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Sobre censura, abusos e filmes ruins

Percebo que nesse assunto – a censura de um filme do Danilo Gentili – estamos tocando na ferida moralista desse país. Nunca vi o filme e nem pretendo ver, mas proibições lembram a minha infância na ditadura militar e acho que o debate sobre a veiculação desse filme serviu apenas para tirar do esquecimento um filme chato pra caramba. Como princípio não aceito censura de jeito nenhum, e se o problema são as crianças, proíbam-no para menores de idade, mas permitam que as pessoas adultas façam suas escolhas, por mais estúpidas que sejam.

Ainda lembro uma manchete do Pasquim do início dos anos 80: “Estaremos maduros o suficiente para pentelhos?” na época em que os filmes no Brasil censuravam o “nu frontal”. Essa foi uma manchete sensacional que debochava da nossa infantilidade cultural e nossa renitente exaltação à censura. Posso apostar que deve haver documentos da época que justificavam essa censura afirmando que a liberação dos “pentelhos” poderia “estimular a violência sexual”. Hoje sabemos o quanto é tola a ideia de que algum pervertido vai realizar um estupro apenas por ver um filme miseravelmente erótico.

O mesmo eu posso dizer de alguém que vai praticar um crime – como abuso sexual da infância – apenas por ver uma porcaria de filme do Danilo Gentili. O ser humano não é tão facilmente condicionado assim. Fosse verdade, bastaria condicionar a todos contra cigarro, bebida, fumo e homossexualidade e todas essas manifestações desapareceriam, para a alegria dos moralistas e o desespero dos pastores evangélicos, que veriam seu mercado de curas milagrosas murchar da noite para o dia. Sabemos o quanto isso é ridículo.

Portanto, proibir este filme é um erro duplo: por abrir as porteiras – de novo!! – da censura por razões morais, e porque esta ação é absolutamente inútil. Nenhum efeito positivo pode surgir do proibicionismo – não esqueçam da Lei Seca e seu retumbante fracasso!! – a não ser fazer crescer o interesse por aquilo entendido como interdito. Os psicanalistas bem sabem o quanto uma porta trancada é importante para fomentar o desejo e as fantasias sexuais na infância. Querem apostar como um filme esquecido voltou a ser visto agora?

O problema é que o moralismo canhestro, uma das manifestações características do identitarismo, deixa claro que se você defende que obras ruins e sem graça tenham o direito de ser apresentadas (guardadas as limitações etárias) você estará fatalmente concordando com o conteúdo delas. Ou seja: se você se posiciona contra a censura de um filme que contém cenas que insinuam abusos você é a favor desses abusos, o que é simplesmente absurdo. Esses moralistas não conseguem entender uma defesa “em tese”, e confundem a “defesa do princípio” com a “defesa da causa”. Bastaria conhecer a frase de Evelyn Beatrice Hall que nos diz “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las” para entender que expressar-se livremente é um direito sagrado. Mutatis mutandis, posso discordar profundamente do filme chato do Gentili, mas acredito no seu direito de apresentá-lo para quem se interessa por assistir.

Para finalizar, eu me associo à indignação com a esquerda que pede cancelamentos, censura e apoia nazistas, mas sei o quanto este tipo de discurso autoritário é difícil de retirar das mentes contemporâneas.

PS: Eu avisei, mas os moralistas dessa nação formada por hordas infinitas de “irmãs Cajazeiras” não quiseram escutar. O filme, de tanto criticarem, agora está bombando, enchendo os bolsos de quem eles tanto criticavam. Lembro ainda do cancelamento massivo que recebi quando pedi para não ficarem fazendo propaganda enviesada do Rodrigo Constantino. Tem gente que custa a aprender.

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Arquivado em Pensamentos

Censura gringa

Dar a uma empresa americana o direito de censurar o que se fala no Brasil é uma tolice inaceitável e uma ação suicida. Uma burrice e um tiro no pé. Hoje é o idiota propagador de Fake News, mas amanhã será alguém da esquerda por liderar uma marcha contra o governo. Aplaudir esse cancelamento é como elogiar o Bonner por bater no Bolsonaro.

“Cria cuervos y ellos te comerán los ojos”

Nossa esquerda está recheada de liberais que não conseguem perceber a estupidez de armar os inimigos. Festejar ações do judiciário (como muitos fizeram com as ações de Moro na Lava Jato) ou das empresas americanas de mídia só porque circunstancialmente nos beneficiam é uma declaração inacreditável de imaturidade política.

Se você acha que o Alan dos Santos passou dos limites que seja julgado pela justiça brasileira e não por burocratas do Vale do Silício (ou gente contratada por eles). Se ele cometeu crimes que a lei brasileira o puna, mas que não seja apagado pelos critérios morais do Mark Zuckerberg!!!

Pessoas que lutam contra o apartheid de Israel e contra o genocídio palestino são continuamente censuradas no YouTube e no Facebook, sendo tratadas como “terroristas”, apenas porque o dono do Facebook é conhecido apoiador do estado de Israel. Mesmo os pacifistas são cancelados!!! A liberdade de expressão não pode estar sujeita ao humor e às paixões de um ou outro milionário.

Entendem agora como é grave dar a estes caras o poder de escolher quem eles “cancelam” e quem promovem?

Acordem liberais.

Os liberais infiltrados na esquerda são uma praga. Defensores da censura deveriam voltar para a escola para entender que nossa soberania não pode ser entregue a um fascistinha americano para ELE decidir o que pode ou não ser publicado aqui.

Se as TVs não podem falar o que quiserem – por serem concessões públicas – porque não usar a mesma regra para o Facebook? Por que permitir que uma narrativa americana e imperialista controle as mentes dos brasileiros?

Muitos agora se aprisionam à figura nefasta do Alan dos Santos e não conseguem perceber o monstro da censura gringa que está por trás. No esqueçam que Alan dos Santos é bolsonarista e trumpista, e todas as Big Techs do Vale do Silício apoiaram Biden. Não se pode admitir ingenuidade nessa guerra de narrativas.

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Arquivado em Política

Pela vida

Acho um desserviço e um erro grave continuarem chamando os defensores da legalização e da descriminalização do aborto de “Pró-aborto”, assim como os que lutam para manter a proibição e a ilegalidade de “Pró- vida”. Ninguém é pró-aborto. Somos todos “pró-vida”, a questão não é moral, maniqueísta ou uma batalha do bem contra o mal num roteiro de novela popular. Os termos mais corretos seriam “Pró-proibicão” e “Pró-legalização”. O resto é discurso moralista vazio.

Ben Carter-Smith, “Apologies, Mrs Cathy”, Ed. Baroque,  pág 135

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Primeira Emenda

Liberdade e escravidao

Percebo com pesar que no meio onde vivo apenas duas pessoas consideram o “First Amendment” uma peça civilizatória altamente correta e sofisticada: eu e o meu pai. Creio que esta coincidência se dá pelo fato de termos sido queimados em fogueiras vizinhas em um passado não muito distante por dizermos coisas que desagradaram certos poderosos. Apesar do tempo ter confirmado a correção de nossas afirmações a Verdade ainda é uma prova insuficiente para arrefecer as chamas inclementes.

Aqui, na parte de baixo do planeta, defender o direito sagrado que um idiota tem de dizer o que pensa significa o mesmo que associar-se à sua idiotia. Para a maioria das pessoas Charlie Hebdo devia ser calado porque – para elas – esculachar uma religião é errado; para mim não se pode calar a crítica e muito menos cercear a liberdade de expressão, mesmo que o preço seja alto e custoso. Defender Charlie NÃO é o mesmo que defender a islamofobia, mas significa a defesa da livre manifestação crítica, e o respeito ao direito de se expressar, mesmo de forma jocosa, sobre qualquer questão.

Talvez as minhas queimaduras tenham me proporcionado uma visão radical e mais firme sobre a importância fundamental da liberdade como propulsora da cultura, mas a verdade é que ainda não encontrei argumentos suficientemente fortes para me demover da opinião de que nenhum governo ou instância social pode proibir a livre manifestação de pensamentos, por piores que eles possam parecer. Prefiro o pagamento de qualquer preço, mas não posso aceitar que uma sociedade tenha possibilidade de evoluir amarrada por dogmatismos de qualquer natureza.

Mas, por aqui, só me cabe a resignação e o reconhecimento de que minha visão é francamente minoritária. As condenações que vejo às idiotias não tem o tom democrático que eu admiro. Eu acho que não se evolui nas ideias impedindo os outros de se manifestarem. O que devemos fazer é produzir um posicionamento FORTE e INTENSO contra posturas misóginas, racistas ou sexistas, mas não impedir a manifestação do contraditório, seja ele qual for. Não esqueça que o debate sobre o heliocentrismo já levou pessoas que o defendiam à fogueira apenas por pensarem de forma diversa do modelo hegemônico.

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Arquivado em Ativismo, Política