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Miúdos

Tenho sete descendentes, dois filhos e seis netos, dos quais um partiu muito cedo para o outro plano. Fui testemunha do desenvolvimento de todos eles. O engatinhar, os primeiros passos, as primeiras palavras e frases. Eu estive junto de todos eles quando nasceram e no lento processo de se ajustarem à vida. Constatei as dificuldades, as quedas, os tropeços, as vitórias e as lutas constantes, assim como as tristezas inerentes à condição humana. Com isso, acumulei uma razoável base de dados oriunda da observação do intrincado processo de crescimento infantil.

Apesar dessa experiência, sou forçado a reconhecer que pouco entendo da vida e seus enigmas. Tudo isso é ainda para mim um profundo mistério. Todavia, longe de ser um defeito, usufruo dessa incompetência com especial deleite. Cada dia no convívio com os miúdos reserva uma surpresa e uma novidade. Percebi que os conhecimentos adquiridos pela criação de várias crianças – direta ou indiretamente – não me capacitam a entender aqueles que agora percorrem o caminho que os outros já trilharam há tempos. Cada um carrega o fardo e a delícia da existência dentro do seu tempo e a partir de suas curiosidades. Nenhum deles engatinhou do mesmo jeito, falou com a mesma idade ou sorriu pelas mesmas caretas e piadas. Todos são almas distintas, com uma perspectiva especial do mundo.

Digo isso apenas porque sempre vi muitas mães e pais descrevendo seus filhos e pedindo conselhos sobre o que fazer para que a criança desenvolvesse determinadas habilidades. Minha resposta era que elas precisam, cada uma a seu jeito, de amor e atenção, além do alimento para o corpo e a proteção contra as agruras do mundo; o resto elas descobrem por si. Meus filhos e netos são fontes inesgotáveis de ensinamentos e oportunizam a redescoberta diária dos encantos da vida. As crianças são a expressão máxima da maravilha que se criou nesse pequeno e pálido ponto azul, perdido na infinita tessitura do universo.

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Impressões

Esses dias alguém me mostrou a foto de um antigo colega de faculdade, uma pessoa a quem não vejo há mais de 35 anos. Quando vi sua imagem lembrei de imediato de duas situações em que estivemos envolvidos nas quais ele não foi muito legal comigo. Uma das ocasiões foi nas reuniões de preparação para a cerimônia de formatura e outra ocorreu durante o atendimento de um parto, já na residência. Minha reação inicial foi um pensamento ao estilo “Não gosto desse cara, ele é arrogante e prepotente”.

Logo depois de pensar isso me dei conta que esse tipo de julgamento é brutalmente injusto. Não é concebível tratar uma pessoa – mesmo em pensamento – como se ela tivesse um caráter estanque, imutável, congelado há quase 40 anos. Não seria correto imaginar que uma fotografia distante no tempo pudesse ser a definição mais acabada do caráter de alguém. Como acreditar que a vida que teve não o jogou para lugares distantes, perspectivas diferentes, novos valores e posturas? Por que deveria ser aquela a imagem que o definiria? Ato contínuo, lembrei de uma atitude estúpida que tive com uma colega na mesma época – entre a formatura e o início da residência – e senti vergonha de pensar que ela poderia ter cristalizado essa ideia de mim, julgando-me um grande idiota, da mesma forma como fiz com meu colega de aula.

Somos muito dissimulados em nossas ações cotidianas, e temos máscaras muito bem construídas. A impressão que deixamos em nossos encontros fugazes como regra é enganosa, tanto para o bem quanto para o mal. O verdadeiro eu não pode ser vislumbrado à vista desarmada, e se o fosse não seria uma vista agradável. O simples fragmento de um encontro não é capaz de mostrar senão uma foto imperfeita e embaçada da nossa alma. Qualquer análise de um sujeito por esta breve percepção seria tão injusta quanto avaliar a beleza de uma sinfonia por uma nota isolada, aleatoriamente escolhida.

Em verdade, estes julgamentos falam muito mais de nós mesmos do que destes personagens passageiros da nossa linha do tempo. Eles, a mais das vezes, aparecem em nossa vida apenas para ressaltar as nossas próprias falhas, medos, dificuldades e limitações.

Por esta singela razão eu tenho grande admiração por aqueles que falam coisas boas de quaisquer pessoas que tenham cruzado sua trajetória. Mesmo sem o saber, esta visão positiva, compreensiva e condescendente com as falhas alheias deixa transparecer a própria luz de suas almas. Como dizia minha mãe “a boca fala do que o coração está cheio”, e o que dizemos daqueles ao nosso redor é o melhor espelho do que, em verdade, somos.

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Irmão

Concordo…. um dos melhores presentes que uma menina pode receber na vida é a convivência com um irmão (sim, do sexo masculino).

Digo isso porque a experiência com o masculino e a forma de pensar dos meninos e homens vai oferecer a estas meninas-mulheres um antídoto contra o crescente preconceito – falso e artificial – que confunde masculinidade com opressão.  Uma relação saudável, mesmo que conflituosa, com o sexo oposto oferece às ferramentas fundamentais à compreensão empática do outro. Os sentimentos negativos de muitas mulheres contra os homens (e contra o masculino) repousam em experiências negativas ou mesmo na privação de contato com a forma específica de como funciona o pensamento e as emoções masculinas.

Estou falando nessa direção do vetor, mas inequivocamente funciona também para a direção aposta, quando homens são expostos desde cedo ao contato com suas irmãs. A falta dessa experiência primitiva cria o estranhamento – que facilmente se transforma em ódio – na relação com o outro, o diferente.

Aprendizado é bem diferente de boa convivência e muito distinto de dividir tarefas. Muito dos sentimentos negativos das mulheres em relação aos homens no mundo contemporâneo se dá pela falta de compreensão que elas têm de como pensam e sentem os homens. Por isso tantas mulheres dizem para os homens “mudarem” apenas porque não aceitam uma forma diferente de pensar e agir. Vejo isso com tristeza cada vez que uma mulher diz a dois meninos em suas brincadeiras “porque vocês dois vivem brigando?” simplesmente porque não entende a forma física como meninos se relacionam. Também quando olham para os maridos brincando de luta com os filhos e dizem “para que essa brutalidade?”

Ora… isso é a total incapacidade de entender o masculino e suas raízes ancestrais. Uma menina exposta a esse discurso e a corporalidade dos seus irmãos terá mais elementos para entender os homens e sua específica perspectiva de mundo. Pode até ser que se ressinta (quem não??), mas ao menos entenderá como é o funcionamento psíquico dos garotos.

Repito: direi o mesmo para os homens que tiveram irmãs e aprenderam com elas a olhar o mundo pelos seus olhos. Falo mais dos homens apenas porque sinto que as mulheres são mais arrogantes ao pensar que podem entender os homens, enquanto os homens parecem mais convencidos que, inobstante qualquer esforço, é impossível “entender” (e não compreender) as mulheres de forma completa. As diferenças do sexo e da gestação nos afastam de qualquer possibilidade nesse sentido.

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