Arquivo do mês: abril 2017

Pos verdades

Numa guerra a primeira vítima é a verdade“. Num conflito os “false flags” – encenações de ataques para justificar retaliações – são disparados de todos os lados, e os tolos as recebem de braços abertos, bastando para isso que a mentira se encaixe na narrativa que momentaneamente nos interessa. Pode ser uma causa humanitária – mataram criancinhas inocentes!!! – ou para fazer valer nossos sentimentos racistas e xenofóbicos inconfessos – foram os malditos árabes!!!. Não importa, o objetivo é mirar no coração e deixar a razão de fora dessa briga.

Para tanto bastam cenas chocantes e até com pouca sofisticação; afinal é fácil contar uma história, por mais falsa que seja, para quem DESEJA acreditar nela. Coloque árabes, crianças sufocando, turbantes, cortes rápidos de cena, pais inconsoláveis e temos uma narrativa. Podemos tirar as imagens de vários contextos e de vários lugares, até de datas distintas. Como em um clip musical, seu objetivo é afastar a razão da arena das ideias, e colocar os nossos sentimentos mais primitivos no comando das ações. Da identificação primitiva e profunda que emana das cenas sobrevém o ódio àqueles que as tornaram fato, e a consequente onda de ódio, raiva e por fim o desejo de vingança. Com isso é possível manipular milhões de almas sem uma bala, um canhão ou um soldado.

Esta estratégia foi usada em um famoso “false flag” sobre um ditador na República Centro Africana há uns dois anos. Cenas de crianças sequestradas, usadas como escravas sexuais ou combatentes escravizados inundaram por semanas as telas dos computadores. Muitos bradavam que, por razões humanitárias, os Estados Unidos deveriam entrar nessa “guerra humanitária em nome da civilização“. Tudo muito justo e nobre não fosse o fato de que o ditador não era visto há dois anos e que provavelmente já estava morto. Tudo fantasia pós moderna, tudo pós-verdade. O criador da campanha internacional pela deposição do suposto ditador foi visto correndo nu pelas ruas de sua cidade, em um surto psicótico, quando toda a mentira veio à tona.

Acreditar piamente no que as agencias de notícias nos jogam diariamente é crer que o poder da informação em um mundo controlado pela infotecnocracia é democrático e se pauta pela verdade dos fatos. A importância da Globo nos golpes do Brasil e da Fox na eleição fraudada nos Estados Unidos há poucos anos (reeleição de Bush) nos deixa claro que esta é uma perigosa ingenuidade.

Se é verdade que milhares estão morrendo na Síria, e que algo precisa ser feito, também é certo que acreditar nas informações que nos chegam sem um “double check” das fontes é fazer o jogo infame dos poderosos, os que controlam as armas e a mídia. Reagir a isso não significa fechar os olhos, mas entender que a imposição de narrativas únicas serve a interesses políticos claros, dos quais nós – simples mortais – não somos quase nunca os beneficiários.

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Deputado X

Para ponderar:

A partir de mais uma demonstração explícita de fascismo do deputado X, a questão que nos cabe debater é como reagir. Que ele representa o que há de mais fascista, anacrônico e obtuso na política nacional já não há mais dúvidas, mas a reação que podemos produzir é que precisa ser meticulosamente analisada, e da forma mais racional possível.

Temos o exemplo recente de Donald Trump que deveria nos oferecer boas lições. Trump vomitava asneiras e frases de efeito racistas e xenófobas TODA A SEMANA; ele nunca saía das manchetes. Nada disso era ao acaso; tudo foi meticulosamente planejado. Acabou sendo visto como “autêntico”, aquele candidato de fala original, verdadeiro e espontâneo; o antipolítico que diz a verdade e o que lhe vem à cabeça, sem filtros. Aquele que não tem o “rabo preso”; o nacionalista que é contrário ao politicamente correto. O anti feminista que bem soube explorar as contradições do feminismo. Ele fez uma campanha memorável. Saiu de azarão e “piada” e tornou-se presidente da maior potência do mundo. Uma tragédia para o mundo e em especial para os americanos.

Todavia, lembrem-se que ele foi torpedeado por TODA a imprensa e TODA a intelectualidade, sem piedade. Houve “frentes” que se formaram de artistas, intelectuais, cineastas e escritores. O próprio partido lhe virou as costas (uma parte). As “frentes” que o atacavam aumentaram ainda mais a sua aura de “diferente de tudo que está aí”. Ele era uma máquina de declarações absurdas e violentas e a imprensa reproduzia tudo o que ele dizia, e com isso vendia muito.

Pois ele ganhou e se você prestar atenção o deputado X (em menor escala o atual alcaide de São Paulo) está encampando esta estratégia de sucesso, passo a passo. A pergunta é se temos o direito de incorrer nos mesmos erros e repetir o papel que os liberais americanos fizeram. Podemos repercutir e combater suas falas racistas e homofóbicas, vociferar contra sua mente medieval e criar “frentes” de intelectuais,  pacifistas, feministas e artistas para combatê-lo …. e assim agindo fazê-lo a grande estrela das próximas eleições.

Por outro lado, talvez possamos usar outra estratégia desta vez. Penso que parar de viralizar seus discursos e repetir seu nome seja uma etapa essencial.

Que acham?

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Silêncios

Desculpe a minha confusão, mas as vezes é difícil entender as razões pelas quais algumas mulheres mandam os homens calarem a boca quando o assunto é parto, nascimento e maternagem. Esse silenciamento ocorre porque, para estas pessoas, os homens não têm o direito de falar sobre estes assuntos (afinal mulheres nascem de partos, homens são colhidos em árvores). Sempre fico na dúvida sobre a motivação real para tais atitudes: seria o simples desejo de silenciar os homens ou uma legítima queixa contra a falta de voz das mulheres sobre um assunto do qual elas mesmas foram impedidas de falar nos últimos 300 anos?

Faço um convite apenas para que se lembrem de alguns homens como Gonzales, Marcus, Cláudio e Moyses, Jorge, Bráulio, Paulo, Frederick, Michel e tantos outros que defenderam o protagonismo feminino quando as próprias mulheres ainda estavam socialmente frágeis para lutar com suas próprias vozes. Aliás, foi o exemplo desses homens que auxiliou as mulheres a produzir seu próprio discurso construir seu protagonismo.

Então eu pergunto: será possível lutar por essa causa sem precisar o tempo todo silenciar os homens, em especial aqueles que pavimentaram a estrada quando as trilhas ainda eram escassas e pedregosas?

Eu desconfio que a estratégia das mulheres para buscar solidariedade nas causas femininas é apenas catastrófica.

Ninguém entre os homens contemporâneos deseja roubar o protagonismo das mulheres neste aspecto tão feminino da vida, mas porque a insistência em desautorizar as suas falas? Qual a vantagem disso?

Fico imaginando as opções que surgiram à minha frente nas ultimas três décadas. Eu poderia ter esperado 30 anos até surgir uma mulher para defender essas causas no meu meio, valorizando assim o “lugar de fala” delas. Talvez esses 30 anos de espera não custaram nada para quem está distante, mas muitas mulheres puderam se nutrir dessa prática ao longo desse tempo. Será que a voz dos homens é mesmo tão inútil e desnecessária ou apenas revela um outro silêncio?

Se a estrada era ruim por culpa dos homens (poderíamos ficar mais alguns meses conversando só sobre este tema) mais uma razão para permitir que eles falem e desfaçam os erros históricos do patriarcado aplicado ao parto, nascimento e maternagem.

O que eu não entendo é por que algumas mulheres acham que para que elas sejam ouvidas precisam calar os outros atores sociais que também tem algo a dizer. É como se o “espaço” das falas fosse tão escasso que para que elas falem é necessário que todos os outros se calem.

Lembram daquele tempo quando uma mulher falava de futebol e um ogro próximo dizia: “Amorzinho, cala a boca e vai fazer um café pra nós”. Lembram disso? Pois é, por mais que algumas vezes seja difícil notar, é justo dizer que melhoramos um pouco. Por que então a insistência em imitar o pior de nós?

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Deslumbramento

Exatamente por ser tão importante e criativa a função das doulas na construção de uma psicosfera positiva para o parto é que se torna tão fácil que elas caiam no deslumbramento de sua ação no parto. Por outro lado – e isso foi lembrado por muitos – essa constatação não é uma exclusividade das doulas; elas são apenas as últimas personagens a adentrar o cenário do parto e do nascimento. Os médicos há bem mais tempo, ao afirmarem que “fizeram” o parto de fulanas e sicranas, também se deslumbram com sua arte, ao ponto de despudoradamente expropriarem o evento da mulher.

Essa “couvade” contemporânea facilmente nos leva à inveja recôndita e ancestral que os homens carregam da parturição, apanágio do mistério feminino. Até mesmo as parteiras, profissionais ou tradicionais, com muita facilidade escorregam no próprio encantamento e se acreditam mais importantes do que verdadeiramente o são.   Todavia, não se trata de desmerecer a atuação de nenhum desses personagens que constroem o “circulo de apoio” que milenarmente ofereceu o suporte psicológico, físico, emocional, técnico, social e espiritual para o parto, desde que adentramos o universo da linguagem. Trata-se apenas de estabelecer limites à nossa atuação, para que nossa emoção diante do milagre da vida não carregue – escondida entre lágrimas e emoções – a semente da vaidade desenfreada, que colide frontalmente com o principal atributo de um cuidador: a humildade.

A luz que emana do parto, criada a partir da emissão de energia bruta de amor e superação, não pode ser eclipsada pela vaidade daqueles que o acompanham. Para isso é necessário que seja exercitada cotidianamente uma postura de respeito e veneração ao trabalho da mulher.

Doulas, parteiras, médicos que desejam resplandecer deveria se inscrever no “big brother“. Não é função desses personagens brilhar, mas tão somente refletir. O brilho só pode vir da mãe, caso contrário não passa da mesma velha expropriação, agora com novos atores.

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Infâmias

Copiado de um debate em família:

“Existe uma tentação irresistível para algumas pessoas em disseminar “fake news” que destilam ódio e infâmias contra personalidades, em especial àquelas situadas no espectro oposto de nossas crenças políticas. Mesmo quando a notícia é absolutamente inverossímil (Friboi, mansões, roubo de objetos do Palácio, etc.) estas pessoas não resistem ao apelo emocional de destruir a vida de um inimigo distribuindo mentiras absurdas e grosseiras.

Qualquer pessoa minimamente educada percebe que essa tática de atingir a honra de um sujeito é um golpe baixo, mas ela sempre vem de pessoas que não conseguem atingir a fala ou as obras de seus adversários, e por isso mesmo rebaixam o nível do debate. Até crianças discutem assim: quando a razão falha a emoção brota com a máxima intensidade e o idioma se torna a ofensa pessoal, e toda a retórica se concentra nos ataques à honra. “Se você não consegue atingir a mensagem, atire no mensageiro”.

Existem inúmeras formas de criticar os governos de esquerda no Brasil mas a maioria das formas de ataque são baixas e desonestas. Dilma e Lula podem ser criticados (e devem) pela esquerda e pela direita, como qualquer governante, mas apenas por suas obras ou pela falta delas. Ataques pessoais falam muito mais dos acusadores do que dos acusados.

Os adversários da social democracia popular proposta pela esquerda brasileira podem ser interlocutores honestos do modelo conservador, levando adiante sua proposta liberal e a ideia de “estado mínimo”. Por outro lado,  podem se tornar difamadores odiosos de histórias inventadas que são facilmente desfeitas logo depois. É uma escolha, mas se escolherem a segunda vão acabar inexoravelmente cercados de difamadores igualmente fanáticos e mentirosos. Eu insisto em acreditar que uma pessoa honrada não merece essa companhia, esteja ela em qualquer um dos lados do espectro político..

Pensem bem: a escolha está entre fazer crítica firme, dura, intensa mas serena ou semear a mentira e a injúria contra a honra de pessoas no campo adversário. Podemos olhar para o lado que quisermos, mas não é lícito reclamar depois quando ficarmos cercados de gente que tem o ódio como unico idioma.

Tal é a lei da sintonia.”

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