Arquivo da tag: publicidade

Consensos Manufaturados e Religião

Esta semana a direção da UDV, União do Vegetal – uma seita cristã criada por Mestre Irineu usando plantas (Mariri e Chacrona) para fazer um chá usado de forma iniciática, declarou apoio ao atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Do pouco que conheci do perfil dos frequentadores desta religião (eu mesmo já escrevi sobre o tema e já participei de um encontro), eu tive um nível zero de surpresa com essa declaração de voto. A mesma sensação que tive ao testemunhar o bolsonarismo dos espíritas. Percebam; há um padrão de conexão entre as religiões dos países imperialistas com os valores conservadores. Por esta razão a UDV, os evangélicos, os espíritas cristãos, muitos católicos e outros estão todos ligados pelos fios invisíveis do conservadorismo brasileiro, uma estrutura social que namora com o fascismo. Creio que já escrevi muito sobre minha desilusão com os religiosos, e ainda lembrei com dos amigos de infância que se tornaram bolsonaristas, defensores do Jesus com arma na cintura, desconsiderando as falas racistas, violentas, misóginas, homofóbicas e genocidas do líder. Para mim ainda é inacreditável que, aqueles mesmos que falavam do Jesus que oferece a outra face, justificam abertamente as ações racistas, homofóbicas e terroristas do atual presidente.

A justificativa? O fantasma comunismo, por certo, que serve como um “homem do saco” para adultos. Mas também se encontra com frequência a associação de Lula com “ditaduras”, como a Venezuela, Cuba e a Coreia Popular (um trio que é tanto usado pela direita quanto desconhecido por ela), em especial no que diz respeito ao envio de dinheiro para estas “ditaduras”, assim como a “ladroagem de Lula” (que só não foi condenado porque houve um erro no CEP – uma tecnicalidade). Todavia, estes mesmos moralistas desconversam quando questionados sobre as fotos do presidente Bolsonaro com o Sheik da Arábia Saudita, este sim um ditador sanguinário e cruel, ou os inúmeros casos de corrupção no seu governo.

Entre estes aficionados do capitão encontramos gente educada, estudiosa, com curso superior, pais de família, diretores de Centros Espíritas, pastores, padres, crentes de todo tipo; todos irmanados em uma luta contra os “vermelhos”, os vagabundos dos sindicatos, os invasores de terra, os ativistas do MST (que mal sabem usar uma enxada) e os indefectíveis “socialistas de IPhone”.

“Vai pra Cuba”, “Empacote tudo que você tem e distribua para os pobres”, “Ahh, reclama do capitalismo mas usa luz elétrica(??), celular(??) e computador(??)”. “Quer ficar como a Venezuela? Na Coreia do Norte é proibido cortar o cabelo igual ao Kim, e na China você é condenado à morte em 30 dias e a família ainda precisa pagar a bala. Quer isso no nosso país?”

Somos bombardeados todos os dias por uma avalanche impressionate de propaganda via redes sociais, que em muitos causa uma profunda lavagem cerebral. “Credo quia absurdum“, como diria Agostinho, “acredito nas fake News porque são absurdas, e isso prova minha fé e o meu engajamento”. São 80 anos de propaganda anticomunista diária subliminar, insidiosa, camuflada, sub-reptícia e constante. Não importa o quão ridículas são as fake news sobre “comunistas que comem criancinhas“, ou “Na Coreia Popular mentem que a seleção venceu o Brasil na Copa do Mundo“. Todo santo dia, martelando na cabeça, criando ficções ridículas (como estas acima), produzindo narrativas baseadas em delações falsas, estrangulado as economias socialistas com boicotes, sanções e bloqueios. Condenando quem denuncia os crimes do Imperialismo – como foi feito com Edward Snowden, Chelsea Manning e Julian Assange – atacando (e matando) líderes dos direitos humanos (como na Colômbia) e usando religião como um escudo, uma identidade que precisa ser preservada dos ataques insanos dos depravados, gayzistas, abortistas e ateus, tudo pelo bem dos nossos valores e do santo nome de nosso senhor Jesus Cristo, amém.

Sobre esta ligação dos religiosos em geral com o conservadorismo e a propaganda anticomunista acho que o sobrinho de Freud, Edward Louis Bernays, tem mais a dizer do que Hippolyte Rivail, o filósofo de Lyon. Edward Bernays dizia que “somos controlados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos são formadas e nossas ideias são sugestionadas”. Ele foi quem primeiro entendeu a importância da propaganda na criação do que passou a ser chamado de “Consenso Manufaturado”, um conceito primeiramente criado por Walter Lippmann em 1922 e posteriormente disseminado pelo intelectual americano Noam Chomsky. . Não se pode desprezar décadas de propaganda violenta que, junto com os aparatos de repressão do Estado, tentam evitar a explosão inevitável da barragem produzida pelas lágrimas de milhões que são excluídos pelos privilegiados do capitalismo. Propaganda e Estado policial. Publicidade e Forças armadas a serviço do Império. Salve-nos Luke Skywalker

Praticamente todas as religiões derivadas do cristianismo – enquanto fenômeno social, não como doutrina – replicam uma visão individualista do progresso onde cada um, através da penitência, da fé, da “reforma intima”, do sacrifício, da dedicação à Igreja e o pagamento do dízimo, será responsável pela evolução espiritual do planeta, um conceito que se adapta maravilhosamente à meritocracia do nosso modelo capitalista. Assim, as mudanças vão ocorrer na dependência de ações individuais, inobstante os modelos sociais a que estamos submetidos. Outro fator é o pacifismo alienante de muitos religiosos, um idealismo paralisante que os impede de aceitar a sociedade de classes como o resultado inexorável do capitalismo, a qual só será derrubada através da luta de classes e do enfrentamento.

Quando eu vejo o “cristão mediano”, frequentador da sua Igreja, que toma passes, faz comunhão, se confessa, toma hóstia ou água fluida e entoa os cânticos não consigo perceber nenhuma diferença substancial entre todas as modalidades de fé cristã. Todos eles reproduzem condicionamentos sobre costumes e política, da mesma forma como qualquer um que tenha sido intoxicado por oito décadas de violenta propaganda contra a luta organizada dos trabalhadores. Espíritas, católicos, protestantes em suas diversas denominações são semelhantes demais aos “crentes” e os neopentecostais nesse terreno para que se perceba qualquer diferença. A religião, no dizer de Hegel em “Crítica da Filosofia do Direito, , é o “Ópio do Povo” (Die Religion … Sie ist das Opium des Volkes), canalizando a energia de milhões para a contemplação e a aceitação das mazelas, ao invés de seguir as palavras de Cristo e agir objetivamente para diminuir a iniquidade no planeta e a dor de seus semelhantes.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Política, Religião

Vendas

Ontem mesmo comentava de um amigo que tinha uma loja na cidade. Certa vez perguntei a ele qual o produto que mais vendia e ele apontou para um vistoso, no centro da vitrine. “E este produto é bom?”, perguntei com ingenuidade.

Ele respondeu “Uma porcaria. Pelo mesmo valor se compra coisa muito melhor, mas este tem publicidade na TV todo dia”.

Insisti: “E como você se sente?”.

Ele baixou o olhar e respondeu “Não sou eu quem faz as regras. Desculpe”.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Filantropos

Não há mais justificativa para negar que a filantropia em sua forma moderna, enquanto modelo empresarial, é a forma como os ricos e poderosos jogam migalhas aos pobres para que sua imagem seja melhorada e/ou aprimorada. Desde o início do capitalismo americano funciona assim, como nos ensinou John Rockefeller – o homem mais rico da história, que chegou a ser dono de 2% do PIB americano – jogando moedinhas (Dimes) para que as crianças na rua pudessem juntar. Era publicidade deslavada, tentando criar a imagem tão falsa quanto absurda de um “velhinho bondoso”. Na verdade se tratava de um dos lobos mais astutos e inescrupulosos do nascente império americano.

Todos esses sistemas de “ajuda aos pobres” só existem porque insistimos em um modelo capitalista injusto e que produz a brutalidade da iniquidade social. Nenhum país precisaria de ONGs para combater a fome, o analfabetismo ou as doenças endêmicas. Para oferecer este atendimento à população bastaria que os recursos PÚBLICOS fossem distribuídos de forma adequada e que não houvesse a concentração obscena de riqueza na mão de poucos capitalistas, que posteriormente devolvem uma fração minúscula de seus lucros como forma de publicidade, através de seus “institutos” e “fundações”.

É exatamente a perversidade desse sistema social e econômico que precisa ser combatida no século XXI. Quando a gente olha para estas instituições de ajuda à África, no combate à AIDs, à pobreza da América Latina, de proteção dos animais e de preservação da Amazônia e conhecemos os ativistas honestos e dedicados que dela participam, perdemos a noção do contexto amplo onde estas instituições são criadas, e ficamos incapacitados de perceber que a existência delas só pode ocorrer diante da falência do Estado. Sem a opressão sobre os povos e as desigualdades fomentadas entre os seres humanos nenhuma caridade seria necessária pois nenhuma filantropia faz sentido em um estado operante e que ocupe o posto de motor da distribuição equitativa de renda.

Enquanto isso não ocorre ficamos a mercê de seres desimportantes e sem brilho algum, como as primeiras damas de alguns Estados, as esposas de industriais que comandam fundações ou algum artista que tira milhões de seus seguidores e depois devolve uma parcela pequena – sempre para quem ele próprio escolhe, e não para quem mais necessita.

Os grandes filantropos americanos financiam Universidades pagas – como as da Ivy League – para que brancos de classe média possam estudar através de um sistema falsamente meritocrático, que sempre coloca em vantagem a classe que repousa sobre privilégios. Financiam também orquestras filarmônicas e museus (para a mesma classe), mas alguns fazem pior: estimulam pesquisas de medicamentos em negros e pobres africanos e da Ásia para serem posteriormente usados em brancos na América e Europa. Nada disso é bom, nada disso é adequado para a sociedade. Nada disso é justo e correto em uma sociedade que se pretende fraterna e justa.

“Caridade é ofensa; o povo quer – e merece – justiça social”.

1 comentário

Arquivado em Pensamentos

Propaganda médica

Justiça seja feita…

Estávamos reunidos no Hospital de Clínicas para os preparativos da formatura quando fomos avisados que havia uma reunião marcada para os formandos. A “rádio corredor” avisava que o Laboratório X estaria fazendo uma palestra na sala Y sobre seus produtos, onde seriam distribuídas amostras grátis, brindes e um livro de especialidades farmacêuticas – por eles editado.

“Grátis”. A palavra mágica tilintou nos meus ouvidos. Assim que nossa reunião terminou me dirigi à sala X para escutar a “palestra” e receber meus presentes. No meio do caminho encontro meu colega Marcelo Zubaran Goldani e o convido a me acompanhar à sala de reuniões.

Má ideia. Com genuína indignação meu colega me deu uma verdadeira “carraspana”. Explicou, nos cinco minutos que durou nossa breve conversa, todos os elementos constitutivos da “propaganda médica” e porque todos nós, jovens médicos, deveríamos no envergonhar deste tipo de aliciamento.

Por certo que minha reação às suas palavras foram exatamente o que se espera de um jovem “doutor” arrogante e prepotente.

“Ora, o que pode haver de mal em receber estes agrados se nada é pedido em troca?“, pensei eu. Ou talvez o meu pensamento fosse ainda mais ingênuo: “Eu sou mais esperto que isso, eles não podem me enganar”, como se os gigantes da BigPharma não conhecessem nossas frágeis resistências e as formas de quebrá-las.

Ainda surpreso, agradeci as palavras do meu colega e me despedi. Sim, sem dúvida fui ao encontro e saí de lá com o meu livro (que guardo até hoje como lembrança) e a minha sacolinha de bugigangas “grátis”. Claro, deixei a sala também com minha reluzente canetinha no bolso, com o nome da droga da moda escrita em dourado. Minha inquietude ainda era muito adolescente para entender os profundos significados desse encontro. Fui, como todos, gado…

Meu colega estava certo. É profundamente humilhante a conduta dos médicos que trocam – mesmo que inconscientemente – sua preciosa prescrição por presentinhos, agrados e conversa sedutora. É inaceitável que ainda hoje aceitemos a publicidade ostensiva aos médicos por parte da indústria farmacêutica nos moldes em que ainda é feita. A relação da Nestlé com sociedades médicas me mostra que esta é uma relação atual e recente, e não uma reminiscência antiga e suplantada.

O fato de, passados 35 anos, eu ainda me lembrar da rápida conversa com Marcelo é a prova que este encontro foi importante e fortaleceu a semente de uma postura crítica sobre a ação médica. A necessária indignação com os (des)caminhos da arte médica é uma das mais importantes matérias que nos falta no currículo da faculdade.

Ao meu amigo Marcelo meu agradecimento. É muito provável que ele não se lembre desse breve encontro, mas é justo que ele saiba a ação que suas palavras tiveram no meu pensamento. Cada dia tenho mais certeza que as Escolas Médicas precisam de sujeitos chatos como ele.

Deixe um comentário

Arquivado em Medicina

A revolta domesticada

Acabei de assistir ao comercial controverso da Pepsi (pode ser visto aqui) e achei a maior juquice da história da publicidade mundial. Gente linda, elegante e sincera fazendo protesto num lugar que parece o Moinhos de Vento em Porto Alegre – ou Morumbi em SP – protestando talvez contra o aumento do preço da banda larga. Aí a bonitinha se interessa pelo protesto super civilizado nas ruas, junta-se à galere e acaba com as animosidades oferecendo uma pépis pro guardinha fofo. Pronto.

É assim, com amor e refrigerante, que se faz a mudança na estrutura social. Acabou a briga e todos podem voltar pra casa, tirar suas roupinhas féchon, deitar no sofá a assistir suas séries no Netflix.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Política