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Sensualidade

Fotografia da atriz Sheron Menezzes

É impressionante como essa foto pode ser perturbadora, mas enganam-se aqueles que pensam que os homens são os mais afetados. Basta que alguém diga que ela é “plena de sensualidade” para que os alertas imediatamente disparem…

Aqui vemos o grande tabu da amamentação vindo novamente à tona: nossa negativa em expandir o conceito de sexualidade para que desta forma possa ser contido dentro estreita caixa da moral cristã. Alguns rechaçaram de imediato; outros chamaram de “divino”, para contrapor àquilo que chamamos de “mundano”. Palavras como “amamentação”, “sensualidade” e “prazer” não podem caber em uma mesma frase.

PS: Acabei recebendo uma enxurrada de ataques no meu texto no Facebook, em especial vindo de jovens meninas feministas. Apaguei todas as ofensas pessoais e bloqueei sem nenhum constrangimento todo mundo que usou de escárnio, deboche, ofensas pessoais e agressões. Não precisam concordar, mas exijo respeito. Não sou candidato a nada e não preciso me ocupar em educar gente agressiva.

Todavia, ainda acho chocante o nível dos argumentos oferecidos e o preconceito que elas carregam contra a própria sexualidade. O texto é essencialmente um chamado à consciência de todos sobre a sacralidade da amamentação e a evidente conexão entre os diversos aspectos da vida da mulher e sua sexualidade abrangente. O preconceito com “sexo” é inacreditável. Algumas gritavam: “O que? Um homem sexualizando a amamentação?” como se sexualizar tivesse o sentido de “sujar”, “macular” ou “profanar”. Outras diziam que “o seio foi feito só para alimentar“. A redução do corpo a um ente biológico é algo absolutamente chocante. Damares fazendo escola…

Há poucos dias eu conversava sobre o tema – e o texto – com uma psicanalista e comentava sobre a banalidade dos conceitos que eu trouxe à discussão, quectão somente falavam da ligação entre amamentação e prazer. Ela se mostrou surpresa com a reação das meninas, dizendo que desde a revolução freudiana do início do século XX ficou mais do que evidente a correlação entre amamentação e sexualidade e que isso já havia vertido dos textos clássicos para o conhecimento popular. Como podia esse tema causar discórdia e polêmica?

Pois eu não me surpreendi; infelizmente, não. Os xingamentos – como sempre – falam muito mais dos dramas e traumas do agressor do que os supostos erros que acusam. Apareceu muito ódio e muito ressentimento, mas acima de tudo uma visão moralista e pervertida do que seja a sexualidade feminina. Um pequeno exército de Damares atacando alguém que ousou dizer que a amamentação faz parte do infinito – e sagrado – arsenal erótico da vida de uma mulher.

Se foi difícil explicar – há mais de 15 anos – que o parto podia ser algo prazeroso, por que seria diferente com a amamentação?

Pela primeira vez senti o mesmo que Freud explicando a histeria e (pior ainda) a sexualidade das crianças diante da comunidade médica obtusa e preconceituosa de Viena há pouco mais de 100 anos.

Não mudamos muito…

Muitas vezes a “balbúrdia” de nossos pensamentos e percepções do mundo nos deixam chamuscados mas servem para aclarar ideias e sacudir a mesmice dos nossos (pré)conceitos. Depois dos ataques que recebi por falar da sexualidade imanente da amamentação (a maior parte vinda de pessoas muito jovens, estudantes brancas de classe médiia) me chamando de “velho”, “machista”, “escroto”, “pervertido”, várias pessoas vieram elogiar o texto inbox, o que me deixou aliviado por saber que algum eco podia ser escutado na imensidão cibernética. Isso por si só – elogios escondidos – mostra que os ataques não eram só ao texto e seus conceitos desafiadores, mas o conhecido rechaço à ideia de um homem falar sobre sexualidade e amamentação.

Porém, um dos recados privados eu acho que seria interessante para compartilhar. Creio que este tipo de evidência deixaria as “certezas pétreas” dessas pessoas bastante cambaleantes. Minha amiga virtual apenas pediu para não revelar seu nome.

Aqui vai seu relato:

“Querido Ric, não pude me furtar de vir aqui falar da minha experiência com relação ao aleitamento materno e a temáica do prazer, que você trouxe tão objetivamente e tão bem ilustrada, mas que só serviu para mostrar o recalque generalizado que as mulheres carregam sobre o tema (pelo menos até onde vi). Tive uma experiência de ambivalência por demais poderosa com o aleitamento materno porque, ao mesmo tempo que incomodava, eu tinha uma sensibilidade que irritava os mamilos. Incomodava tanto o toque, quanto o contato com o bebê, mas ao mesmo tempo, eu precisava relaxar.

Pois, quando tudo estava ok…..orgasmos imensos não pediam licença, apenas aconteciam. O susto no começo e depois a entrega; afinal, fazer o que? Tinha que dar de mamar. Cheguei a conversar com meu companheiro que entendeu – ou não – mas respeitou e… vida que segue. Quando tenho oportunidade digo que o aleitamento materno também faz parte da vida sexual e orgasmo é uma coisa esperada na vida sexual das mulheres…. ou não é?

Então, quem não tem… fazer o que, não é? Beijos por sua coragem, e se eu fui de alguma serventia pode divulgar meu depoimento apenas não cite meu nome por favor, mas pode contar o milagre. Afinal, estes milagres acontecem todos os dias, como diria a minha mestra. Abraços para a turma daí, Zeza, Zezé, etc…”

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Devaneios juvenis

Eu não passava de 14 anos e tinha uma vida inteira e incerta pela frente. Não sabia exatamente como era o mundo, como se construíam suas tensões e nem como se organizavam seus caminhos.

Sentado no banco do ônibus sentia os tapas estroboscópicos da luz que driblava os prédios e as árvores para encontrar meu rosto de menino. O ar frio matutino arejava meu pensamento colegial, e fazia minhas ideias volitarem por sobre o cabelo desgrenhado.

De súbito um corpo de aproxima do banco onde eu sentava. Não lhe pude ver pois que estava atrás da linha dos meus olhos, mas seu braço se projetou defronte meu rosto para se apoiar na guarda do assento em frente ao meu.

Uma moça. Só o que podia ver era seu braço coberto por uma fina lâmina de tecido branco que se ajustava às suas voltas e reentrâncias. O tecido terminava com uma delicada renda no punho, que cobria parcialmente sua mão pequena. Os dedos esquálidos terminavam em pequenas unhas vivamente coloridas com esmero e cuidado. A pele era morena, o que fazia contraste com a alvura do tecido da blusa, num contraponto instigante. A renda se movia com os solavancos do coletivo, fazendo uma estranha dança sobre a mão pequena e firme. No dedo anular um delicado anel, cuja luz refletida pintava de amarelo minha retina.

Fiquei olhando para aquele fragmento de pessoa, tentando imaginar o que se escondia para detrás do meu campo de visão. Como seria seu rosto, seu corpo, seus lábios e seios? Qual seria sua voz? Que pensamentos carregava em sua mente naquela manhã? Estaria, como eu, indo à escola? Seria mais velha do que eu?

Quanto mais eu brincava mentalmente com essas perguntas mais me fascinava ao olhar aquele braço à minha frente. Entretanto, percebi que este fascínio era muito mais pelo que eu não via do que pelo que se apresentava à minha frente. O que me excitava os sentidos era imaginar para onde corriam as veias que eu via plúmbeas na mão apertada contra respaldar do banco. O não sabido era o mais interessante; o que eu não via era o que mais me atraía.

Repentinamente a mão se desprega do banco e se recolhe, aproximando-se do corpo que eu não via. O chiado da porta se abrindo anunciou a parada. O corpo da moça é ultrapassado por outro vulto e seu braço escapa da minha visão. Quando crio coragem de voltar minha cabeça para trás e já não mais ela está ali. Envolta num emaranhado de corpos com pressa ela sai pela porta sem que eu tivesse a oportunidade de admirar o resto de si.

Com outro chiado e a porta do ônibus novamente se fechou. A moça da blusa de renda se foi sem deixar vestígios, e não ser a ferida viva em minha memória, a sensação inebriante de encantamento que me acompanha há quatro décadas.

Talvez ali, naqueles momentos de pura fantasia durante uma viagem matinal de ônibus, eu tenha me aproximado de forma definitiva do mistério e do encantamento que constituem o feminino. A esta moça a minha dívida por ter me oferecido uma amostra discreta do infinito que uma mulher representa.

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