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Nu com a mão no bolso

Em Barcelona a nudez não é criminalizada. Esta é uma postura da cidade muito antiga, conhecida por todos que a visitam. Se você quiser pode andar pelado na rua sem que isso seja tratado como delito. Existe um barcelonês (foto) peladão que ficou famoso por tatuar suas nádegas como se fosse um calção e que circula pela Rambla todos os dias. Ou seja: a nudez é um direito dos cidadãos e ninguém pode ser admoestado, criticado ou processado por andar nu. Também no norte da Europa, em especial na Suécia, é comum ver estudantes adolescentes (meninos e meninas) correndo nus pela rua festejando a chegada da primavera, como uma diversão juvenil, sem que isso seja visto como atentado ao pudor.

Enquanto isso, no Brasil, uma mulher foi presa por transitar pelo congresso em Brasília vestindo apenas a sua própria pele. Aqui, na minha cidade, o mesmo aconteceu há alguns anos com uma moça que adentrou um shopping usando sobre o corpo apenas batom e o esmalte das unhas. Ambas foram cercadas imediatamente, cobertas, levadas à delegacia e tratadas como criminosas. Afinal, como ousam desafiar os costumes mostrando suas vergonhas em público? Por certo que, fossem homens, e ainda levariam pipocos e um sonífero mata-leão. Caso alguma dessas cenas viesse a passar na televisão de Barcelona por certo que seus habitantes se espantariam com a ação policial em um caso de nudez. Alguns teriam mesmo se horrorizado com a atitude bárbara de agentes do Estado prendendo cidadãs apenas por terem passeado nuas pela cidade. “Por acaso o corpo é indecente, imoral ou agressivo aos olhos?”, perguntariam. “Não nascemos todos nus? Não andam nus os indígenas e os pequenos?”

No outro lado do mundo mulheres são criticadas e algumas até presas por não usarem o véu. Quando acontece no Irã muito se noticia cada vez que uma mulher sofre algum tipo de violência, física ou moral, por se contrapor aos costumes vigentes e à etiqueta islâmica ao vestir. Os jornais ocidentais escrevem infinitas colunas e imprimem manchetes escandalosas descrevendo a sociedade iraniana como machista, desrespeitosa com as mulheres e cerceadora de suas liberdades. Aqui no ocidente acreditamos ser esta uma violação inaceitável ao direito das mulheres – ou das pessoas em geral – de se vestirem como desejam. Criticamos, atacamos e acusamos os iranianos de serem machistas, atrasados e misóginos, porque não aceitamos que a sociedade determine o que uma mulher pode usar para se cobrir – ou não.

Para um sujeito de Barcelona deve ser confuso nos ver apontando os dedos acusatórios para a cultura iraniana por fazer – em essência – exatamente o mesmo que nós. O que os peitos e as nádegas têm de proibitivo aqui, as madeixas tem por lá. No fim, será sempre a tentativa de cercear a liberdade do outro de se expressar como bem entender. Somos diferentes na superfície e naquilo que censuramos, mas na essência somos por demais semelhantes.

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Futebol de mulheres

Quando eu era estudante de medicina tive como colega um rapaz que foi trabalhar com futebol. Coube a ele ser auxiliar do departamento de futebol feminino de um clube da capital. Por convite dele comecei a assistir as partidas de futebol feminino da minha cidade que, naquela época, passavam na TV local (TVCom, talvez?). Bem, há 40 anos o futebol feminino era praticamente um espetáculo humorístico. As meninas não tinham a mais leve noção de como se pratica futebol. Passes errados, chutes ridículos, erros na interpretação de regras simples e total falta de preparo físico. Pareciam crianças de 4-5 anos jogando na pracinha. Uma coisa que me chamava muito a atenção ao assistir os jogos era a quantidade de vezes que se estatelavam no campo e chamavam os médicos – no caso, o meu colega. Ele me contou que faziam isso porque lhes parecia uma boa ideia para descansar, mas também porque “tinham direito”.

Hoje em dia é fácil perceber o quanto o futebol feminino evoluiu, e me arrisco a dizer que é a prática esportiva que mais progrediu nos últimos anos. Em nenhum outro esporte popular se constatou tamanha diferença estética, técnica, tática e física do que no futebol feminino. Apesar dessa inegável evolução, é equivocado tentar fazer paralelos com o futebol masculino, porque são “reinos” distintos. O futebol que as melhores jogadoras do mundo praticam é equivalente ao futebol de meninos de menos de 15 anos, que sequer terminaram a puberdade. Um século e meio de prática entre os homens e as notáveis diferenças físicas são determinantes.

Usando os mesmos argumentos morais que via de regra aparecem nos debates, alguns defensores do futebol feminino afirmam que nenhuma jogadora se joga ao solo simulando lesões como Neymar (vide ao lado). A verdade é que nenhuma jogadora sabe explorar a torcida e condicionar a arbitragem como Neymar – e outros tantos craques do futebol – o fazem. Todavia, no dia em que houver torcida, pressão, dinheiro “de verdade” e emoção à flor da pele as mulheres serão levadas a aprender esse recurso. Com o tempo as mulheres aprenderam a usar o recurso da violência, porque seria diferente com a catimba?

Por outro lado, a idealização do futebol feminino ainda é muito irracional. Apenas analisem dessa forma: na várzea e nos jogos entre amigos de fim de semana também não há jogador que fica rolando no gramado e as faltas nunca são teatralizadas, mas é porque se trata de várzea mesmo, se joga por cerveja, por diversão – ou por nada. No profissionalismo – onde as mulheres recém estão chegando – é muito diferente; os valores são distintos e as pressões incomparavelmente mais fortes. E basta ver cinco minutos de jogos de mulheres para ver como elas estão aos poucos se adaptando ao “ethos” do futebol, com faltas, violência e a famosa malandragem, inclusive essa de ficar rolando no gramado após uma falta para condicionar o juiz.

Aliás, nenhuma jogadora apanha 10% do que o Neymar apanha, e não fazem isso porque são mais éticas, educadas, compreensivas ou corretas. Não, isso não acontece apenas porque até para bater é preciso experiência. A distância entre o futebol dos homens é física, por certo, mas também é temporal. Faltam muitos anos de prática para o futebol das mulheres se tornar semelhante ao masculino. No momento eles são tão distantes que é injusto comparar os jogos, traçando paralelos entre o que ocorre nos jogos dos homens e das mulheres, pois isso só serve para desmerecer a incrível evolução que ocorreu nos últimos anos no futebol feminino.

Digo sobre o futebol feminino o mesmo que digo sobre qualquer conquista feminina: achar que o futebol feminino ficará melhor desmerecendo o futebol e os craques masculinos é um erro absurdo, que gera ressentimento e afasta aqueles que admiram futebol praticado por mulheres. Melhor é fazer como a empresa francesa de telefonia Orange, que mostrou como é possível fazer o grande contingente de torcedores do futebol masculino admirarem o futebol cada vez mais técnico e vistoso das mulheres.

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Cultos

Preso no hotel fico estarrecido com os programas religiosos na Internet. Existem dezenas de canais evangélicos na TV com cultos dos mais variados. Não sabia dessa abundância. Este que eu estava assistindo chama-se “Milagres na TV” e se baseia em curas. O que me chama a atenção é a estética do programa. A foto abaixo parece ter sido tirada em uma sinagoga; os homens usam quipá e as mulheres mantos brancos. As músicas falam de “destruir o inimigo; não restará nenhum de pé”.

As ligações telefônicas ao bispo contém pedidos de melhora financeira e “ânimo” para conseguir um emprego. As palavras do bispo são: “se você está de pé seu inimigo deve estar no chão. No mundo espiritual é que lutamos pela vida espiritual e financeira e pelos nossos sonhos de consumo”. Claro, isso os coloca como “gate keepers”, aqueles que podem (ou não) abrir as portas para essas “felicidades”.

Os pastores são incríveis, num perfeito sincretismo religioso bem brasileiro. Um deles falou “somos ensinados sobre a tricotomia corpo, alma e espírito”. Sim, “tricotomia”. Depois fala que a alma também é chamada “perispírito”, um termo que não aparece na Bíblia, mas foi retirada do discurso espiritualista.

Todo o discurso é baseado na guerra, nos exércitos de Deus na luta contra o diabo. Diz ele que quem não entende isso nunca estudou “angeologia”, ou o “estudo dos anjos”. Quase não se fala em Jesus, tudo é sobre Deus e o velho testamento. A “boa nova” é abolida para tirar a poeira do velho testamento. A metáfora mais usada é David e Golias. Ahhh, dízimistas (que pagam dízimo à igreja) tem favores especiais de Deus, mesmo que Ele nos ame de forma igual. Sei…

Até bandeira de Israel tem…

É o que se poderia chamar de “desmoralização da religião”: uma religião sem “moral”; pragmática (emprego, dinheiro, casamento, álcool, drogas) e assentada sobre valores outros que não os morais e espirituais, refutando a busca da elevação através da reforma íntima.

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