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Aos mestres com carinho

Meu sonho sempre foi ser professor, como meu pai. Sempre achei esta a profissão mais charmosa, mais desafiante, mais complexa. As vezes vejo pessoas escrevendo sobre as agruras dos seus ofícios e o quanto são difíceis, complexos, profundos e desafiadores. Quando me descrevem seus desafios eu sempre vejo minha imagem de menino, sentado na sala de aula com outros 40 alunos enquanto assistia uma aula sobre assuntos que não me interessavam – como matemática, por exemplo. Na minha frente uma professora, lutando contra o desinteresse de uma multidão, tentando provar o quanto aquele conteúdo poderia ser útil em suas vidas. Aquelas cenas ficaram marcadas na minha mente como a mais fidedigna descrição de um cavaleiro andante solitário enfrentando moinhos de vento ranhentos e inconvenientes. A sua coragem e força de vontade hoje me impressionam.

Somente muitos anos depois da minha experiência escolar eu tive a oportunidade de me colocar na posição de professor. Em todas as vezes que recebi elogios eu respondi de forma direta: “Eu estou dando um curso para adultos, ávidos por um conhecimento específico, pelo qual pagaram e que vai lhes abrir portas na vida profissional. Desta forma, 80% do trabalho – o interesse – já está feito por quem assiste a aula. Como acha que me sairia com crianças ou adolescentes, sem interesse nesse tema, garotos e garotas que naquele momento gostariam de estar conversando ou namorando? Como acha que eu me sairia se o conteúdo que eu ofereço não fosse capaz de abrir portas para alguma vantagem na vida?”

Um bom professor lhe oferece insegurança e angústia; não lhe garante a paz, e sim a espada. O mestre lhe oferece a certeza das incertezas, a compulsão pelo pensamento crítico e segurança para não aceitar respostas fáceis ou definitivas. Um mau professor carrega você para onde desejar, enquanto o bom professor lhe mostra o caminho. Já o mestre lhe descortina a vastidão à frente, aponta para o horizonte e diz: “faça seu caminho”. O mestre Freud já nos ensinava que “as certezas absolutas nos cegam perante novos horizontes; nunca tenha certeza de nada, porque a sabedoria começa com a dúvida”. Desta forma sua pedagogia nos afastava da sedução das convicções inamovíveis e do alívio que elas proporcionam. Pelo contrário: sua sabedoria nos apontava que o crescimento se dá exatamente pelo enfrentamento da angústia de nada saber.

Aos mestres minha reverência e minhas desculpas. Fui um aluno chato, irritante, conversador e irreverente. Desafiava constantemente a autoridade que os pobres professores tinham diante da turma. Fui muitas vezes chamado à atenção, e todas de forma merecida. Essa minha relação de atrito com todas as formas de poder transformou-se, com o passar dos anos, em genuína admiração, a ponto de que agora vejo os professores como os profissionais mais sofisticados. Da mesma maneira, hoje vejo a arte de curar como sendo, em essência, uma pedagogia, e não uma intervenção mecânica sobre organismos disfuncionais. Quanto mais o médico se aperfeiçoa, mas se parece com um professor: ao invés de intervir auxilia o paciente a encontrar dentro de si mesmo a cura que tanto necessita.

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Paradigma

Segundo um obscuro professor de medicina da província, “doula é igual a verdureiro”, pois sua função não é regulamentada. Na verdade, as palavras do professor expressam o medo de testemunhar uma real mudança na forma de encarar o nascimento. As doulas fizeram a maior revolução na atenção ao parto desde a sua institucionalização, e exatamente por isso são atacadas por representantes do velho paradigma. Esse choque paradigmático ocorreu precisamente porque as doulas preenchem o espaço deixado pela falha do sistema médico tecnocrático em reconhecer as necessidades psicológicas, afetivas, sociais, emocionais e espirituais das gestantes, em especial no momento de parir.

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Greve de médicos

Em um seminário de fisiologia há 35 anos passados o nosso velho professor se dirigiu aos últimos 6 alunos que demoravam a sair da sala depois de encerrada a aula.

– Deixo a vocês um breve conselho: depois de se formarem em nenhuma hipótese façam greve.

Caminhando em direção ao bar pelos corredores da velha faculdade de Medicina debatemos o conselho do mestre. Metade de nós pensava que ele se referia a uma questão ética sobre a medicina e a saúde. Não caberia àqueles que cuidam do mais nobre objetivo – a vida e sua manutenção – paralisar o seu ofício por razões corporativas. Não seria moralmente lícito impedir o acesso à cura ou ao alívio dos sofrimentos apenas por dinheiro. “Está no código e no juramento!!”, diziam. A outra metade achava que ele se referia à inutilidade da greve como mecanismo de pressão em uma área repleta de representantes das elites e da burguesia diplomada. “Greve de janotinhas engravatados?”, diziam os outros, fazendo muxoxo.

Na semana seguinte aguardei o fim da aula e, não aguentando mais a dúvida, resolvi perguntar ao professor a razão para o seu rechaço aos movimentos paredistas na área da saúde. Expliquei a ele que metade de nós achava que sua manifestação se referia a uma questão ética e outra metade à dificuldade de mobilizar e manter uma greve com representantes da burguesia. Uma disputa, em última análise, entre o idealismo e o materialismo.

Diante da minha pergunta inusitada e fora do escopo da aula recém terminada, o velho mestre soltou uma risada e explicou.

– Nenhuma das duas. A razão é meramente estratégica.

– Como assim? perguntei…

– Ora, meu caro, quando os médicos entram em greve os pacientes melhoram. Quer propaganda pior do que esta?

Este foi meu primeiro contato com a Medicina Quaternária, muitos anos antes de se tornar modinha.

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