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Massacres cotidianos

Já pensaram como deve ser o massacre contra meninos pretos e pobres diante das acusações – por vezes levianas e sem sustentação – nos juizados pelo Brasil afora? Se nos Estados Unidos, onde os direitos humanos e a proteção aos réus é mais solidificado, existem casos brutais de condenações motivadas por raça e classe social (como o caso de George Stinney na foto acima), imaginem como deve ser o desrespeito, o racismo e o preconceito de classe contra esses jovens aqui no Brasil. Quantos jovens estarão encarcerados agora apenas por sua cor? Quantos meninos estão hoje atrás das grades apenas como punição para a condição de pobreza a que são submetidos?

O punitivismo – de qualquer tipo – é um câncer da direita que infecta até as alas liberais da esquerda. Precisa ser extirpado, destruído e esquecido, porque se baseia num conceito de sociedade dividido entre “bons e maus”, de viés essencialista e moralista, que nega os contextos sociais na produção dos delitos e do crime.

O abolicionismo penal entende que, para alguns tipos de crime, ainda não temos recurso melhor do que o afastamento da sociedade. Entretanto, a visão abolicionista prega que a ideologia da punição e do castigo é absolutamente ineficiente para diminuir a criminalidade e para gerar uma sociedade de paz. Só a equidade e a justiça social serão capazes disso. E para este fim precisaremos de um esforço pela paz, pois sem paz continuaremos divididos e em eterna guerra.

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Arquivado em Pensamentos, Violência

Sobre as perseguições

A verdade é que os homens sempre foram perseguidos pelo seu conhecimento, suas ideias e descobertas. Grandes nomes como Freud, Marx, Nietzsche, Giordano, Galilei etc. sofreram pela qualidade e profundidade da sua obra e pela ameaça que instituíram aos poderes constituídos. A diferença sobre as mulheres é que, para elas, o conhecimento em si, já seria ameaçante a despeito ou inobstante sua qualidade. Mulheres no comando significariam um “enfraquecimento” da sociedade, de acordo com a forma de domínio do patriarcado. Por isso é que as bruxas eram sacrificadas, curandeiras e parteiras perseguidas, pois representavam a exaltação de um “poder feminino”, que para o patriarcado parecia degradante e perigoso.

Isso é, para os homens era necessário que seu conhecimento fosse uma real ameaça ao sistema dominante, seja com Freud ao desbancar a razão como norteadora das ações, seja com Galilei ao afrontar a igreja ao questionar o geocentrismo ou com Darwin ao estabelecer o homem como tão somente mais um participante da vasta natureza, e não o ápice da criação. O conhecimento só poderia ser aceito se validasse o modelo hegemônico; caso se opusesse seria atacado, assim como seu mensageiro.

Já para as mulheres bastaria sua condição feminina para que fossem atacadas. Uma mulher inteligente e racional agride o patriarcado pois que oferece uma prova de que sua essência não é apenas como parideira, e que às mulheres podem ser reservados outros lugares que não apenas os de matriz. Por isso creio que mulheres foram atacadas durante toda a história como os homens o foram. Todavia, apenas elas foram atacadas por sua condição de mulher, exatamente porque o modelo social não admitiria uma reversão dos papéis a elas impostos.

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Sexismo

E Obama não parou por aí: segundo o político, as mulheres não são perfeitas, mas são “indiscutivelmente melhores” que os homens. Obama, que foi presidente dos EUA de 2009 a 2017, afirmou que ele começou a refletir a respeito disso enquanto estava no cargo. Tenho certeza absoluta de que, por dois anos, se todas as nações do mundo fossem governadas por mulheres, vocês veriam uma melhoria significativa em todos os aspectos, em quase tudo… Padrões de vida e resultados”, completou Obama.

Veja a matéria completa aqui

Imagine o que aconteceria se Bolsonaro dissesse a mesma frase colocando os homens como “indiscutivelmente” superiores às mulheres, sem QUALQUER embasamento científico – ou mesmo empírico – para fazer tal afirmação. Seria chamado de sexista, certo?

Então eu ouço muita gente dizendo: “Mas acho sim que o mundo se beneficiária se houvesse mais igualdade entre homens e mulheres, precisamos do olhar da voz , força e garra das mulheres”.

Não há como discordar dessa proposta – ou mesmo este pedido. Entretanto, não foi isso que o Obama disse. Ele deixou claro que o mundo seria melhor se estivesse nas mãos das mulheres, se elas governassem todos os países, o que é uma frase claramente sexista e preconceituosa. Aliás, nossa experiência prova EXATAMENTE o contrário disso. Mostre onde Margareth Thatcher melhorou a vida dos ingleses com o garrote do neoliberalismo. Não esqueça que a última guerra que tivemos no continente sul-americano foi determinada por esta mulher – e foi um massacre tipicamente britânico. Mostre o que o sionismo fanático de Golda Meyr produziu para a paz na Palestina. Mostre onde Bachelet, Cristina ou Dilma produziram RUPTURAS na ordem vigente a ponto de se destacarem como exemplos de uma administração diferente e inovadora (e veja, sou fã das três).

A frase de Obama é BISCOITEIRA. É para mendigar likes apostando no sexismo. É para parecer um defensor das mulheres quando em verdade está sendo sexista ao apontar uma vantagem (ou superioridade) administrativa ou (pior ainda) MORAL das mulheres sobre os homens.

Não há dúvidas no fato de que estes cargos políticos deveriam ser divididos de forma mais equânime. Não é sequer necessário debater que o mundo se beneficiaria se houvesse mais igualdade entre homens e mulheres na condução dos seus países. Eu mesmo, há muitos anos, só voto em mulheres para que haja um equilíbrio maior nos governos, mas JAMAIS por achar que elas são melhores do que os homens, e sim por considerá-las IGUAIS e, apesar disso, pouco representadas. O equilíbrio nos órgãos de comando político – assim como na justiça, na medicina e nas artes – deve acontecer porque homens e mulheres são EQUIVALENTES em suas capacidades intelectivas e morais e não porque as mulheres são “superiores”. Afirmar isso é tão preconceituoso quanto dizer que elas são inferiores.

Eu pergunto: onde está a superioridade de Joice, Bia Kicis, Carla Zambelli, Ana Amélia e tantas outras mulheres na política que apoiam um fascista como Bolsonaro? Ora… eu lhe respondo: no mesmo lugar onde estão os homens, pois que são iguais em suas virtudes e seus defeitos.

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Terraplanismos

Mais de uma pessoa da minha bolha de mídia social olhou para o cartaz abaixo e observou que os palestrantes são todos homens. A insinuação é clara: só homens são estúpidos o suficiente para acreditar em terraplanismo.

Eu iria mais adiante: são todos brancos e heterossexuais; alguém explica? Assim sendo, por esse fato relevante e incontestavel, podemos afirmar a superioridade moral e intelectual de mulheres, negros e gays sobre a escória planetária: homens brancos heterosexuais.

Certo?

Eu ia puxar a lista de prêmios Nobel do ano passado, onde a imensa maioria é feita de homens também. Isso significa que…

Significa que preconceito de gênero tem duas mãos e que a existência de “opressores e oprimidos” não impõem que usemos as mesmas armas que causam e mantém a opressão sobre determinados grupos. Insinuar que os homens são mais idiotas e as mulheres mais sábias – e vice-versa – apenas mantém vivo e resplandecente o preconceito e o olhar negativo sobre o “gênero de lá”, o outro, o que “não somos nós”.

É possível fazer crítica de gênero sem essencialismos morais ou intelectuais. É possível criticar de forna insistente e intensa o preconceito com as mulheres cientistas – por construções históricas do patriarcado – sem insinuar que mulheres são mais inteligentes (ou menos ignorantes) que seus parceiros homens. Fica a questão: por que é tão difícil assumir que somos iguais nesse terreno? Por que seria preciso diminuir o outro gênero para enaltecer o nosso?

Os estudiosos da terra plana (sim, eles estudam o tema) podem estar errados e confusos sobre suas crenças, mas não o fazem por serem homens, mas por serem crédulos, e a credulidade não ataca apenas portadores de cromossomas Y.

A tolice e a excelência – ao que tudo indica – tem uma distribuição bem democrática na nossa espécie. Por esta razão vejo com igual gravidade tais manifestações preconceituosas e as antigas piadas que associavam a burrice com a tonalidade do cabelo de algumas mulheres. Não vejo sentido em continuarmos a estimular tais comportamentos.

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Heroes

The acknowledgement of the importance of male partners in the struggle for better births is essential exactly because we all live in patriarchal societies. It’s natural for women in this kind of society to know their own strength, but it is unusual for men in a chauvinistic culture to see – thru the mist of male dominance – the pure and amazing power women have during childbirth.

In other words, it is much easier for women to see that reality than for a male obstetrician, in a masculine and interventionist profession, inside a male and chauvinistic culture and against the opinions of his colleagues, professors and even the women he assists. Instead of criticizing the attention that these rebels receive from the humanistic field women activist should welcome their decision in choosing the women’s perspective in childbirth. All male obstetricians I know face prejudice and explicit attacks from their peers, and some – like me – lose their licenses to practice because of their willingness to honor women’s full autonomy in birth.

These guys all over the world have a hard time with the medical Mafia and the cesarean industry, but continue to fight for the right for every woman to have a doula and a midwife at their side. Even thou we should honor and embrace all women around the world, which help other women to give birth for thousands of years, it is important to recognize the “good guys” that fight the system from inside.

It is sad to read women writing “men are inferior creatures”. My question is “do women actually say that to their boys”?

It is also sad to see women doing the same mistakes and using the same prejudices in their words that we men did for centuries.


O reconhecimento da importância dos parceiros masculinos na luta por melhores nascimentos é essencial, exatamente porque todos nós vivemos em sociedades patriarcais. É natural que as mulheres neste tipo de sociedade conheçam suas próprias forças, mas é incomum que os homens em uma cultura machista vejam – através do olhar do domínio masculino – o poder puro e surpreendente que as mulheres têm durante o parto.

Em outras palavras, é muito mais fácil para as mulheres ver essa realidade do que para um obstetra homem, numa profissão masculina e intervencionista, dentro de uma cultura machista e contra as opiniões de seus próprios colegas, professores e até mesmo das mulheres que ele ajuda. Em vez de criticar a atenção que esses rebeldes recebem do campo humanista, as ativistas do parto deveriam acolher sua decisão pela escolha da perspectiva das mulheres no parto. Todos os obstetras homens que conheço enfrentam preconceitos e ataques explícitos de seus pares, e alguns – como eu – perdem suas licenças para praticar por causa de sua disposição de honrar a plena autonomia das mulheres no nascimento.

Esses médicos em todo o mundo têm dificuldades com a máfia médica e a indústria das cesarianas, mas continuam a lutar pelo direito de toda mulher ter uma doula e uma parteira ao seu lado. É certo que deveríamos honrar e abraçar todas as mulheres ao redor do mundo que ajudam outras mulheres a parir – por milhares de anos – mas é igualmente importante reconhecer os “mocinhos” que lutam contra o sistema por dentro.

É muito triste ler as mulheres escrevendo que “os homens são criaturas inferiores”. Minha pergunta é “as mulheres realmente dizem isso aos seus meninos”?

É triste ver mulheres cometendo os mesmos erros e usando os mesmos preconceitos em suas palavras que nós homens fizemos durante séculos.

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Bolhas

Existe uma série de assuntos que eu adoraria debater até para diminuir um pouco a minha ignorância sobre eles. Quando você vive em uma sociedade branca, num estado branco, sendo de classe média e heterossexual acaba tendo dificuldade para entender as queixas das pessoas que sofrem as consequências por NÃO SEREM como você, as quais não tem a possibilidade de deixar que o fluxo do mainstream as carregue para posições mais privilegiadas. Lembro muito do ativista israelense Miko Peled que, sendo israelense e branco, tinha dificuldades de entender o ponto de vista dos palestinos, pessoas a quem NUNCA via no seu dia-a-dia, e por isso mesmo podiam ser estereotipados e/ou demonizados pela cultura em que estava embebido. Foi apenas o encontro fortuito com palestinos quando moravam em San Diego, nos Estados Unidos (!!!), que o fez acordar para a questão da Palestina, o Nakba, a limpeza étnica e as reivindicações daquele povo.

Miko Peled em seu livro “O Filho do General” agradece de forma comovente a recepção afetiva e compreensiva que teve por parte dos ativistas palestinos, os quais tinham TODAS AS RAZÕES do mundo para odiá-lo, não apenas por ser israelense, mas por ser filho de um general invasor, responsável por boa parte da desgraça afligida ao seu povo. Sem esse carinho e essa fraternidade explícita de pessoas em uma posição aparentemente tão distante, seria muito fácil para Miko manter-se dentro de sua bolha de demonização e ódio ao “inimigo”. Para mim, não foram os argumentos racionais que o convenceram que sua postura estava errada, muito menos os registros históricos a que teve acesso em sua busca pela verdade, mas o afeto e a acolhida amorosa que recebeu daqueles que por muito tempo considerou como adversários e inimigos mortais.

Para as pessoas que tem as mesmas condições que eu é importante serem apresentadas às questões femininas, raciais, de gênero e sociais para que possamos pensar fora de nossa bolha de amizades e relações cotidianas. Sem esse confronto com vivências diversas e sem o contraditório é difícil sair da zona de conforto das nossas convicções e nossas perspectivas. Por isso o confronto de ideias é tão importante.

Infelizmente, em tempos de ódio, isso é cada vez mais difícil. Fiz um comentário na página de uma doula a respeito de uma mensagem que ela postou com um texto assinado por Andrea Dworkin. Disse que o texto (sobre ser lésbica) era sensível e bonito, mas foi escrito por alguém que sofre muito mais criticas do que elogios de dentro do movimento feminista por suas lutas anti-pornografia e acima de tudo por suas atitudes controversas (liberdade para mulheres que mataram maridos abusadores). Ela, por exemplo, era extremamente conservadora e escreveu um livro cujo título era “Right-wing women”. Faleceu aos 58 anos com um quadro avançado de artrite e complicações de obesidade mórbida, mas se estivesse viva estaria ao lado de Trump fazendo campanha por ele e por sua visão de extrema direita.

Meu comentário visava apenas alertar para a origem da mensagem, para não repetir o que o ator José Wilker fez numa reunião de diretores da Globo: um discurso recheado de citações que, depois dos aplausos de todos, avisou serem todas de Adolf Hitler, retiradas do “Mein Kampf”. Infelizmente bastou eu questionar uma autora como esta – mesmo elogiando a visão poética que ela tinha da homossexualidade feminina – para sofrer ataques pessoais. Aí vieram as agressões, ironias, deboches, violências e ataques pessoais que culminaram com um festival de blocks e o fim de qualquer possibilidade de conversa.

Claro, o erro foi meu. Eu não deveria ter feito aquele comentário. Afinal, não é problema meu. Quem quiser que siga, que cite, que admire e que adore. O problema é que isso mantém a bolha e as ilhas de concordância intactas, e não permite que a gente aprenda com o pensamento alheio. Ficamos todos desconectados porque as pessoas não querem debater; querem lutar, destruir opositores, querem “lacrar”, humilhar oponentes, vencer guerras de argumentos, ser o mais irônico possível, ser o super fodão da sua turma (o meme preferido é o negro aquele que é carregado pelo amigos e recebe os óculos escuros da suprema esperteza) e tratar todas as pessoas de quem discordam como inimigos a serem destroçados.

A solução momentânea é se afastar, bloquear, voltar para o seu canto frustrado e esperar que alguém de bom coração se proponha a conversar sem pedras nas mãos. Ter a paciência de aguardar a caridade de alguém sem ódio transbordante e esperar que os ânimos possam arrefecer. Infelizmente, para algumas pessoas, isso nunca vai acontecer, pois as causas são apenas desculpas passageiras para a razão principal que as move: a luta em si e a destruição dos oponentes.

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