenas com outras mulheres.

Essa lutadora da Argélia, sendo mesmo uma mulher assim definida pelos órgãos esportivos, tem todo o direito de competir, mas não é necessário para isso que tenha perdido lutas para outras mulheres e muito menos é preciso acompanhar o boxe feminino para ter uma posição honesta e lúcida sobre esta questão.

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Esportes e Trans

No debate sobre a jogadora transgênero existem dois lados bem distintos: um que reconhece a jogadora como mulher baseando-se em duas premissas: auto-declaração e nível de testosterona. O outro lado afirma que biológica e fisicamente ela guarda aspectos fundamentais do gênero masculino que, no cenário específico do esporte – mas não na sua nova vida social como mulher – garantem a ela vantagens sobre as outras competidoras.

Existem bons argumentos para os dois lados, e eu vi todos eles sendo ditos por defensores de ambas as perspectivas. Apesar de reconhecer justiça nos argumentos lançados ainda me posiciono contra a liberação por achar que isso prejudica a competitividade das atletas cis.

Entretanto, esta não é uma posição definitiva ou inamovível, apenas uma espécie de zelo com relação à uma aparente banalização da transexualidade. Posso tranquilamente mudar minha posição se for nutrido de bons argumentos em contrário. Ultimamente tenho visto muitos debates que questionam as cirurgias e os tratamentos de designação sexual sem que haja uma avaliação mais profunda de questões psicológicas associadas e sem levar em consideração os riscos inerentes aos tratamentos. Hormônios em altas doses e cirurgias mutilatórias são realizadas em nome da “liberdade de escolha”, o que tem valor inequívoco, mas sem que a sociedade entenda bem o que estas intervenções sobre a fisiologia significam. A exemplo das cirurgias para emagrecimento, um novo filão para a medicina mas com inúmeros pontos obscuros sobre seus parefeitos, as mudanças de gênero precisam de uma discussão ampla que envolva os aspectos médicos, éticos, sociais e psicológicos.

Infelizmente para alguns grupos mais fanatizados o mero questionamento sobre o tema produz reações de fúria. Basta questionar se a teoria de gêneros usada na atualidade serviria (também) para o esporte de alta performance para que surjam de imediato reações de grosseria e ataques ad hominem.

Quem não admite o debate e não suporta perguntas inquietantes não passa de um sujeito dogmático e autoritário. Infelizmente pessoas com esse perfil estão tanto na direita quanto na esquerda. A ideia de ver suas ideias prevalecerem calando as ideias alheias ou atacando a honra de quem discorda é um ato medieval e característico de mentes aprisionadas no preconceito.

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Visitas Íntimas

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Existem maneiras de avaliar o nível espiritual de um lugar, desde uma cidade a um país. Costuma-se dizer que se pode medir pela capacidade de cuidar dos mais frágeis: as minorias, as mulheres, as crianças, os deficientes e os idosos. Nesta curta lista eu apenas acrescentaria os prisioneiros. Nenhuma sociedade pode-se dizer verdadeiramente civilizada e justa enquanto o sistema prisional for um “depósito de lixo humano”. Se não formos capazes de guardar uma porção, por pequena que seja, de nossa compaixão para os que erraram não poderemos nos considerar minimamente civilizados.

Escrevi isso porque é incrível o número de pessoas que se ofendem com as visitas íntimas dos prisioneiros. Acham que o exercício da sexualidade só deveria ser exercido pelas “pessoas de bem”, as que estão fora do cárcere. Bem, não vou falar minha opinião sobre o que eu considero como “pessoas de bem”, mas o fato de ser esse o nome do jornal da KKK já dá uma pista sobre a minha opinião. Entretanto, a questão destas visitas é humanitária e prática.

Quando você diminui a tensão sexual masculina a violência dentro das prisões cai dramaticamente. Os casos de estupro em presídio desabaram com a instituição das visitas de esposas e companheiras. Acima de tudo, um prisioneiro não pode ser tratado como um animal. A sexualidade privada leva a neurose. Freud estudou a histeria em sociedades onde as mulheres tinham COMO REGRA esta privação sexual, e o resultado era a somatização e a histeria. Se achamos indigno o cerceamento da liberdade sexual das mulheres, por que deveria ser diferente com prisioneiros? Some-se a isso uma cultura falocêntrica e o acúmulo de testosterona e temos um barril de pólvora nas penitenciárias. Sem sexo, desumanizados e privados da liberdade, por que razão não se comportariam como animais ferozes enjaulados?

Visita íntima devolve calma e tranquilidade ao ambiente terrível de uma penitenciária e, mais que isso, oferece um pouco de amor próprio e dignidade ao prisioneiro.

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Corpos mutantes

Sem querer ditar regras, mas me permitindo o assombro estético, quem criou a ideia de que pernas com musculatura hipertrofiada em mulheres é algo bonito? Por que uma anomalia produzida em laboratório e que não pode prescindir de drogas anabolizantes virou o padrão estético nas passistas do Carnaval? Por que as mulheres procuram tanto se aproximar da forma física clássica – muscular, dura, forte, intimidadora – masculina? Qual o sentido CULTURAL dessa masculinização estética? O que a forma dos corpos femininos tem a ver com a sociedade em que vivemos?

Homens produzem essas pernas fortes pelo trabalho árduo e pela testosterona anabolizante que produzem. Mulheres quase nunca produzem estas formas naturalmente. Uma perna assim numa mulher é puro artificialismo. Se me permite comparar, é como um homem com seios. A atividade muscular dos homens sempre foi muito mais intensa que a das mulheres. A questão hormonal também é relevante. Somos muito mais musculosos e testosterônicos que as mulheres e isso não é um valor cultural, mas biológico. Um homem musculoso é visto nas estátuas da Renascença, mas NUNCA houve mulheres hipertrofiadas na arte e estes corpos nunca foram admirados como agora. O que houve?

Me parece ser mais do que o poder de produzir  diversidade. É uma tendência das modelos e das mulheres em escolas de samba, mas trata-se de um modelo totalmente artificial – como os dos homens – mas tem um recado a dizer para a cultura. Essa é a pergunta, e não apenas uma questão de diversidade e poder de escolha. Quando as mulheres esmagam seus pés na China ou esticam seus pescoços na Ásia isso nos informa de um valor cultural, uma mensagem da cultura que nos leva aos valores mais profundos de uma sociedade. Não é um fato aleatório, mas uma constatação de dezenas de mulheres da TV que resolvem viver às custas de hormônios e alimentação artificial. Essa é a pergunta que faço à cultura: o que vocês querem dizem com isso?

Em tempo…. não me interessam as escolhas pessoais. Essas estão acima de qualquer debate. Entretanto, uma pessoas fazendo uma tatuagem escrita “Apocalipse” é uma escolha pessoal, mas se centenas de adolescentes resolvessem fazer o mesmo então podemos procurar por um valor (ou um temor) inscrito no campo simbólico e que nos atinge a todos. Da mesma forma não discuto o direito de uma mulher modificar seu corpo dessa forma, mas me questiono onde ela vai buscar esse padrão e porque ele influencia a tantos.

Mais uma vez: que isso tem a nos dizer?

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Abusos e assédios

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Há alguns dias rolou um vídeo (pode ser visto aqui) de uma jornalista e youtuber entrevistando o ator Vin Diesel, conhecido por filmes testosterônicos que misturam carros, mulheres, mortes, perseguições, etc. Em outras palavras, filmes de meninos. Neste vídeo ele tem um comportamento abusivo que chega a ser caracterizado como assédio. Alguns dias depois a jornalista vem a público denunciar o comportamento dele, mas, ato contínuo, aparecem falas dela se oferecendo para passar vaselina em outro machão lutador ou sentando no colo de outro ator. Com isso algumas pessoas teriam dito que caiu a “máscara de boa moça” da jornalista. Afinal…. como cobrar bom comportamento do Vin Diesel se ela é tão “liberal” com outros entrevistados?

Creio que o discurso machista ainda não percebeu o que está em jogo aqui e muitas pessoas continuam misturando as questões.

Existem DUAS ações que merecem ser analisadas separadamente. O fato de ela sentar no colo de um famoso (who?) e querer passar vaselina num lutador fortão (who?) podem ser julgadas por quem quiser. Se você quiser achar que é alegria e espontaneidade, este é um direito seu, assim como julgar que suas atitudes são vulgares e inapropriadas para uma mulher. Cada um com seus padrões morais e estéticos. Não me cabe julgar as lentes com as quais você olha o mundo. Vire-se com elas. Ponto.

Por outro lado, NADA da vida pregressa dessa moça pode AUTORIZAR o comportamento abusivo do “Mestre da Testosterona”. Ela pode muito bem dizer “sentei no colo do fulano porque gosto dele e não gosto de você” e este é um argumento absolutamente válido e justo, pois suas preferências e desejos não nos dizem respeito. Ela é dona do seu corpo e de suas escolhas. Ninguém pode cobrar ou exigir de uma mulher que ela se comporte de acordo com nossos padrões. Ponto.

E tem outra questão: se ela está usando esta situação para ficar famosa ou como um legítimo desabafo pelo constrangimento que passou eu não tenho como saber, mas isso TAMBÉM não pode servir como atenuante para a agressão que ela sofreu. Eu prefiro mesmo acreditar que ela está sendo sincera, e que sua súbita notoriedade é um efeito colateral, e não seu objetivo primeiro.

Não há porque vincular qualquer atitude dessa moça com o ato calhorda e abusivo cometido contra ela. Isso é o mesmo que justificar estupro por saia curta, decote, sensualidade ou porque ela “já saiu com muitos homens“.

Só ela pode  falar do seu desconforto com a situação. Respeitemos isso.

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