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Agressões

Conheci muita gente com “lesão por esforços repetitivos” (LER), em especial na enfermagem. A história dessas pessoas era sempre muito parecida: excesso de esforço em uma parte específica do corpo, causada por movimentos realizados de forma não natural, prejudicando principalmente as articulações.

Muitas delas procuravam a homeopatia porque os anti-inflamatórios que estavam usando causavam muitos efeitos colaterais, principalmente epigastralgia (queimação no estômago). O uso continuado dessas drogas era uma marca registrada dos profissionais com lesões causadas pelo seu trabalho.

“Preciso de algo mais suave para melhorar essas dores nas articulações”, diziam. Alguns deles já tinham até tirado licença médica por serem incapazes de movimentos simples, que causavam intensa dor.

Sempre que lembro desses relatos eu penso nos memes contemporâneos pedindo “vacinas”. As pessoas com estas lesões articulares pediam remédios para suas dores sem perceber sua origem e a forma como foram construídas ao longo do tempo. Esqueciam do mau uso do seu corpo, consequência de uma forma errada de trabalhar, seja por falta de equipamento ou por falta de colegas com quem dividir as tarefas pesadas, mas acreditavam que acrescentar uma droga – por vezes violenta e lesiva – à equação poderia dar-lhes condição para continuarem produzindo; como máquinas pedindo mais lubrificante.

A vacina é agora pedida por todos porque ignoramos – ou fechamos os olhos – às causas inequívocas das pandemias: a agressão constante e predatória ao meio ambiente por um capitalismo desconectado com o equilíbrio ecológico da biosfera. Uma violência continuada contra as outras vidas que compartilham conosco o espaço limitado do planeta.

Assim como os anti-inflamatórios, a vacina entraria para tornar possível manter a vida sem mudar a forma equivocada como a levamos. Seria a alternativa para manter os erros suicidas até agora cometidos sem precisar questioná-los. Vacinas seriam usadas para manter a nossa vida “normal”, sem percebermos que era exatamente esta “normalidade” que estava nos aniquilando.

Sabemos que isso não vai funcionar, mas nos agarramos nessa tábua de salvação apenas pela covardia de encarar a mudança inevitável e necessária. Não se trata de rejeitar as vacinas, mas entendê-las como “esmola” que, como sabemos, servem para aliviar as dores da fome sem contudo eliminar suas origens. Se oferecermos vacinas nestas circunstâncias – achando que vão ajudar localmente e temporariamente – então podemos estar certos. Todavia, se acreditarmos que as vacinas são a solução para um mundo detonado pela visão predatória e consumista, estaremos mais uma vez errando de forma dramática.

A imagem que sempre usei nesses casos era a de uma paciente que entra num consultório médico batendo com um martelo na própria cabeça. Sem interromper seu ato de auto agressão ela pergunta ao médico: “Dr, preciso de um remédio para a minha dor de cabeça. O senhor pode me ajudar?”.

A única ajuda honesta de tratar uma queixa como essa é pedir que deixe de se agredir e jogue fora o martelo; o resto é paliativo e passageiro.

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Ainda cloroquina

Não creio em razões políticas para a manutenção da Cloroquina como opção para a pandemia, mesmo após as repetidas informações sobre sua inefetividade, partindo de organizações de saúde e de governos. Creio que o buraco é outro.

As verdadeiras razões jazem nas profundezas do inconsciente e são derivadas da pressão do “imperativo tecnológico” sobre as ações médicas. Existe uma pressão positiva sobre a ação dos profissionais da Medicina, uma expectativa de “algo a ser feito”. Não se admite que alguém com essa responsabilidade social – como o médico – não aja positivamente, ativamente. Essa é uma lei não escrita que regula a medicina.

Se uma pessoa morre de Covid SEM o uso de Cloroquina a família, os colegas e até a opinião pública (mídia) podem acusar o profissional de negligência, por não usar algo que “muitos outros dizem salvar vidas”. Por outro lado, se o sujeito morre de Covid tendo usado a Cloroquina – mesmo que a morte tenha ocorrido pelos seus efeitos tóxicos (!!!!) – ainda restará ao profissional dizer “fizemos tudo ao nosso alcance”. É raro um médico ser acusado por ter FEITO algo, e o comum é o acusarem por NÃO ter feito o que se supõe deveria fazer.

Ciência e evidências científicas desempenham um papel pouco expressivo nas escolhas médicas. Elas são majoritariamente tomadas por pressões de ordem subliminar. Médicos prezam seus empregos, sua qualidade de vida e seu status – como qualquer outra profissão. Enfrentar as acusações em nome do rigor científico e de suas convicções é raríssimo. Se as evidências e estudos sistemáticos REALMENTE guiassem o proceder médico a medicina desta forma empregada seria absolutamente irreconhecível.

Alguns meses depois de formado encontrei colegas de residência que me diziam: “Essa história de parto normal é muito bonita, mas não funciona no mundo real. Na cidade do interior onde trabalho as mulheres chiques (esposas da elite interiorana) marcam cesariana. Se eu negar serei mal falado na cidade, e vão espalhar que ‘não sei operar’. Se eu tentar esclarecer serei chamado de ‘Joãozinho-do-passo-certo’. Todavia, se eu ceder e operar sem justificativa serei abraçado, reconhecido, bem pago, elogiado e jamais serei questionado. Só um maluco suicida faria uma opção diferente desta última.”

Nas escolhas deste colega, onde está a ciência? Mas, quem pode dizer que esta escolha é irracional? Pode ser equivocada e cínica, mas quem a toma tem suas razões.

Médicos são guiados pela mão invisível da cultura. São produzidos pelo cadinho de valores que nela transitam. São PRODUTOS culturais, assim como a medicina que praticam. Aqueles que ousam questionar os pilares sobre os quais se assenta esta prática vão receber a resposta dura e inexorável dos representantes do modelo hegemônico. Não há mudança sem luta – e sem mártires.

Não se trata de culpar as ações de médicos que – por medo ou oportunismo – mantém os modelos intocados, mesmo quando claramente insensatos e sem base científica. Mais importante é mudar a cultura através da educação. Um povo educado produz médicos menos agressivos e mais seguros. Houvesse mais educação para todos sobre ciência e a discussão sobre a Cloroquina teria uma face muito mais racional e simples.

É o nosso atraso que mantém o debate em bases tão primitivas.

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Prince Charming

The search for chloroquine, ivermectin and now dexamethasone bears a resemblance to the search for love in a man or woman, an ideal of happiness that depends in someone to complete us and offer what we lack. In all cases the answer is always out there, in something that will rescue us from loneliness, degeneration and death. Exogenous healing has never gone out of style. Prince Charming never stopped visiting our dreams.


“A busca pela cloroquina, ivermectina e agora a dexametasona guarda uma semelhança com a busca do amor em um homem ou a mulher, um ideal de felicidade e em alguém a nos completar e oferecer o que nos falta. Em todos os casos a resposta está sempre lá fora, em algo que vai nos resgatar da solidão, da degeneração e da morte. A cura exógena nunca saiu de moda. O Príncipe Encantado jamais deixou de visitar nossos sonhos.”

Patricia Highsmith, Punxsutawney Chronicles, june 12th,

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Reescrever a história do planeta

Primeiramente, vamos deixar claro que concordo com a recente entrevista do Roda Viva com o biólogo Ítalo Iamarino sobre o Covid19, especialmente pelo reforço da ciência diante do ataque insistente do obscurantismo bolsonarista. Todavia, minha única crítica à entrevista do biólogo é que, apesar de reconhecer as origens da pandemia – a insensata e violenta intervenção humana sobre a natureza – ele acredita que a resposta para a humanidade será através de MAIS intervenção tecnológica, na famosa equação do “Punch Theory”, onde o primeiro impulso é nossa ação destruidora sobre o mundo natural e os impulsos subsequentes atuam no sentido de consertar os estragos iniciais, porém sem questionar sua origem com a profundidade necessária.

Evidente que a resposta para a EMERGÊNCIA de agora será tecnológica, mas para evitar que sejamos atacados eternamente por tais ameaças virais a resposta poderia ser outra, muito diversa em sua essência.

Parece que continuamos presos no mesmo paradigma de mais de um século: estamos cercados por seres vivos maldosos cujo único sentido na natureza é destruir os humanos. Darwin se revira na tumba cada vez que alguém fala desse antropocentrismo cafona.

Para ilustrar essa ideia a imagem que me vem à mente é, obviamente, a do parto. Acreditamos que a solução para os transtornos do parto é MAIS intervenção tecnológica: hospitais, drogas, leitos de UTI, cirurgias, antissepsia, antissépticos, antibióticos e profissionais altamente treinados em patologia. Porém, a experiência nos prova que o afastamento sistemático e insidioso da natureza do parto produziu a maior parte dos distúrbios que hoje testemunhamos. Desta forma, nos transformamos em técnicos especializados em consertar os problemas criados pela nossa própria atuação inadequada.

Ao invés de investir pesadamente na proposta de REVER e REESCREVER o roteiro da nossa atuação junto à natureza, parece que ainda não nos convencemos que o verdadeiro vírus destruidor deste planeta somos nós mesmos.

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