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Empatia

Ficamos naturalmente horrorizados com o holocausto judeu na segunda guerra mundial ou com as circunstâncias terríveis para os habitantes da Ucrânia na atualidade. Para quem tem mais idade, os horrores causados pelos nazistas contra a população de judeus, ciganos, homossexuais etc. ainda estão em nossa memória, mostrando o poço profundo de maldade e miséria humana em que a humanidade é capaz de se envolver em busca de poder. Imagens desses desastres humanos, quando mostradas, ainda hoje causam imediata reação. É simples e natural sentir em nós mesmos o sofrimento a que foram (ou ainda são) submetidos aqueles que sofreram a perversidade de uma guerra. Entretanto, se houver uma consciência mais ampla das razões que nos fazem sofrer pela dor alheia, é forçoso considerar que tais dores são consideradas indignas e insuportáveis apenas porque as vítimas são brancas, falam nossas línguas e parecem muito conosco. É esse este espelho de nós mesmos que torna possível estabelecer uma conexão com elas. A semelhança permite que nos vejamos dentro de suas peles claras e europeias.

Por outro lado, para nós é fácil produzir uma capa de proteção contra o horror da opressão criando um isolamento emocional. Basta para isso que os martirizados sejam os congoleses – destruídos pelo Rei Leopoldo – quando são os milhões de chineses as vítimas – massacrados pelos japoneses – ou quando quem sofre são os vietnamitas, os coreanos, os afegãos e os sírios destruídos pelo Império americano, composto por brancos cristãos e tementes a Deus – como nós. Essa é a razão que nos faz chorar por uma falsa agressão contra mulheres israelenses mas não nos faz pegar em armas ao ver a brutalidade do holocausto palestino, a morte de milhares de mulheres e crianças, o bombardeio de hospitais, a morte de médicos, enfermeiras e jornalistas e a fome e a sede produzidas pelo sionismo.

Nossa empatia é por semelhança; temos afeto por golfinhos – que parecem sentir e agir como humanos – mas não por atuns, que vivem no mar e são tão grandes e bonitos quanto os golfinhos. Nossa simpatia é seletiva, e parece ser despertada apenas com gente parecida com a gente e por esta razão, para que a paixão de Cristo fosse dolorida em nossa própria carne, era preciso construir um Jesus loiro, caucasiano e de olhos azuis. Pouca importância seria dada a um preto revolucionário, anti-imperialista, revisionista judeu, se sua pele fosse morena e seu cabelo preto e enrolado. Foi preciso ocidentalizar o Cristo, torná-lo palatável para, só assim, ser consumido pelos consumidores europeus. . Isso pode ser visto de forma muito simples nas coberturas de guerra, tanto nos conflitos da Ucrânia, ode os jornalistas deixavam claro que as mortes aconteciam com “gente loira e de olhos azuis” e que por isso deveriam ser repudiadas, ao mesmo tempo em que mortes de israelenses ganham muito mais atenção – e impacto – do que as milhares de mortes que ocorrem há mais de sete décadas na Palestina, e que agora atingem sua face genocida mais explícita.

Enquanto nossa empatia for pela cor da pele – qualquer uma – e não pelo que existe de humano que habita em cada um de nós, não poderemos receber o nome de “humanidade”

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Humanidade

Quando dona Marisa morreu, o ministro todo-poderoso do STF Gilmar Mendes ligou para Lula e chorou ao falar com ele. Foi nesse momento que Gilmar se deu conta do grande erro que havia cometido. No enterro da esposa de Lula estavam presentes todos os oponentes políticos do ex-presidente, de Sarney a FHC. A morte nos iguala e, de uma certa forma, nos humaniza. A tristeza por uma grande perda nos une e congrega.

Lembro agora da confraternização de Natal entre os soldados ingleses e alemães emergindo das trincheiras lamacentas para celebrar a esperança no fim da guerra. Naqueles momentos eles se sentiam todos iguais, a despeito de suas fardas, suas armas, suas diferenças e suas visões de mundo. Ali, em meio à barbárie, brotava a flor tímida da humanidade, em meio aos escombros de uma guerra brutal.

Quando ocorreu o desastre da Boate Kiss, Dilma chorou, abandonou às pressas um encontro no exterior e foi oferecer sua solidariedade às vítimas. Também chorou na tragédia de Realengo, assim como tantos outros estadistas hoje igualmente choram ao anunciar as mortes pela pandemia do Corona. Bolsonaro limita-se a produzir risadas histriônicas de sua claque ao dizer “E daí?”.

Bolsonaro disse que Dilma deveria sair, “de câncer, de infarto, de qualquer forma”. Sequer o seu sofrimento como sobrevivente de um câncer, ou o seu martírio como torturada pela ditadura, produziram nele uma simples atitude de respeito. Pior ainda; exaltou o torturador responsável pelas atrocidades cometidas contra ela. Agora, em nenhum momento surgiu deste homem qualquer sinal de compaixão diante das mortes pelo Covid19. Nem mesmo uma palavra de conforto ou de empatia; apenas desprezo e escárnio.

Não se trata de acreditar que Bolsonaro é “direto”, “grosso”, “verdadeiro” ou “sincero”. Não, ele é apenas a negação da vida, a rejeição aos valores humanos e a exaltação do fanatismo mitômano.

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