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Vítimas

“As universitárias de Bauru que debocharam de colega de 44 anos abandonam faculdade. A Unisagrado afirmou que abriu processo disciplinar contra as estudantes, mas elas “solicitaram a desistência do curso de Biomedicina” durante a apuração do caso.”

Muita gente feliz com o desfecho do caso…

Eu pessoalmente creio que as verdadeiras vítimas dessa história foram as três meninas que fizeram um comentário inadequado para uma colega mais velha. Elas foram vitimadas pela fúria das redes sociais, de forma inexorável, brutal e cruel. Já a senhora, colega de turma, recebeu tão somente uma crítica, de forma jocosa e infantil. Se a gente acredita que as pessoas não podem suportar piadas desse tipo, que tipo de sociedade estamos criando??? Eu não tenho empatia alguma por pessoas (presumidamente, porque não ouvi nada dela) que se desmancham como castelos de areia diante das mais leves críticas.

Curiosamente, fazemos críticas, memes, gozações, ataques e até acusações de todo tipo – inclusive falsas – contra pessoas de outro viés politico, como a família Bolsonaro. Colocamos apelidos demeritórios em personagens da direita (Nikolas “chupetinha”, por exemplo) sem nenhum pudor e sem nos preocuparmos que isso possa lhes causar danos. Acaso temos empatia pela crueldade feita contra estes inimigos? Não, por certo, e ainda exigimos que essas pessoas atacadas por nós tenham fibra e suportem as críticas e piadas porque, afinal, faz parte do jogo. Pois eu digo que voltar a estudar na maturidade e escutar risadinhas de colegas adolescentes faz parte do jogo também. Não é aceitável uma cultura em que é valorizado ser frágil, um floco de neve que se esfarela diante de adversidades.

O principal problema de tratar adultos como se fossem crianças (ou velhos senis), que precisam ser protegidos de quaisquer ataques, é que isso rouba deles o protagonismo. Tornam-se objetos do nosso cuidado. Protegemos essa estudante mais velha porque acreditamos ser ela incapaz de se defender, sem condições de responder diretamente às meninas e tratar desse assunto na hora do recreio. Pela nossa ação esta senhora ficou esmagada entre o ataque infantil e tolo das coleguinhas e a defesa exagerada e alienante que as redes sociais fizeram. A voz dela – como a voz de uma criança – sequer foi considerada. Ela foi tratada por todos como uma incompetente.

A proteção exagerada só se justifica quando temos certeza da incapacidade de quem protegemos. É assim que fazemos com nossos filhos, que se mantém sob nossa redoma protetora. Todavia, chega um momento que a gente olha para o filho e diz: “Voce já está bem crescidinho. Isso você mesmo terá que resolver, diretamente com seu colega. E para de chamar a professora por qualquer coisinha que aconteça. Ela só deve resolver coisas muito graves. Se ele lhe chamou de “bobo, chato ou feio” lembre que você não é. Você é uma ótima pessoa e a opinião dele não pode lhe afetar dessa forma”.

Ou seja, estimule o protagonismo, a autonomia e a autoestima do seu filho. Digo mais: se um dia eu fosse ofendido (como fui a vida toda, chamado de gordinho, burro, maconheiro, etc) e minha mãe (ou a diretora) viesse me defender creio que jamais voltaria à escola, porque não suportaria a extrema humilhação de não conseguir “resolver meus B.O.s” por conta própria e ter que aceitar a intervenção da mãe ou da escola. O mesmo ocorre na vida adulta, pelo Estado, através da justiça burguesa.

Já existe um razoável consenso de como devemos educar os pequenos neste aspecto. Sabemos não ser possível evitar os ataques incessantes do mundo, mas temos a chance de fortalecer suas personalidades a ponto de que uma simples ofensa tola não os faça ruir. O tempo da judicialização e dos sujeitos frágeis, de gente que se ofende por literalmente qualquer coisa – aplicando sempre a desculpa “só eu sei o que sofri, você não pode julgar” – acaba jogando a análise da ofensa para a absoluta subjetividade, impossibilitando um julgamento de valores pessoais. Este tempo está, finalmente, acabando. Esse tipo de sociedade é insuportável e cínica, e sabemos que não se muda a sociedade pelos tribunais, mas através de lentas mudanças estruturais em seus valores.

O que mais me chocou esse caso é que, no afã de proteger uma senhora de 44 anos (!!!) que foi considerada como uma débil mental e incapaz de suportar esta crítica, tratamos de forma brutal e destrutiva três meninas que fizeram algo que todos nós um dia fizemos – uma simples troça inadequada. A barbárie usada contra elas não causou nenhum arrependimento e sequer o fato de terem desistido do sonho de fazer o curso – pelas ameaças feitas pelos colegas – foi levado em consideração. Mais ainda: vejo gente comemorando, com a mesma excitação dos bolsonaristas que gozam ao dizer “bandido bom é bandido morto”. Neste caso “menina que faz piada com coroa é menina expulsa da faculdade”

Se você enxerga muita diferença entre estes gozos punitivistas, eu não vejo. Para mim são faces da mesma moeda, de gente que acredita que uma sociedade é capaz de melhorar com cadeias, punições, expulsões e linchamentos em redes sociais. Eu não creio nessa perspectiva de sociedade, e tenho pena de quem se alegra com a desgraça alheia. Estes, de dedos em riste, ainda não se deram conta que o massacre às meninas pelo crime hediondo de fazer uma piada sem noção diz muito mais dos acusadores do que do delito inafiançável das garotas. Mas, tudo bem; do ponto de vista da justiça popular elas já foram executadas.

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Maturidade

Baruch (Benedictus, depois da excomunhão judaica) Espinosa foi um pensador holandês do século XVII de extrema relevância, fazendo parte do grupo dos grandes racionalistas, onde constam Leibniz e René Descartes. Ocupou-se da teologia e da política, tendo abordado ambos os temas em seu grande livro “Ética”.

Espinosa, entretanto, morreu aos 44 anos de idade, vítima de tuberculose. Homem simples, sobrevivia como relojoeiro e polidor de vidros. Renunciou aos prazeres da vida em nome das virtudes do conhecimento, em especial depois de sua trágica e injusta excomunhão da vida judaica.

Eu ainda me lembro muito bem dos meus 44 anos, e nem faz tanto tempo. Entretanto, não recordo dessa idade com saudade, pois percebo o quanto minha mente amadureceu nos últimos 15 anos. Quando penso em sua partida prematura, às vezes me pergunto o que Espinosa teria escrito aos 60 ou 70 anos. Se aos 44 conseguiu deixar sua marca de excelência no mundo do pensamento, o que mais poderia ter feito se mais tempo estivesse entre nós?

Normalmente a obra “Interpretação de Sonhos”, de Sigmund Freud, escrita em 1900, é reconhecida e apontada como o divisor de águas de um período pré-psicanalítico anterior à sua obra centrada na psicanálise. Quando a escreveu Freud tinha…. 44 anos.

Assim, toda a construção da teoria psicanalítica, feita por um dos maiores gênios da humanidade, surgiu após sua maturidade, alcançada depois dos 44 anos, idade com a qual outro gênio, algumas centenas de anos antes, nos abandonava.

O que teria escrito um velho Espinosa? Nunca saberemos, mas certamente seria ainda mais profundo e maduro.

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