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Crime e Castigo

Cresce a disputa sangrenta entre facções do crime organizado em várias cidades brasileiras, motivada pelo montante de dinheiro que circula pelo comércio de drogas e pelas disputas imobiliárias. É sabido por todos que nas comunidades falta Estado, faltam recursos e as atividades ligadas ao tráfico são as mais sedutoras para os jovens sem perspectiva. Para muitos a situação é caótica e sem solução, tamanha a força que estas organizações adquiriram.

“Bandido bom é bandido morto”, vociferam os bolsonaristas. “Tem que deixar apodrecer na cadeia” gritam outros acreditando que as punições severas possuem a capacidade de inibir a realização de crimes. Essa é uma ilusão difícil de apagar em pessoas criadas com a ideia de que as penas severas são o melhor meio para mudar condutas criminosas. Inobstante a crença de muitos, é fato que as penas draconianas e leis mais rigorosas jamais fizeram a menor diferença para o decréscimo da criminalidade. Nunca houve diminuição da prática do crime pelo endurecimento das penas, veja o que aconteceu com o programa desastroso dos “Three Strikes” do governo Clinton ou mesmo com a aplicação da Lei Maria da Penha na busca por diminuir a violência contra a mulher.

Se o rigor punitivo estatal fosse algo positivo, a pena de morte teria dado certo no Brasil, já que foi instituída há décadas entre as organizações criminosas e nada mudou no obituário do crime do Rio de Janeiro. A resposta para a criminalidade não está na ação sobre as consequências, mas no complexo combate às causas. Enquanto houver uma sociedade dividida em classes, a propriedade privada dos meios de produção for algo sagrado e o uso de drogas for criminalizado, essa divisão será inexoravelmente mediada pela violência e pelo fatiamento da cidade em facções.

Punir os delinquentes em nada atinge a delinquência, pois que apenas atua na rotatividade de quem comete os crimes; a matriz se mantém ilesa. A prisão dos milicianos e chefes do crime nada abala o controle das comunidades e a distribuição de drogas, pois que a estrutura já é montada levando em consideração essas trocas. A solução, desculpem a insistência, é o fim do capitalismo. Enquanto tivermos tamanha desproporção na distribuição da riqueza, o resultado será sempre a violência.

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Punir mais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou em 11 de janeiro de 2023, durante cerimônia de posse da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e dos Indígenas, Sônia Guajajara, projeto de lei que transforma o que antigamente era tipificado como injúria racial como “crime de racismo”. Esta proposta, já aprovada pelo Congresso em dezembro do ano passado, aumenta de 1 a 3 anos para 2 a 5 anos a pena de prisão pelo crime.

Um erro, mas apenas demonstra a influência destes grupos e que Lula possa estar se curvando ao poder dos identitários, fato que poderá causar problemas sérios no futuro. Os governos do PT no passado já foram um desastre punitivista, e creio que a lição não foi adequadamente aprendida. Durante os governos da esquerda nos vergamos aos apelos reacionários que acreditaram que endurecer leis e colocar trabalhadores e a população negra e pobre nas prisões poderiam trazer resultados sociais positivos.

Foi desastroso – e Lula sabe disso – e por estas iniciativas nos tornamos a terceira maior massa carcerária do planeta, sendo que a população negra representa 67% dos prisioneiros. É possível mesmo que Lula não concorde com essa perspectiva, mas a pressão à direita – do PT e fora dele – em seu governo parece ser insuportável. A ideia de combater racismo, homofobia e transfobia com novas leis e punições mais severas parte de uma visão ingênua e sem embasamento científico.

Punitivismo é exatamente isso: endurecer as leis (punir mais) que já existem ou criar novas punições. Não há dúvida alguma de que a população negra é segregada e vítima de violência, mas não (mais) pelas leis, e sim pela estrutura de exploração, herança da escravidão de mais três séculos neste país e de um modelo capitalista que necessita corpos negros para a produção. Entretanto, as ações antirracistas só vão prosperar associadas com a luta de classes; sem isso seremos obrigados continuamente a criar novas prisões e manteremos o problema da opressão do povo negro sem solução.

Não é necessário ser negro para perceber que o punitivismo é absolutamente inócuo e não diminuirá uma morte sequer, não protegerá a população negra da violência e muito menos terá capacidade para fazer desaparecer um aspecto nefasto da cultura como o racismo. A criação e o “endurecimento” dessas leis é prejudicial porque nos oferece a ilusão de que “algo está sendo feito”, quando, na verdade, essas ações são inúteis, criam distância ao invés de proximidade e falham em sua proposta de proteção aos vulneráveis. Seria suficiente entender esta questão quando observamos que leis como a Maria da Penha jamais desempenharam um papel na diminuição da violência fatal contra as mulheres, exatamente porque esta violência está imbricada na estrutura violenta e cruel da sociedade capitalista e a razão destas punições serem incapazes de corrigir este problema.

Apenas os incautos se surpreendem, já que esse tipo de proposta sempre surge da direita, as mesmas forças que acreditam na justiça burguesa, na ação protetora das cadeias e nas leis como motores sociais, o que é um erro comprovado por centenas de exemplos em todo o mundo. O mais recente e contundente foi o “three strikes” do governo Clinton, que multiplicou a população carcerária, destruiu a vida das pessoas envolvidas, enriqueceu advogados, criou presídios privados, atingiu a marca histórica de 1,9 milhões de encarcerados e não mudou em nada as taxas de criminalidade. Zero. Clinton precisou pedir desculpas públicas pelo erro de abraçar as teses punitivistas, mas quem foi a parcela da população que pagou caro por esse desastre? Por certo que mais uma vez foi a população negra e pobre do país mais rico do mundo. .

E quem vocês acreditam que será punido pela lei “antirracista” – que criminaliza a livre expressão, mesmo que ofensiva – sancionada pelo presidente Lula com toda a pompa e circunstância e com a presença dos representantes identitários em seu governo? O branco rico que regurgita disparates racistas? Ou será o branco pobre e excluído que, numa prosaica discussão de bar, chamará seu desafeto de “negão”?

Não sejamos tolos e ingênuos!! O punitivismo sempre recai sobre a cabeça do pobre!!! Para cada janotinha do agro que receberá uma punição, dezenas de trabalhadores pobres serão atingidos. O combate ao racismo sem luta de classes deságua fatalmente no identitarismo estéril. Aliás, exatamente o que desejam as instituições que dão apoio a estas lideranças agora agindo como “mentores” do governo petista, como a “Open Society” de George Soros e o IREE de Etchegoyen.

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Maria da Penha do Nascimento

Maria da Penha

Hoje eu tive um “visão”, mas provavelmente outras pessoas já pensaram nisso. Portanto, não se trata de reivindicar a autoria, mas apenas de falar de um pensamento que tive: nunca alguém teve a ideia de fazer uma lei “Maria da Penha do Nascimento”?

Não, não se trata do nome completo dela, mas de uma adaptação à realidade das maternidades brasileiras da lei que pune a violência e os abusos contra as mulheres. Assim, cada vez que uma mulher fosse impedida de ter o seu companheiro(a) ao lado no parto ela poderia denunciar com base em uma acusação de “violência contra a mulher”, que é exatamente do que trata o impedimento de um acompanhante durante um momento tão significativo e importante como o nascimento. Se uma episiotomia for realizada sem o consentimento informado (mesmo que de maneira informal e com testemunhas) o Ministério Público será acionado por se tratar igualmente de um abuso cometido contra a integridade física de uma mulher. Assim podemos categorizar inúmeros outros abusos contra as mulheres realizados impunemente em maternidades públicas e privadas de todo o país

Exagero?
Será mesmo?
Ou trata-se apenas levar esta lei às suas últimas consequências?
Qual a diferença entre espancar uma dona de casa ou torturar emocionalmente uma parturiente com abandono, episiotomias, Kristeller e enemas, procedimentos inúteis, não autorizados e desnecessários?

Não é apenas tiro, soco e pescoção que se constituem em violências. Existem outras, mais sutis e elaboradas, muitas até travestidas de gentilezas (“O senhor, por obséquio, aguarde na sala de recepção, pois o chefe de plantão não admite acompanhantes por falta de “espaço”). Muitas destas agressões passam desapercebidas para mulher e sua família à primeira vista. Entretanto, assim como um furto pode ser feito em salas refrigeradas e por senhores engravatados, as violências contra a mulher podem estar misturadas em rotinas, protocolos, posturas, atitudes e culturas locais, mas não deixam de ser menos danosas e violentas. Por uma sociedade mais justa, abolindo TODAS as violências contra a mulher.

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