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Essa coisa chamada amor

É possível acordar quase tudo num compromisso afetivo, tipo um casamento. Posses, espaços, funções, finanças, herança e limites. Só não é possível determinar por contrato as diminutas frações desse consórcio relacionadas ao desejo. Não por coincidência, são as únicas realmente definitivas desde a criação do amor romântico.

O casamento, por outro lado, despojado dessas parcelas quase insignificantes, é uma instituição sólida, pétrea, que resistiu a milênios de ataques quase sem abalo. A única ameaça ao seu domínio veio desse elemento estranho, fissura aberrante da ordem cósmica, elemento irracional e violento que o consome, ao qual chamamos…. amor.

O amor romântico, por sua vez, é tão contraintuitivo que só pode ter sido uma invenção tardia. Pense bem: numa perspectiva evolutiva, em locais com alto nível de mortalidade por doenças e conflitos, num contexto de guerras, perdas, fome, etc. qual seria o sentido em se ligar afetivamente (de forma romântica) a alguém, sabendo que este amor poderia se esvair tão facilmente?

Um contrato bem alinhavado, feito com um desconhecido e com funções e tarefas bem circunscritas, funcionaria muito melhor.

Marguerite D’Alembert “Cette chose qu’on appele amour” (Essa coisa chamada amor), ed. Pintemps, pág 135

Marguerite D’Alembert, nome artístico da escritora e cineasta Marie Dufour, nasceu em Nantes em 1960 e passou toda a sua infância na Côte D’Azur, na cidade de Cannes, onde desde a mais tenra infância se tornou uma estudiosa e amante da sétima arte. Estudou cinema da Sorbonne e após sua graduação começou a acompanhar grandes diretores do cinema nacional francês. Foi assistente de cena de François Truffaut nas filmagens de “De repente, um domingo”, que foi o último filme dirigido por ele. A partir destes encontros iniciou uma exitosa carreira como diretora de comerciais, curta metragens e documentários. Começou a escrever crítica literária e de cinema no Le Figaro em 2005 e publicou seu primeiro livro de contos em 2007, com o título “Mariposas imortais”, título de um conto premiado sobre os dramas e as delícias de envelhecer. Em “Cette chose qu’on appele amour” ela fala sobre amor e relacionamentos, fracassos, perdas, amor na maturidade, solidão, desejo e saudade. É casado com o diretor Pierre Gosciny (“Oceano em Chamas”, “Cais”, “Poderia ser verdade”) desde 1987 e tem 3 filhos. Mora em Paris.

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Castidades

Sula Miranda, que já foi considerada durante muitos anos como a Rainha dos Caminhoneiros, declarou recentemente que não faz sexo há cerca de 14 anos. A cantora de 57 anos, irmã de Gretchen, é evangélica e adepta à ideia de se relacionar apenas se estiver comprometida em um casamento. “Eu quero compromisso e, hoje em dia, ninguém quer. As pessoas só querem ficar. Essa coisa de dorme na minha casa, depois durmo na sua… Estou fora! Para mim, tem que ser à moda antiga”, disse em uma entrevista recente

A história dela me faz lembrar a chacrete Rita Cadillac, que antes de aceitar a proposta de estrelar um filme adulto declarou que estava sem fazer sexo há muitos anos. Na época fiquei chocado ao perceber que a “deusa do sexo”, Rainha dos Detentos, era de uma castidade monástica.

Ou seja, a fama e a fortuna não são garantias de uma vida sexual ativa e feliz. Pelo menos não para muitas mulheres. Para quem acredita que o dinheiro é capaz de dar acesso a estas regalias parece que a realidade desmente nossa fantasia.

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Sexo e patriarcado

Ela deu, o cara “comeu”. Ela se entregou. O cara tá pegando. Ela deu mole. Ele ganhou a garota. Ela cedeu. Ela “perdeu” a virgindade. Ele faturou.

Dentro do patriarcado o sexo é sempre algo em que um toma do outro. Um mercado. Parte da ideia de que a mulher “dá” algo e não recebe nada em troca no sexo – só em valores secundários. Já o homem toma algo e nada oferece. Ele não “dá” e não é “possuído”.

Ainda imaginamos o sexo heterossexual como uma via de mão única, como se o desejo e o prazer femininos fossem inexistentes ou irrelevantes. Uma cultura verdadeiramente puritana e hipócrita que objetiva cercear a livre expressão da sexualidade e da cumplicidade de ambos. Por isso “vá se ph*der” continua sendo um xingamento, quando poderia ser tão somente um convite ao prazer, à alegria e ao contentamento para aqueles que queremos bem.

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Criatividade, filha do desejo

Se não há banqueta de parto, nem mesa adaptável para parto de cócoras, ainda há muitas posições diferentes que podem ser experimentadas. Marido segurando pelas axilas (posição de Odent), apoio na mesa, colo do marido, colo da doula, etc… Sempre tem como produzir soluções criativas

Se vocês me permitem uma comparação chula:

“Era uma vez uma dupla de jovens adolescentes, enamorados e cheios de hormônios que, durante um passeio por um local ermo, subitamente se viram a sós após entrarem em uma casa abandonada à beira da trilha. Depois de um silêncio, onde as respirações ofegantes de ambos ecoaram pela casa vazia, o jovem finalmente abre seu coração para a garota. “Nos últimos meses sonhei todos os dias com a possibilidade de fazermos amor, mas vejo com tristeza que o local onde pela primeira vez nos encontramos a sós não tem uma cama. É uma lástima, mas assim quis o destino. Vamos seguir viagem”

Se parto faz parte da vida sexual normal de uma mulher, as soluções criativas para os dilemas do parto devem se assemelhar àquelas que usamos para o sexo.

Ah, sim…. quando o rapaz estava saindo a moça jogou as mochilas de ambos no chão e usou como travesseiros. E o resto é história….

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Medicina e Sexo

Quando adolescente eu era fascinado por literatura de suspense e mistério. Herdei dos meus tios uma coleção de revistas chamadas “Ellery Queen’s Mistery Magazine”, onde eram publicados contos carregados de ação e tramas detetivescas. Eram histórias cativantes, contos curtos ao estilo dos filmes de Alfred Hitchcock. As histórias me faziam viajar pelas incríveis soluções encontradas pelos detetives para os casos complexos, e minha imaginação embarcava junto com eles para países distantes e exóticos.

De tantos contos lidos naquela época, uma história apenas eu guardo na memória. O resto são flashes desconexos feitos de lembranças, como pedaços soltos de um quebra-cabeças. Esta história me marcou por ser uma história que misturava sexo, mistério e horror.

A trama eu não me recordo em detalhes, mas apenas a cena principal. Uma bela jovem havia sido sequestrada por sujeitos estranhos, que mais tarde se revelaram seres de outro planeta, e levada para uma casa abandonada. Sozinha e nua , amarrada em uma cadeira em um quarto vazio, ela seria violada pelo alienígena chefe, como forma de produzir uma linhagem de seres geneticamente híbridos, “parte humanos, parte ETs”, que seriam o embrião de uma nova civilização cujo objetivo era a conquista do planeta. Todavia, a cena brutal do estupro foi descrita da forma mais estranha possível, e por isso mesmo produziu um choque que após 50 anos ainda não se desfez.

Despido de seu invólucro humano, o alienígena finalmente apareceu diante da moça como verdadeiramente era: um ser disforme, viscoso, esverdeado e com múltiplos tentáculos que faziam o papel das suas mãos. Como um polvo gigante abraçou o corpo da menina envolvendo-a num abraço vigoroso e sexual.

Entretanto, como os alienígenas estavam há tempo estudando nossa espécie, os tentáculos foram milimetricamente direcionados às partes mais sensíveis do corpo da mulher. Os pontos de prazer feminino eram massageados por cada uma das finas e delicadas pontas tentaculares do monstro. O “polvo espacial” nada dizia, não esboçava nenhuma reação, apenas operava mecanicamente, estimulando a sensibilidade da mulher, tornada uma máquina na qual o uso correto de pontos específicos a faria sucumbir ao prazer.

É evidente que isso foi conseguido com sucesso. Diante da manipulação cientificamente calculada, e levando em consideração o estudo aprofundado das terminações nervosas da garota, ela não apenas multiplicou orgasmos, como engravidou da besta interplanetária.

O fim do texto mostrava a própria jovem descrevendo a cena como uma “experiência fantástica“, e que “havia sido tocada como jamais uma mulher o foi“.

A base da história – aparte toda a trama desinteressante e clichê das invasões alienígenas – é de que a sexualidade feminina pode ser despertada e controlada pelo conhecimento científico, pela razão, pelo entendimento da anatomia, pela compreensão do papel dos hormônios e pela determinação exata da topografia do desejo.. A inscrição do gozo estaria no corpo, mediada pelos nervos e hormônios e controlada pelo cérebro.

Até hoje me espanto com a ideia de que a sexualidade pode ser encontrada na superfície. Sempre que vejo essa busca lembro da metáfora do poste de luz, do sujeito e de sua chave. Este, depois de perder suas chaves e procurar por mais de uma hora, encontra um amigo que se apresenta para ajudá-lo. Mais um tempo se passa até que o amigo, confuso, pergunta: “Você tem certeza que a perdeu aqui?”, ao que ele responde: “Eu não a perdi aqui. Eu a perdi lá em baixo na rua, mas lá está escuro demais para procurar.”

Assim o fazemos: como o simbólico é imponderável e invisível, apesar de presente e vibrante, preferimos procurar a fonte do desejo onde ele não está, mas onde é possível enxergar em volta.

Nunca conseguirei entender a razão dessa busca da sexualidade fora da alma humana, e o discurso médico sobre este tema continuará absolutamente incompreensível para mim

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A dor da diferença

Muitos heterossexuais julgam os homossexuais como sendo promíscuos, frágeis, egoístas (sexo sem prole) e incapazes de relacionamentos afetivos duradouros. Já muitos gays acham os heterossexuais covardes (já fui tratado assim), com vidas sexuais monótonas, chatos e sem graça. Conformistas e preconceituosos.

Tudo errado…

São todos preconceitos tolos. Nada existe na homossexualidade inerentemente promíscuo ou egoísta, e nada existe da heterossexualidade que leve o sujeito a ter uma sexualidade monótona. Em verdade, o fato é que as escolhas dos outros, quando divergem das nossas, são desafiadoras. Todavia, ao invés de aceitarmos como válidas as diferentes perspectivas que a vida oferece, nós as atacamos com a ilusão de diminuir nossa angústia por termos escolhido esse caminho – e não o outro.

Funciona como o ateu que se irrita com a fé alheia ou o ex fumante que não suporta ver alguém demonstrando publicamente tamanho prazer com o cigarro. Também aqueles que raivosamente publicam fotos de gente na praia durante a pandemia enquanto se refugiam nos seus apartamentos consumindo Doritos e Netflix. O prazer do outros nos causa angústia e dor.

O poliamor, por exemplo, agride meus sentimentos de exclusividade, mas quem disse que precisa ser assim? Talvez a posse dos corpos para os deleites do prazer seja obsoleto mesmo, e o futuro verá a monogamia com a mesma estranheza que hoje vemos o culto à virgindade ou o cinto de castidade.

De minha parte, melhor garantir o muito que tenho em uma só. Se já é difícil achar uma que suporte minha neurastenia, que dirá com muitas. Aliás, não conseguiria nem dormir, imaginando o complô para me exterminar.

(a partir de uma conversa com Deia Moessa Coelho)

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Partidos identitários

O que pensar disso? Um partido feminista? Ou seja, um partido de mulheres. O que pensar de um partido que se produz pela exclusão de um gênero? Mas se isso for realidade, por que não um partido só de negros ou gays, pelas mesmas razões? Que tal um só de judeus?

Isso me parece o identitarismo levado às últimas consequências, em uma sociedade de “cada um por si”, pelo seu grupo, cada vez mais isolados com propostas centradas em seus minúsculos segmentos.

Minúsculos mesmo, até porque dentro do “partido feminista” haverá uma ala gay. E também uma ala negra. E dentro dela uma ala negra-gay. E mais uma ala feminista trans. E todas vão se odiar e se combater porque é da natureza humana lutar por visibilidade e espaço. É o que vemos dentro do feminismo, mas também no movimento negro, no socialismo e no liberalismo. A fragmentação infinita leva ao grupo de si mesmo.

Se a luta feminista é válida e nobre ela também é uma luta de mulheres e para mulheres, e não necessariamente uma luta pela sociedade. Para isso existem propostas mais abrangentes que não nos separam em sexo, raça, cor de pele ou religião.

Um partido feminista seria, para mim, uma profunda aberração, tanto quanto o seria um partido negro ou gay.

No meu ver as mulheres deveriam tomar de assalto os partidos centrados em ideias e propostas para a sociedade INTEIRA, e não para um gênero. Também não por qualquer outra identidade. O fato da luta ser “nobre” não torna um partido em seu nome justo ou adequado.

Alias… o partido feminista seria de direita? Esquerda? Pró ecologia? Socialista? Mas… Como votaria uma feminista ferrenha de esquerda num partido feminista de orientação liberal? O que pesaria mais, sua filiação com o feminismo ou sua visão de sociedade? Como se insere este partido na questão da luta de classes?

Um partido feminista, no meu modesto ver, composto apenas por mulheres DE FORMA INSTITUCIONAL (e não como é hoje, onde as mulheres têm pleno acesso, e apenas são menos votadas por questões da cultura patriarcal) é um absurdo. Será nanico exatamente por enxergar a sociedade por um funil de gênero, tão inaceitável quanto um partido constituído apenas por imigrantes, aposentados, negros ou gays. Na minha opinião, é um desserviço ao próprio ideário feminista, que prega pela diversidade e pela inclusão. .

O fato de haver um problema sério e as lutas por equidade e justiça serem nobres e necessárias não impede que as propostas na defesa desses temas possa ser errada. Um partido construído com base na exclusão seria um fracasso. Entretanto, acho surpreendente que algumas pessoas se deixem seduzir por este tipo de identitarismo radical.

Sabe onde encontramos isso? Em Israel. Sabe onde ele se desenvolveu a partir de 1948? Na África do Sul. Na origem havia um sentimento nobre de proteger uma parcela oprimida (judeus na Europa e uma minoria branca da sociedade africaner), mas o que se criou foi monstruoso.

Sabem que na Rússia foi criado um partido dos bebedores de cerveja? Pergunto: o que isso significou de positivo para a política russa?

Um partido deve ser promotor de propostas para a sociedade como um todo e não para representar apenas um segmento dela, mesmo que majoritário!!!

Eu não vejo nenhum problema em que as mulheres criem movimentos, ONGs, frentes parlamentares, associações cívicas e o escambau. O que não posso aceitar é um PARTIDO cuja proposta seja EXCLUDENTE (olha o Paulo Freire aí de novo) e que governe apenas para a parcela a qual representa.

Alias… quem diz isso é Bolsonaro quando vocifera “As minorias devem se curvar às maiorias”. É Bolsonaro que diz governar apenas para quem votou nele. Um partido feminista é um partido para as MULHERES e não para a sociedade. Isso, no meu modesto ver, é inaceitável e agride as próprias bases do feminismo.

Como eu já disse, apesar de ser uma trajetória lenta, negros, mulheres e gays deveriam tomar de assalto os parlamentos através das agremiações políticas e por meio de propostas para a sociedade, e não apenas através de sua visão identitária.

“Ahhh, mas é demorado. Ahhh mas o mundo é machista”. É verdade, mas um partido como esse jamais acabaria com o machismo. Pelo contrário, produziria um efeito rebote contrário na sociedade.

A propósito… É claro que há espaço nos partidos para as mulheres!!! Por lei 30% dos candidatos precisam ser mulheres!!! Muitas são catadas à unha para preencher as vagas. O problema é a relutância das próprias mulheres em votar em mulher, mas isso não termina com decreto, e sim com educação, paciência, formação e combate sistemático ao modelo patriarcal excludente da sociedade.

Creio mesmo que os políticos fazem menos do que deviam, mas são votados por gente que não se importa muito com isso. As minorias deveriam se revoltar, mas não através de projetos anti democráticos ou excludentes. Aliás…. essa é a visão anti política de Bolsonaro. “Já que os políticos são uma porcaria vamos governar de forma autoritária e com militares”.

É isso que queremos?

Para exigir respeito não é necessário criar um partido excludente. Isso é absurdo. Além do mais é da ESSÊNCIA dos partidos DOMINAR a cena política para implementar suas ideias para toda a população – e não apenas uma parte dela, mesmo que majoritária.

A criação de um partido de mulheres, feminista e excludente é, para mim, um anátema e uma quimera. Não é a toa que foi rejeitado pelas democracias de todo o mundo. Um partido assim seria como o Nasionale

Não se acaba com a violência com mais violência e não se extermina a exclusão com mais exclusão. Paz e inclusão são as respostas, mesmo quando mais são reconhecidamente mais demoradas.

Os “homens cis” adorariam esse partido. Finalmente poderão dizer que seus medos tinham fundamento. Dirão, e com razão, que as mulheres ameaçam a democracia criando um partido que, se for vitorioso, governará apenas para uma parcela da população, marginalizando metade do país – que jamais poderá participar das decisões.

Pensem nisso…

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No meu tempo…

Não peguei a época dos “pau amigo” ou das “amizades coloridas”. Sou do tempo em que algumas instituições ainda se mantinham firmes, mesmo que já fosse perceptível sua insidiosa senescência. Namorar – para só assim poder transar – era uma instituição ainda viva. “Ficar” era manter-se estático em algum lugar. “Tu vais ficar aqui sem se mexer” dizia minha mãe. E para começar a namorar havia também os devidos rituais. Não havia coisas vagas como “a gente tem saído juntos”. Você era namorado(a) ou não, mas para namorar tinha que “pedir em namoro” e, acreditem, não era fácil. Logo depois da menina aceitar podia pegar na mão. Beijar levava algumas semanas. Os tempos, como sempre, eram determinados pelas meninas. Para nós só cabia choramingar “insiste em 0x0 e eu quero 1×1″. Transar com a namorada era um sonho acalentado por meses…

“Ora, direis, quanto atraso”. Quanta interdição para o livre fruir do desejo. Corpos fechados, proibidos, desejos cerceados. Frustração, cafonice, pecado, culpa. Ave Maria…

Hummm… há controvérsias. Para aqueles que supunham que nossa angústia era baseada nas interdições do corpo, na supressão da livre expressão sexual, a distensão foi frustrante. A facilidades abriram as portas do prazer às custas do sufocamento do gozo. Hoje ficar, beijar e transar são fáceis; no meu tempo eram conquistas de caráter épico. Naquele tempo era mais fácil “aprender japonês em braile” do que ela se decidir a dar.. ou não. A dificuldade nos fazia valorizar tais eventos de uma maneira que não vejo mais na descrição que os jovens fazem. Para nós qualquer decote, um vento sorrateiro levantando a saia plissada da escola e um primeiro beijo mereciam narrativas fantasiosas e ricas em detalhes. Hoje valem um post sonolento e banal no Instagram.

Eu sei, é papo de velho, mas para que mais serviriam os velhos senão para emprestar sua perspectiva de mundo e colocar as certezas de hoje em desafio? Se não é mais possível trancafiar os corpos como outrora resta-nos entender que sua abertura e o romper das amarras não nos livrou da angústia e nem nos levou ao Nirvana.

Ave Maria…

PS: Nem me dei conta do perigo de publicar esta crônica no contexto da abstinência sexual promovida pela ministra Damares. Mas, como eu mesmo disse, voltar a fechar os corpos é impossível. Se a aventura libertária do sexo não nos deu o paraíso imaginado, seu fechamento trará apenas drama, dor e culpa. A ideia de promover a abstinência entre os jovens nos dias de hoje é absurda do ponto de vista de saúde pública. A política desse governo se mostra insensata e moralista e apenas reproduz o culto à ignorância. A fantasia do retorno a um passado de “respeito” e “contenção” é um suicídio social e uma tragédia para a juventude.

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Cabeça de baixo

“Homem só pensa com a cabeça de baixo”

A frase é usada, em geral, para entender (e não justificar) atitudes irracionais que homens cometem em função da pulsão sexual. Tipo, se envolver com uma mulher “perigosa” apenas por atração irresistível. O que eu acho injusto é dizer que os HOMENS agem assim, quando na verdade mulheres são conduzidas por esta mesma força e com igual volúpia. Eu não acho o termo pejorativo e nem o vejo sendo usado desta forma. Ele é usado como uma confissão do gigantismo de um e a pequenez de outro. Creio ser este seu sentido verdadeiro: reconhecer a potência do desejo diante da insignificância da razão como forças motrizes da humanidade

Eu sempre escutei a frase como um lamento e o reconhecimento de uma espécie de maldição do espírito humano, e nunca como forma de justificar atrocidades. Assim, acho essa frase errada, e acima de tudo injusta. Na verdade ambos, homens e mulheres, quase nunca pensam com a cabeça de cima, como nosso racionalismo arrogante propõe. Somos feito por um núcleo pulsante de temores atávicos, rodeados de crenças irracionais e cobertos por uma fina camada de frágil racionalidade, que mais nos ilude do que orienta.

Somos coordenados pelas “cabeças de baixo”, do submundo de nossos sentimentos de onde brotam nossas pulsões mais profundas, sombrias e egoísticas. Não creio que um gênero esteja menos condenado do que o outro a este aprisionamento.

Por outro lado, de uma certa forma isso é bom. Não fosse por essa brutal irracionalidade nossos encontros seriam muito mais insípidos e nossa população muito menor. O poder do desejo é o que ainda nos mantém por aqui…

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Amor

Quisera falar do sexo
Mas não posso
Do céu subterrâneo de nossos afetos
Mas não devo
o mundo escondido de nossos desejos
Mas não nego
a fuga absurda de nossos retornos
Mas não quero
o sentido último de nossos abraços
Mas não vejo
a luz que meus olhos encontram no escuro
Mas não digo
o suspiro de um dia saber-te sem mim

Amália Quintero D’Arroyo, “Fugas”, Ed Pindorama, pág 135

Amália Quintero de Arroyos é poetisa e nasceu em Aveiro – Portugal em 1959. Estudou literatura na Universidade de Lisboa e posteriormente iniciou seu trabalho como professora de literatura nas escolas públicas da região do Aveiro. Em 1985 publicou um livro de poesias chamado “Algures” que recebeu boas críticas e um convite da editora Pindorama para escrever uma série de mais 3 livros de poesia, surgindo daí a trilogia “Chegadas”, “Esperas” e “Fugas”, lançados respectivamente em 1991, 1996 e 2000. Recebeu o prêmio Cordéis de melhor livro de Poesia em 2005 por “Fugas”. Mora na cidade do Porto e é casada com o desenhista Fernando Monturo.

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