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Jornadas, uma década depois

Estive com a minha família nas jornadas de junho em 2013, mais por curiosidade do que por interesse em participar de algum ato político. Eu já tinha iniciado meu rompimento definitivo com o reformismo e com a esquerda liberal, portanto não trazia comigo muita fé nas manifestações limpinhas da classe média. Chegando ao lado do Palácio do Governo a população se aglomerava enquanto se ouviam os gritos de “chega”, “abaixo a corrupção”, “não é pelos 20 centavos” entre outros bordões, que se tornaram famosos à época. Havia um nítido entusiasmo juvenil, parecido com o movimento surgido poucos anos depois que defendia o uso de shorts curtos pelas meninas de uma escola burguesa da capital do Estado. Confundíamos a puerilidade das liberdades burguesas com exercício da cidadania.

Na rua estava a classe média. Não havia operários serventes, trabalhadores, empregadas ou faxineiras. Claro, havia pobres, mas estes aproveitavam para vender refrigerante e cachorro quente para os jovens da pequena burguesia. Entrementes, algo me chamou a atenção logo que cheguei ao evento: percebi uma estrutura organizada para receber os inflamados discursos, o que deixava claro a existência de uma fonte de recursos que promovia o evento. “Quem paga?” perguntei retoricamente, recebendo de todos o silêncio como resposta.

Subindo pela rua que fica ao lado do fórum em direção à praça da Matriz, eu vi um pequeno grupo de não mais do que meia dizia de jovens tentar desenrolar uma grande bandeira vermelha com duas ferramentas pintadas de amarelo cruzadas ao centro. Foram imediatamente impedidos de fazê-lo por um grupo bem maior de transeuntes que seguiam na mesma direção. O grito deles ecoa até hoje: “Sem partido, sem partido”, gritavam. Para minha surpresa o grito percorria como eco pelas redondezas, chocando-se com as paredes externas da catedral e atingindo com força o Palácio do Governo onde, à frente, erguia-se o palanque. Como assim “sem partido”? Por que haveria a necessidade de bloquear a paixão partidária, a perspectiva política que unia os sonhos de grupos de cidadãos? E por qual razão estávamos todos juntos em manifestação? Contra o quê? Contra quem? Por qual ideal?

Para um bom observador seria fácil entender que a luta era contra a própria política. Foi nessas manifestações que surgiu o MBL, um movimento de direita, que surgiu à margem dos partidos, cuja intenção era expurgar a esquerda do cenário nacional através das redes sociais, das mentiras repetidas “ad nauseam”, das “fake news”, do deboche, do ataque ao feminismo, às liberdades civis e com uma paixão explícita ao neoliberalismo. Apesar de ter surgido fora das organizações partidárias, logo depois seus representantes se uniram aos partidos tradicionais da direita brasileira. “Sem partido, se for de esquerda e popular; se for partido burguês está liberado“. Não só isso; eles foram partícipes diretos do golpe de 2016 emprestando apoio a Eduardo Cunha e aos atos a favor do impeachment fraudulento. O cerne das reivindicações era destruir a própria política, transformando-a em uma prática tecnocrática bem afeita ao “fim da história”.

Os avanços da esquerda com os governos de Lula e Dilma se tornaram insuportáveis à burguesia. Não havia como aceitar o risco de que, findo o governo Dilma, o PT lançasse uma nova candidatura e completasse duas décadas de poder. Havia que se criar um ataque moral à esquerda, pois que era difícil criticar governos que haviam produzido uma melhora significativa em todos os parâmetros da vida nacional. Assim como os ataques à Getúlio, Juscelino e Jango o foco seria a moralidade, o “mar de lama”, a roubalheira, a sujeira ética. Não foi possível com o mensalão, mas seguiria com as “pedaladas” e depois com o Triplex e o sítio de Atibaia. O sucesso dos seguidos ataques nos levou a seis anos de retrocessos com Temer e Bolsonaro, e a destruição de inúmeras conquistas populares.

Existem duas vertentes na esquerda para explicar as jornadas. A primeira diz que as manifestações foram orgânicas, fruto da insatisfação popular, mas que saíram do controle e foram sequestradas pela direita, pelos agentes da burguesia e pelo mercado financeiro. A outra vertente é que as “jornadas” foram desde o início pontas de lança para o golpe, organizadas desde o princípio para tal, assim como as primaveras coloridas, as manifestações na Praça da Paz, o Euromaidan e todas as outras iniciativas imperialistas pelo mundo afora. Ou seja, havia um dedo da CIA nas manifestações, da concepção estratégica à execução.

Eu não tenho mais nenhuma ilusão quanto à capacidade do Império de financiar golpes, por isso acredito que eles estiveram por trás dessas iniciativas desde o seu surgimento. Escolha você em qual perspectiva prefere acreditar. Eu creio, como Lula, que por pior que possa parecer à vista desarmada, não há solução melhor para um país que não passe pela política. Suprimi-la, por seus inquestionáveis defeitos, significa abdicar da própria vida democrática.

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Sonhos desmoronados

Há alguns anos acompanhei o sucesso meteórico dos garotos do MBL e me convenci que esse resultado era devido a algo eles tinham e que faltava à esquerda. Sim, sobrava eles uma atitude propositiva, nova e divertida, que prometia a quem se juntava a eles a possibilidade de entrar no mundo dos vencedores. Na esquerda eu via culpa, ressentimento, o estímulo aos cancelamentos, ódio aos opressores, censura e o moralismo identitário. Culpa cristã por todo o lado e um gozo vitimista. Era óbvio que esse jogo nós íamos perder.

Esses garotos neoliberais do MBL foram eleitos. Tiveram milhares de votos. Alguns ficaram ricos. A fábrica de fake news que eles possuíam era também uma engrenagem de engajamento midiático, o que levava ao culto de personalidades e dinheiro, bastante dinheiro.

Agora, o castelo de areia que eles construíram nos últimos 9 anos começa a desmoronar. Renan foi “dedurado” sobre o “tour de blonde” no leste europeu. Rolidei está isolado em São Paulo. Kim está envolvido no “caso Monark”. Alan dos Santos está foragido e Arthur “Mamãe Falei” esta soterrado pelo escândalo de suas gravações sobre as mulheres da Ucrânia, algo difícil de perdoar pela grosseria e insensibilidade. Não acredito que possa se recuperar. Todos eles agora estão envolvidos em pequenos e grandes escândalos.

O episódio lembrou um sistema de pirâmide. Durante algum tempo as pessoas se entusiasmam com as promessas e passam adiante o esquema. Num determinado momento as pessoas da ponta se dão conta do engodo em que foram envolvidas e pedem o resgate do seu dinheiro. Como o dinheiro já desapareceu, de uma hora para outra tudo desaba. O MBL era apenas essa proposta arrogante e vazia de conquistar as mentes com a ferramenta das mentiras e do neoliberalismo sem freios, mas não havia um real substrato que sustentasse tais propostas. Agora, tudo desabou.

Eu não gosto de linchamento midiáticos; eles me fazem muito mal. Quando Eduardo Cunha foi cassado eu estava num aeroporto na Escócia com meu filho e – apesar de Eduardo Cunha se tratar de um crápula – eu me senti mal com sua desgraça. Agora, procuro não me associar ao gozo da vingança contra esses garotos, mas não posso deixar de pensar que esse final era mais do que previsível.

Por outro lado, penso que fizemos algo de muito errado enquanto sociedade quando permitimos que um sujeito como Arthur tenha sido escolhido como representante por milhares de pessoas em seu estado. Nossa sociedade está doente e a emergência desses meninos do MBL no cenário nacional é um sintoma evidente dessa enfermidade. A falta de empatia diante de uma situação de guerra – onde impera o instinto de sobrevivência e a miséria humana transparece nos conflitos – é chocante e desumana.

Como é possível estar no meio de uma guerra e olhar para as pessoas de forma tão objetual?

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Alianças

Tenho pensado muito no significado destas instituições internacionais de “ajuda” como a “Fundação Bill & Melinda Gates” e a “Open Society” porque entendo o quanto a injeção de dinheiro do capitalismo transnacional pode ser sedutor para os empreendedores sociais – no Brasil e no mundo todo. Muitos desses grupos – alguns deles eu conheci de perto – precisam desesperadamente de verba para levar adiante seus projetos. Esses patrocínios são, muitas vezes, a diferença entre a existência ou não uma ação social, e por isso mesmo são tão disputados.

Mostrar-se contra o recebimento de dinheiro (tanto quanto comer sabão em barra) é apanágio dos loucos, insanos e desmiolados. Questionar uma quantia de grana que pode auxiliar uma obra social honesta e necessária parece um ato sem sentido. Não?

Nem sempre. Perguntem aos defensores amamentação se aceitariam o patrocínio da Nestlé para algum projeto de estímulo ao aleitamento materno. Perguntem aos grupos da ecologia se uma verba da Monsanto seria bem vinda para recuperação de uma floresta. Que dizer do financiamento de um conhecido contraventor para uma campanha de um político? Eu poderia citar vários outros exemplos de empresas e indivíduos cujas ações mostraram-se tão profundamente danosas à sociedade a ponto de ser natural negarmos qualquer conexão com elas, mesmo quando o oferecimento de recursos não pressupõe qualquer contrapartida objetiva ou explícita. A diferença neste caso está que nós sabemos quem são essas empresas e não permitimos que um benefício em curto prazo possa manchar nossa reputação em longo prazo, ou empoderar ainda mais esses gigantes capitalistas.

A analogia que me ocorre é que aceitar este auxílio se assemelha a subir ao palanque com o MBL e a direita comportada. Se na superfície pode parecer benéfico para um objetivo imediato – forçar a saída do presidente fascista – quando investigamos em profundidade percebemos que poderemos estar abrindo espaço para a direita golpista que, por sua vez, tentará “manter o Bolsonarismo sem Bolsonaro“, culminando com a proposição de um nome nas eleições ligado ao neoliberalismo predatório, mas com bons modos à mesa. Não esqueçam que essa direita que agora brada contra Bolsonaro foi a Ficha 1 nos golpes sucessivos contra a nossa democracia.

Ligar-se ao capital abutre das instituições liberais filantrópicas significa aceitar que o capitalismo internacional e concentrador de renda continue a controlar a forma como o terceiro setor atua no país. Afastar-se desse dinheiro é uma questão de princípios, de independência e de autonomia. Pode trazer dificuldades em curto prazo, mas oferece a consciência limpa na longa caminhada.

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Manifestação

“Não havia nada de sincero nessa manifestação do dia 26/03.  Nenhuma das pautas era verdadeira. Se houvesse interesse em combater a corrupção não teriam colocado Temer e tirado Dilma que, junto com Lula, deu toda a liberdade para os exibicionistas da PF e os fanáticos religiosos do MP. Colocaram Temer e toda a camarilha no poder, os mesmo que, junto com Cunha, boicotaram o governo Dilma desde o primeiro dia do segundo mandato.

O movimento de domingo foi contra Lula que SÓ CRESCE NAS PESQUISAS. Foi contra o “comunismo” (leia-se justiça social) e a favor de Temer (era proibido falar mal dele). Por isso mesmo foi um gigantesco fiasco e uma humilhação terrível para o MBL que tende a desaparecer por ser um movimento de aluguel cujo único objetivo era dar uma cara popular ao golpe. Morrerá pela ausência de substância e pela falta de caráter dos fantoches do instituto Millennium.

E quem teria coragem de se associar aos velhos brancos, frustrados e impotentes, viúvas de militares e outros alienados que – pelo fetiche de serem escravos – pedem a volta da ditadura militar?”

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