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Millôr

Quando adolescente e jovem sempre fui fã do jornalista Millôr Fernandes, por seu humor ácido e por uma característica que acho admirável em escritores: assim como Oscar Wilde, ele era um genial frasista. Nesta época eu abria a Veja apenas para ler a coluna do Millôr. Gosto muito de uma frase sua, que uso até hoje, quando vejo um grupo de pessoas falando mal de alguém de forma inexorável e dura: “O mundo tem muitos canalhas, mas estão todos nas outras mesas” (pág. 100). Sendo ele um emérito frequentador de botecos cariocas, essa frase certamente a criou entre um e outro Chopp com os amigos. Ele tinha outra característica que eu achava criativa e original: escrevia uma simples frase e colocava abaixo uma nota de rodapé em caixa baixa do tamanho da folha. Ou seja: funcionava como algumas obras artísticas da pintura moderna, que se resumem a poucos rabiscos em uma tela branca, mas sobre as quais se escrevem gigantescas teses de doutorado, retirando delas muito mais do que o próprio autor seria capaz de imaginar.

Mas, para além de seu humor ácido, sua visão política cheia de ceticismo, e sua rixa histórica com outro ídolo meu, Chico Buarque (que chegou às vias de fato), ele também é uma imagem viva do jornalismo e da sociedade – carioca e brasileira – de sua época. Seus comentários e frases sobre a sociedade e, em especial, as mulheres, são uma forma muito clara de olhar a cultura dos anos 60-70. Por estas razões comprei o livro Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos” assim que foi lançado, pois ali se concentravam as suas melhores “tiradas”, seus pensamentos, sua perspectiva política (mesmo sobre fatos datados) e seu humor de acidez inconteste. Categorizados por palavras chave, estão listados 5142 pensamentos, máximas, conceitos, aforismos, devaneios, etc. para se poder absorver o que ele deixou como testemunho, registros de um astuto observador da realidade brasileira.

Entre as suas manifestações, uma me chamou a atenção: a forma como falava despudoradamente das meninas de Ipanema, pré-adolescentes com 13 anos de idade. Imaginem o furor que causaria essa manifestação de admiração sobre o corpo de “crianças” de 13 anos nos dias de hoje, descrevendo-as com sua “graça e sensualidade”. Certamente seria cancelado sem dó, e talvez fosse até criminalmente perseguido. Entretanto, a idade me permite recordar que, quando da publicação destas frases não havia a consciência que hoje temos sobre o tema. Não causou nenhum escândalo suas frases sobre meninas muito jovens, assim como à época não nos chocamos com Caetano ou Jerry Lee Lewis. Não existia a noção, que hoje temos, de proteger a sexualidade emergente das meninas, que ainda eram vistas da mesma forma como os antigos as viam: objetos para o deleite masculino, sem consideração sobre sua maturação afetiva, emocional, psíquica e até social. Ou seja: Millôr escreveu sobre sua época, sobre o entorno no qual se inseria e também com o material do campo simbólico que absorvia e vertia para o papel. É preciso ter com ele a mesma consideração que deveríamos ter com Allan Kardec, Fernando Pessoa e Monteiro Lobato quando se referiram à negritude em seus livros. Se suas obras podem ser criticadas hoje (e devem) elas merecem ser vistas sem anacronismo, inseridas em sua época e avaliadas pelo contexto no qual foram escritas.

De qualquer forma, Millôr continua sendo um dos meus escritores favoritos. Deixou um legado de crítica política inteligente e vigorosa, sem jamais abrir mão do humor como linha condutora de seus textos.

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Colonialismo, início do fim?

Tem gente que, em pleno século XXI, acha que a autonomia de uma nação é algo negociável e, embriagados pela campanha imperialista, não conseguem enxergar as tragédias e a barbárie causadas pelos invasores nas terras conquistadas. São os mesmos que condenavam, até pouco tempo, a libertação da Argélia, de Angola, de Moçambique, do Vietnã, da Índia e tantas outras colônias massacradas pelos colonizadores europeus. Diziam que, apesar do tratamento “duro” dado aos “nativos” nada é tão importante como a língua oferecida, as ferrovias e alguns bons modos à mesa.

As pessoas que nos acusam de ficarmos felizes com a expulsão dos americanos do Afeganistão pelo Talibã e que por isso somos “machistas” aceitariam ser chamados de “genocidas” por sua conivência com as mortes de meninas e mulheres durante a ocupação americana? Aceitam o rótulo de neocolonialistas? Aceitariam a pecha de “bandeirantes da América”? Aceitam o meio milhão de mortos em sua conta? Aqueles que nos acusam de sermos “autoritários” por apoiarmos um “ditador” como Putin, em sua luta contra as ameaças constantes à integridade da Rússia, deveriam entender que a influência norte-americana no leste da Europa se expressa como um gigantesca sombra de opressão e de domínio, onde as liberdades civis dos povos ameaçados será uma das primeiros pratos no banquete do imperialismo.

O biscoitismo – em especial partindo de figuras públicas da Academia – é um cacoete terrível de intelectuais que se aventuram nas redes sociais. É preciso agradar em primeiro lugar ao seu “eleitorado”, e só depois fazer algumas concessões à realidade. O salário indireto recebido por estes personagens são os “likes” e os elogios rasgados ao seu idealismo – o qual não suporta 10 minutos de mergulho na verdade dos fatos. Quem, entre as pessoas horrorizadas com a vitória do Talibã – um grupo de reacionários e fascistas de direita muito parecidos com os bolsonaristas no Brasil – ocorrida há poucos meses lembrou das 500 crianças mortas pelos bombardeios americanos nos últimos 5 anos de ocupação do Iraque? Por acaso é possível comparar a porcaria reacionária do Talibã com as milhares de crianças explodidas pelas bombas imperialistas?

Portanto, as recentes decisões do governo brasileiro e chinês de negociar diretamente entre si usando suas moedas nacionais sem a intermediação do dólar me parecem mais um graveto que irá fomentar a grande fogueira que nos livrará do Imperialismo. Diante do importância que os povos do mundo precisam colocar na libertação do domínio exercido pelo Império estas iniciativas precisam ser encaradas com a devida seriedade, e demonstram que existe real interesse do governo americano em construir uma estrutura global mais equilibrada e mais justa para as nações. Nada mais adequado que Brasil e China – pelas suas dimensões e importância geopolítica – estejam à frente desta luta.

Há apenas alguns poucos dias (29/3), ambos governos anunciaram a criação de uma “Clearing House” (ou Câmara de compensação), uma instituição bancária que permite que negócios e concessões de empréstimos sejam realizadas entre os dois países sem a utilização da moeda americana como forma de viabilizar os negócios de caráter transnacional. O Banco Industrial e Comercial da China (IBC), será a instituição bancária que vai operar a “clearing house” aqui no Brasil, permitindo que os empresários locais tenham a possibilidade de realizar negociações e até empréstimos em yuan (RMB) ,e não apenas em dólar, como é a regra que impera para estas transações até agora. A adoção dessas medidas aproxima o Brasil do seu maior parceiro comercial – a China – e faz uma demonstração inequívoca de que o Brasil se afasta do decadente imperialismo para uma tentativa de multipolaridade, onde as relação entre os países se dará de forma menos autoritária e impositiva.

Para aqueles que viam o governo Lula como um “agente do imperialismo” este foi um duro golpe de realidade. Some-se a isso as decisões de não subscrever a declaração final da “Cúpula da Democracia”, por não concordar com o foro onde este debate está sendo realizado “O entendimento do Brasil, no entanto, é de que a guerra da Ucrânia deve ser tratada em foros específicos para o tema, como a Organização das Nações Unidas”, diz o comunicado Em outra oportunidade o governo de Lula chegou a votar a favor de uma resolução da Assembleia Geral da ONU que repudiava a invasão russa, dando a entender para alguns analistas de que o governo do presidente Luiz Inácio estaria se postando ao lado dos interesses do Imperialismo. A clara inclinação em direção à China mostra o contrário, o que só pode ser saudado como uma ação positiva por todos os partidos de orientação marxista.

Esperamos que estas iniciativas sejam as primeiras de outras grandes propostas para o fortalecimento dos BRICS e do sul global.

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Ladainha

É uma tristeza ver tanta gente entrar nessa ladainha conservadora do “combate à corrupção”, como se o problema do Brasil fosse esse. Nosso problema é a desigualdade e a injustiça, e nossa política é um reflexo dessa estrutura arcaica e escravagista. O sonho ingênuo dos conservadores é que, tirando todos os corruptos e ladrões, assumirão os bons, os honestos, os probos. Isto é: nós.

Como dizia o Millôr Fernandes, “O mundo está repleto de canalhas, mas estão todos na mesa do lado“. Para os liberais da hora, o pessoal do “imposto é roubo”, quando limparmos a política dos corruptos assumirão aqueles acima de partidos e bandeiras, sem lado, sem ideologias, os administradores isentos da coisa pública. Isto é: os gestores.

Afinal, administrar um Estado é como controlar um boteco: entrada, saída, fluxo de caixa, salários. Cada um no seu lugar. Quem roubou vai pra cadeia. O lucro é sagrado e o boteco é meu por mérito. Quer igualdade? Vai pra Cuba, desgraçado!!!!

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