Escutei recentemente alguns torcedores do Internacional dizendo que o Grêmio tinha a torcida mais racista do Brasil. Eu creio que não há base alguma para esta afirmação. Na verdade, existem mais argumentos para afirmar que seu rival rubro seria mais racista, exatamente pela história documentada de ataques à comunidade negra. Para se convencer do que estou falando bastaria conhecer as razões pelas quais Lupicinio Rodrigues, um negro, se tornou gremista. Não apenas um torcedor como qualquer outro; ele é autor do hino do Grêmio. Um clube racista permitiria isso? O Internacional à época (final dos anos 40) negou-se a jogar o campeonato junto com os atletas da Liga dos Canelas Pretas, que reunia os jogadores negros. Com seu voto, o Internacional impediu a participação dos negros do Rio-grandense. Diante desse fato, o negro Lupicínio Rodrigues percebeu o racismo entranhado na direção e na torcida colorada e declarou seu amor eterno ao Grêmio, junto com seus companheiros negros que o seguiram.
O slogan do Gremio é “Grêmio, um clube de todas as cores“, e isso demonstra a luta do clube – torcida e instituição – contra o racismo. Que pesquisa de “clube mais racista” do Brasil seria essa? Pois do Brasil eu não sei, mas o clube mais racista de Porto Alegre é muito provavelmente o time vermelho. Utilizo aqui alguns trechos do livro “Liga da Canela Preta“:
“A história do negro no futebol revela como as práticas de preconceito era comum a época e também como os negros se organizaram para criar espaços de resistência e até mesmo de ascensão social através do futebol. Um dos momentos escolhidos foi uma coluna assinada por Lupicínio Rodrigues que explica porque é torcedor do Grêmio, uma vez que se tratava de um time de elite que não permitia que negros jogassem no clube. Lupicínio relata que o Rio-grandense fez um pedido para se inscrever na Liga hegemônica da época, a liga de brancos, mas o Internacional não aceitou a inscrição, gerando assim um motivo para que os negros torcessem para o Grêmio. Assim ele diz”:
“Este sonho durou anos, mas no dia em que o Rio-Grandense pediu a inscrição na Liga, não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo “Zé Povo”, votou contra, e o Rio-Grandense não foi aceito. Isto magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional, e o Grêmio, sendo o maior rival, foi o escolhido para tal.” (Santos, 92-93, 2019).
Vamos deixar claro que não existem torcidas mais ou menos racistas. Há poucos anos vimos a torcida do Botafogo fazer gestos racistas para jogadores do Flamengo, e nada me garante que toda a torcida tenha alguns torcedores que carregam esta chaga moral. Por isso que causa indignação chamar a torcida do Grêmio dessa forma. Como podem ver, a história do clube Internacional é marcada pela discriminação racial, fazendo muitos negros torcerem para o Grêmio. Por essa e outras razões a torcida do Grêmio é (muito) maior que a do coirmão inclusive na população negra, além de ser majoritária em todos os segmentos populacionais. Não só na questão do racismo, mas percebam também a primazia do Grêmio na questão da orientação sexual, tendo abrigado o primeira torcida LGBT reconhecida no Brasil. Conheçam a Coligay e o exemplo de diversidade dado pela torcida do Grêmio.
Mais um detalhe: citem o nome de um técnico negro do Internacional. Digam o nome de um presidente negro do colorado. Há alguns poucos anos o Inter não tinha nenhum conselheiro negro, enquanto seu rival tinha vários. Essa história de clube racista baseado na imagem deplorável de uma única torcedora – que realmente teve uma atitude condenável – é uma generalização criminosa. Lembre apenas desse fato que ocorreu na minha infância: nos anos 70 (1974) um vice presidente do Inter (que foi presidente depois disso), ao vivo em uma rádio gaúcha, chamou um árbitro negro (Luiz Louruz) de “macaco”. Ao vivo, para milhões ouvirem, e nada foi feito. O vice presidente do clube disse isso no microfone, como uma declaração!!! Esse dirigente é pai de um ex-presidente do clube que atuou há alguns anos.
Acham bizarro? Leia aqui, neste artigo do jornalista Claudio Dienstmann: “Em 1935, o Inter perdeu o Gre-Nal e o Conselho “afastou” o negro centroavante Tupan. Em 1974, após o jogo contra o Esportivo em Bento Gonçalves, descontente com a atuação do juiz da partida, o vice presidente do Inter, Gilberto Medeiros, chamou o árbitro Luiz Louruz de “crioulo sem-vergonha”, “ladrão”, “negro safado”, “desonesto”, “incompetente”, “irmão do Valmir”, “macaco”, “vagabundo”, “patife” e “comprado pelo Grêmio”. O assessor José Asmuz (que também viria a ser presidente mais tarde) acrescentou: “vendido” e “preto desgraçado”. Disseram isso enquanto dirigentes do clube!!!!!
Compare isso com uma torcedora anônima que teve o azar de ser filmada dizendo uma estupidez na hora em que um goleiro negro fazia “cera” – mas que não retira o caráter abominável de sua atitude. Mas pense: ela não estava ali representando o clube, sua direção e seu corpo de conselheiros, apenas a si mesma. Aliás, sem olhar no Google ninguém sabe seu nome. Aposto, entretanto, que não venceria uma eleição para presidente do clube mais amado do RS. Ahhh… e o técnico negro que dirigiu o Internacional (se você não lembra) foi o Valmir Louruz, em 1999. Seu irmão Luiz foi exatamente este que foi chamado por todos estes termos racistas pelos dirigentes do Internacional. Terá sido demitido depois por ser negro?





