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Leo Lins

O comediante Leo Lins foi condenado a 8 anos de prisão e 300 mil reais em multas por fazer piadas consideradas desrespeitosas com minorias, debochando de velhos, gays, crianças com deformidades físicas, etc. An questão não é se as piadas que ele conta são adequadas, boas, edificantes ou até respeitosas, mas se o Estado tem o direito de determinar que tipo de piadas podem ser contadas. A meu ver, e para muitas pessoas que não se deixaram seduzir pelo discurso identitário, ser preso por contar piadas é o fundo do poço da justiça autoritária brasileira. Parece certo que Juca Chaves tinha mais liberdade criativa durante a ditadura militar dos anos 60 do que um comediante atualmente.

Eu já assisti vídeos curtos das apresentações desse comediante e nunca gostei, e apenas por isso não assistirei a um show seu. Não gosto das piadas, acho apelativas e, acima de tudo, sem graça. Ou seja: não faço sobre elas uma análise moral, acho que lhes falta graça, humor. Entretanto, é óbvio que ninguém é obrigado assistir, muito menos gostar deste tipo de espetáculo, porém prender e multar alguém por contar piadas é absurdo, inaceitável, imoral e inconstitucional!! Conte a piada que quiser, só vai rir quem achar graça. Se acham inadequado, façam como eu: ignorem. Mais ainda: a ideia de tratar as minorias atingidas pelos chistes como “coitadinhos” que precisam ser protegidos de piadas não os ajuda. Esse é um modelo “maternal” que protege às custas da infantilização, e isso impede a conquista da maturidade. Quem deseja ser maduro deve renunciar às proteções excepcionais e fortalecer seu ego, ao invés de tentar impedir os gracejos alheios. Repito: essas proibições e criminalizações fazem mal aos grupos minoritários. Aqueles sujeitos ou grupos que desejam ascender à posição de protagonista necessitam abandonar a posição de vítimas (mesmo quando o são).

Creio ter deixado claro que a minha defesa é em tese. Eu já assisti vídeos desse humorista e percebi que no seu show ele força a barra. Tipo: vou contar uma piada de negro, gay, velho, mulher, deformidades físicas ou sobre lésbicas só para causar, para dizer que faço o que eu quiser, que brinco com qualquer coisa. Para mim soa falso e forçado; portanto, sem graça. Apesar disso, jamais aceitaria que esse tipo de piada fosse proibida, exatamente porque essa perspectiva proibicionista é comprovadamente inútil. As piadas do Juca Chaves (“comi muito a senhora sua mãe”) eram “proibidas” na minha juventude, mas na escola todos sabíamos de cor e salteado todas as “proibidonas”.

Tenho como uma regra de vida que nada pode criminalizar o humor. Nada mesmo. Pode fazer piada com qualquer coisa. Aliás, sobre assuntos delicados, o Ricky Gervais faz várias piadas em seu show; tudo depende do contexto. Estabelecer sacralidade sobre determinados assuntos é péssimo para ideias, propostas, a necessária transformação do mundo, as religiões, as personalidades, os grupos oprimidos e para as minorias. Proponho um exercício: imagine que seu filho Betinho chega no primeiro dia de escola, lugar onde as crianças exercitam tudo, inclusive a maldade. Todavia, seu filho nasceu com um problema: ele tem alopecia, é carequinha e não tem cabelo algum. Agora imagine a professora apresentando Betinho para a turma e dizendo “crianças, escutem: é proibido fazer piadas com o Betinho por ser careca”. Isso seria um desastre para o Betinho, pois seria excluído dos grupos e estaria sempre sendo visto como o protegido do sistema, infantilizado, sem desenvolver sistemas e estratégias de adaptação e proteção. O que a professora deveria fazer é não dar importância alguma para isso, reforçar sua autoestima, exaltar suas virtudes e ensiná-lo a se defender. Protegê-lo, como fazemos com as minorias por meio da lei, não ajuda esses grupos, muito menos o Betinho. Para muitos é difícil entender a perspectiva de quem diz que os grupos e os sujeitos – por si só – precisam desenvolver sistemas de proteção e defesa. Quem traduz o mundo pela visão materna terá sempre dificuldade para entender o mundo pela perspectiva da paternidade.

A proibição de gracejos sobre temas escolhidos (quem escolhe sobre o que se pode fazer piada?) seria a “lei seca” das piadas, que apenas as faz acontecer entre sussurros ou em locais fechados e seguros – e por esta razão mesmo elas se espalham. A sociedade não se move por decretos ou por proibições; só o que nos faz avançar é a lenta sedimentação de novos valores, que insidiosamente se espalham pela cultura. Proibir é mais do que inútil; isso amplifica a ação que se tenta combater. Por trás desse tipo de estratégia está a crença der que o judiciário pode modificar a cultura, quando a verdade é que ele apenas reflete os valores de determinadas culturas. A luta contra discriminações ou preconceitos não pode ser feita pelas leis, mas pela lenta sedimentação de valores na cultura. Compare este tipo de censura aplicada aos humoristas brasileiros com a liberdade dos comediantes de “stand up” como Ricky Gervais ou Dave Chappelle que fazem piada com tudo, literalmente qualquer coisa. Fazem até piada com abuso sexual(!!), mas sempre alertam para o cuidado especial com o contexto, o campo simbólico que envolve de significados qualquer anedota. Não gostar do tipo de piada é legítimo; proibir é abuso.

Minha discordância é que criar estas proibições, legislações e aumentar penas não defende as minorias, pois este tipo de ação jamais protegeu ninguém na história da humanidade. Repito: o que as proibições e as leis fizeram contra o nazismo, o álcool ou o comunismo? O que fará com o racismo? O que fará com o debate sobre o machismo? A resposta é clara: nada, pois o proibicionismo nunca produziu efeitos positivos na cultura. O que muitos pretendem é cercear a possibilidade de pensar, de expressar, de dizer piadas, mas é claro, só de alguns grupos. Não pode chamar de símio um grupo, mas pode chamar outro de gado.

E sobre as leis, acho que devem ser cumpridas. Quem desrespeitar as leis deve pagar sua dívida à sociedade. De toda maneira, sou contrário a qualquer lei que ataque a livre expressão de ideias e opiniões, por mais ofensivas que estas sejam, pela mesma razão que sou a favor de que qualquer partido tenha o direito de mostrar a cara e não se esconder em partidos de fachada.

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Próteses

O “Bebê Reborn” não é exatamente uma novidade; é a mesma crise com feições diferentes. Agora podemos criar bonecos que imitam de forma impressionante os bebês, em especial os recém-nascidos, mas antes disso vieram os comportamentos sociais compensatórios, os bichinhos domésticos e, entre eles, os indispensáveis gatinhos. Tudo isso para suprir uma pulsão extremamente forte que, na sociedade hedonista ocidental, sofre profunda repressão: a maternagem.

Quanto mais os cuidados dispensados aos filhos forem escasseando, por escolhas pessoais que não nos cabem julgar ou dificuldades específicas, mais prevalentes serão os derivativos culturais, seja com profissões que se esmeram no cuidado com os pequenos, com a adoção de animais de estimação ou mesmo usando próteses bem construídas para dar conta desse sentimento represado. Spielberg falou disso em “AI”, lembram?

Portanto, não se trata de debater se essa tendência é algo “certo ou errado”, mas de entender as raízes do fenômeno, suas razões profundas e inconscientes. Sim, existe comércio, exploração, moda, exibicionismo e sofrimento real, tudo junto e misturado, mas por baixo destas camadas existe um fenômeno social importante e que deveria ser estudado com mais rigor. Há um planejamento na estruturação da nossa espécie que não pode ser desprezado sem que sintomas apareçam à superfície. É fundamental que esse debate seja expandido e que as pessoas possam compreender a força impressionante dessas pulsões na estruturação dos sujeitos.

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Inferno

É perfeitamete justo chamar de “inferno” qualquer época da vida. Infância, adolescência, casamento, separação, viuvez, etc. Existem processos pelos quais não passei – e nem pretendo – mas é possível exercitar a empatia para captar sua beleza e seus desafios. Um deles é o puerpério. Por certo que os pais também passam por um processo transformativo, mas em nada se compara ao turbilhão psíquico, social, hormonal e espiritual que acontece com as recém-mães. Meu pai sempre dizia que “onde há dificuldade há grandeza”, e isso se aplica a essa etapa da vida.

Eu fiz o Caminho de Santiago há 6 anos e poderia, dependendo do interesse e do contexto, chamá-lo de “inferno” ou “paraíso”. A forma como nos referimos a esses processos diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre os eventos em si. Podemos olhar para as bolhas nos pés, as dores no joelho, as costas doloridas, as noites mal dormidas, os músculos esmigalhados e o cansaço e descrever como o reino de Hades. Por outro lado podemos olhar para as paisagens, os amigos, os companheiros de jornada, os novos parceiros, a vitória sobre os próprios limites e depois lembrar desta travessia como um dos momentos mais preciosos da vida. Somos nós quem determinamos…

Da mesma forma você pode olhar para o puerpério e dizer que se trata de um período infernal pelas inseguranças, pelas noites mal dormidas, pela angústia de não ser uma boa mãe, pelo medo de não cumprir as expectativas, pelo corpo desengonçado, pelo bebê sem limites e pelo seu choro sem hora e sem resposta. Por outro lado é possível olhar para as semanas que se seguem ao parto como o momento mais grandioso da vida de uma mulher, pela comunhão de corpos e almas, pela tarefa milenarmente construída da maternagem, pelas vitórias sobre seus limites e pela compreensão da grandeza da missão. É uma escolha.

Isso não significa negar as dificuldades e a complexidade dessa fase, mas apenas enxergá-las dentro de um contexto. Todas as funções maternas são encenadas em microcosmo no puerpério: paciência, confiança, resiliência, dedicação, e tantas outras, por isso ele é tão valioso na tarefa que ali se inicia e só termina com a morte física. Sim, pode ser inferno, mas pode ser paraíso se assim o desejarmos. Se a maior tarefa de uma mulher é ensinar seu filho a amar, e se essa pedagogia se inicia nos primeiros instantes em que ele desce à terra, seria injusto que a função mais nobre do feminino fosse descrita de forma tão restritiva, comparando-a à passagem pelo reino da solidão e do medo. Ela é muito mais do que isso; para além do que se pode expressar em palavras.

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Etarismo

Muitos casos tem nos mostrado um dilema evidente no nosso cotidiano: a proteção às pessoas de um determinado grupo supostamente oprimido (pessoas mais velhas, trans, gays, negros, etc) fatalmente as transforma em “pessoas especiais”, o que, ao meu ver, retira delas o protagonismo. Como já foi dito centenas de vezes, quem é vítima não pode ser protagonista; o primeiro é objeto enquanto o segundo é sujeito. Em diversas oportunidades vemos pessoas de mais idade tornando-se (ou sendo tratados como) sujeitos que precisam de “cuidado” e, portanto, incapazes de cuidar de si mesmos. Entretanto, existem muitas pessoas nesta faixa etária que se rebelam contra esse tipo de atitude, que em verdade dissimula uma perspectiva diminutiva fantasiada de “atenção”. Lembro muito bem do meu pai em férias que se negava a fazer “ginástica na praia” por medo de ser cuidado e tratado de forma carinhosa pelos professores, como se ele fosse um bebê incapaz de fazer os exercícios sem supervisão.

A proteção excessiva é a face cor de rosa da exclusão. Por isso a proteção abjeta à estudante de 44 anos fui um exemplo pedagógico de “suco de etarismo concentrado”. Lembrem apenas das crianças que recém aprenderam uma habilidade (amarrar os sapatos, por exemplo) e da sua reação indignada e saudável em direção à autonomia quando tentamos fazer isso por elas. “Eu não sou mais bebê”, dizem eles.

Estas ações também me fazem questionar a proteção oferecida às gestantes que, assim que acessam o hospital, são colocadas em cadeiras de rodas. Muitas são tratadas como “princesas”, sem se dar conta que esse tratamento de exceção apenas revela o (pré)conceito que temos delas. No hospital são vistas como deficientes, dotadas de “fraqueza”, “fragilidade”, e incompetência, algo que elas carregam pela sua essência feminina – fraca e dependente. Ou seja, não é possível empoderar e fortalecer a maternagem se continuarmos a tratar as mulheres – e em especial as gestantes – como bonecas frágeis que demandam cuidados especiais.

Michael Klein, um colega médico do Canadá 🍁 cuja esposa sofreu um grave acidente automobilístico, certa feita me contou sobre a trajetória de recuperação de sua esposa. Depois de se recuperar do acidente, e sabendo da sua condição de deficiência pelo resto da vida (ela ficou paraplégica), pediu ao marido que a deixasse sozinha por duas semanas na sua casa de campo. Disse a ele para não aparecer por lá em nenhuma circunstância. Garantiu a ele que tinha um sistema de emergência que seria acionado caso necessário, mas que não tinha interesse em usar. Precisava usar este período para provar para si mesma que era capaz de continuar a viver apesar de suas óbvias condições de dependência. Não desejava se colocar na posição cômoda de cobrar do mundo um cuidado especial. Seu objetivo era fugir da atitude sedutora “agora sou deficiente e mereço ser cuidada”. Não aceitava ser objeto de cuidado dos outros, mas conquistar autonomia para cuidar de si mesma. Ou seja, assumir a posição de sujeito, com limitações e dificuldades, mas sem desistir de alcançar autonomia e protagonismo em sua vida.

Eu fiquei indignado e triste com a atitude da estudante “velha”. Sim, velha, pois foi assim que ela mesma se reconheceu. Sua ação foi um desserviço para todas as outras mulheres maduras que chegam ao ensino superior, que a partir de agora serão tratadas como deficientes, incapazes de suportar as dificuldades que qualquer outro estudante precisa encarar. Fosse ela a esposa do meu colega e iria conversar com as meninas, explicar sua vida, mostrar suas conquistas, apresentar a família, convidar para um café, mostrar onde mora e criar proximidade com as garotas. Ou responderia de forma desaforada para as “pirralhas”, mas não se fecharia como uma ostra. Mostraria sua força e o quanto é forte para suportar por si mesma as críticas e gracejos inevitáveis na vida social. Infelizmente ela preferiu ser a princesa frágil que chamou o príncipe (o Estado, a Justiça burguesa) para resolver o problema por ela.

Para ver como esta questão pode ser vista com os olhos do humor, veja aqui

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Mães

Certa vez uma senhora, paciente de muitos anos, trouxe a sua filha adolescente para consultar comigo, mas pediu para entrar primeiro e dizer “umas palavrinhas” antes da consulta da garota. Ela então disse que achava que o namoro da filha com um rapaz da escola estava ficando muito “quente” e que seria bom ela tomar anticoncepcionais antes de ter relações, para evitar alguma “tragédia”.

O senhor sabe como é na idade dela…. eles são tão novinhos.

Perguntei se a filha já estava tendo relações ao que a mãe falou: “Não, ainda não. Se ela estivesse tendo eu saberia. Confio na minha filha; ela conta tudo para mim. Somos grandes amigas”.

Fiquei em silêncio e avisei a secretária para deixar a menina entrar e solicitei que a mãe aguardasse na recepção. A mãe saiu e quando cruzou com a filha no hall que leva à recepção porta elas se abraçaram afetuosamente.

A menina entrou e sorriu. Perguntei a ela se achava que deveria se preocupar com anticoncepção e ela respondeu afirmativamente. Questionei se ela já estava tendo relações sexuais ou era um plano para o futuro. Ela respondeu sem titubear:

– Ahh, não doutor. Tenho relações há dois anos, mas agora estou namorando firme. Mas, é claro, a minha mãe não sabe dessa história toda.

Deixou cair sobre o rosto um sorriso maroto. Eu, cá com meus botões, pensei “Jesus seja louvado”.

Quer saber o que me deixava em pânico no consultório? Quando uma mulher madura, mãe de adolescente, me dizia: “Não tenho segredos com a minha filha. Ela me conta tudo; sou sua melhor amiga. Nunca houve mentiras entre nós”.

Eu, silenciosamente, pensava: “Como você permitiu que sua filha perdesse a preciosidade de uma mãe para ganhar a banalidade de uma amiga??” Como diria o sujeito aquele que foi buscar duas garrafas de Coca Cola na geladeira, “mãe só tem uma”, já os amigos a gente cria, se desfaz, reconquista, troca, esquece ou mantém com fervor. São instâncias de afeto completamente distintas, com pesos diferentes na constituição sujeito.

Assisti faz tempo a uma famosa entrevista onde uma repórter pergunta para Madonna, no auge de sua fama, se haveria alguma coisa pela qual ela trocaria todo o dinheiro e reconhecimento que havia alcançado nos últimos anos. Sem trocar o sorriso do rosto a cantora exclamou, sem titubear: “Uma mãe”. Madonna perdeu sua mãe muito cedo vítima de um câncer.

Mas, para além disso, como exigir que uma adolescente tenha seus segredos, paixões, desejos e fantasias expostos ao julgamento da mãe? E, pior ainda, como expor os jovens aos dramas e às dificuldades da vida adulta, em especial os dilemas da vida sexual e amorosa dos pais? Poucas coisas são mais cruéis do que essa promiscuidade afetiva. A “amizade” entre mãe e filha me parece sempre um sintoma materno produzido pelas dificuldades de ver os filhos indo embora. A amizade lhes ofereceria uma ilusória proteção diante dos seus dramas pessoais; agarram-se aos filhos abrindo mão até da maternidade, pelo amparo de que tanto necessitam.

Lembro bem do orgulho que senti quando, caminhando pela rua com meus filhos pré-adolescentes, eu lhes disse: “Sentiram esse cheiro? Isso é maconha”. Eles se entreolharam e deram gargalhadas, deixando-me com cara de bobo, por imaginar que estivesse lhes contando uma novidade. Ali percebi que havia para eles um universo que era para mim interditado, próprio, privado e que eles jamais haviam me contado. Ao lado da tristeza de perdê-los tive o vislumbre de que a vida madura se expressa por esses “fracassos”, distanciamentos que se impõem, permitindo assim que as subjetividades prevaleçam.

Há muitos anos eu estava de plantão no hospital quando chegou uma senhora carregando um bebê e gritando desesperadamente pelos corredores. Ajudei a colocar a criança sobre uma cama e me surpreendi com o fato de que não era um bebê, mas um jovem de 19 anos (soube depois) com o tamanho de um bebê e com o corpo totalmente atrofiado por uma doença congênita. O jovem sucumbiu por uma pneumonia devastadora em minutos e tivemos apenas tempo de vê-lo expirar diante de nós; nenhuma ação teve efeito diante do quadro gravíssimo no qual chegou. Depois de comunicado o óbito, a mãe entrou em desespero e passou a atacar a equipe do hospital, sendo contida pelo marido que pedia que se acalmasse.

Passados alguns minutos, e mais tranquila, ela se desculpou e veio me dizer que aquele filho significava tudo na sua vida, toda sua atenção e devoção desde que nasceu. Ele demandava cuidados diários intensivos e até estafantes para ela. “Ele inclusive dormia comigo na cama, ao meu lado”, disse ela.

Naquele exato momento me dei conta das razões recônditas do desespero, que extrapolavam em muito a perda de um filho querido. Sem seu filho amado a lhe servir de escudo, como enfrentar agora os dilemas de sua vida afetiva e seu envelhecimento inexorável? Como encarar a vida a dois sem seu “bebê” a lhe garantir o amparo afetivo? Sem sua presença, como enfrentar as demandas que, por certo, haveriam de ocorrer?

A maternidade, pelo seu poder e seu significado na perspectiva da espécie humana, tem o poder mítico de produzir tanto as luzes mais fulgurantes quanto as trevas mais obscuras.

https://youtu.be/Zoi9lqmZjGk

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