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Pornografia

A palavra é composta de “pornos” (prostituta) e “graphô” (escrever gravar). Acho interessante esta origem, porque remete ao comércio do sexo, mas que agora é o comércio das expressões auditivas e visuais do sexo. Ou seja, da materialidade para a virtualidade.

Muitas vezes encontro na internet postagens que condenam a pornografia, dizendo que ela na verdade “perverte” a sexualidade “natural”, ou “normal”, por sua agressividade, seu culto à performance e, mais ainda, por relegar às mulheres um papel secundário e submisso. Sempre achei esse debate fascinante porque nos obriga a pensar nos limites da fantasia e da própria expressão sexual dos humanos. Aqui caberia uma discussão de 3 mil páginas sobre o que é “sexualidade normal” (para quem?), “sexualidade natural” (não há nada de natural no sexo e no parto) e sobre “fantasia e realidade”. Um homem masculino, vigoroso, forte, poderoso pode ter a fantasia sexual de se vestir de mulher e ser passivo e dócil em suas relações, sem que isso implique ser submisso na sua vida cotidiana, certo Sr. Hoover?

Um livro que li na juventude me chamou muito à atenção sobre o tema. Já no prefácio de “O Erotismo” de um psicólogo italiano chamado Francesco Alberoni, ele nos convoca a debruçar sobre o fenômeno da pornografia. Ele chamava a atenção para as bancas de revista onde, de um lado se escondia a “pornografia masculina”, com suas capas veladas, dentro de plásticos invioláveis, contendo a expressão crua do ato sexual ou, ao menos, mulheres exuberantes com pouca ou nenhuma cobertura além da pele aveludada e sedosa que as cobria. Eram o sonho dos garotos adolescentes, extasiados com a magia do sexo que ainda desconheciam. Todavia, na frente das bancas, sem nenhum pudor ou invólucro a lhe cobrir a capa, estavam as revistas de “pornografia feminina”. Sim, lado a lado, com capas cor-de-rosa ou azul claro, estavam as revistas Júlia, Sabrina e revistas “pornográficas” como “Sétimo Céu”, com suas fotonovelas românticas.

Para este autor, a pornografia se expressava de maneira diversa entre os homens e as mulheres tanto por razões essenciais (aqui Freud poderia nos ensinar muito) e também culturais. Para ele, descartadas quaisquer avaliações de caráter moral – e afastando as questões sociológicas ligadas à indústria da pornografia – ambas tinham o mesmo valor, e se ligavam aos desejos mais profundos e constitutivos dos sujeitos. Não há pornografia “suja” e “limpa”, “moral”ou “imoral”, mas apenas variações relacionadas aos conteúdos fantasmáticos de cada um.

Desta forma, causa estranheza falar de homens “destruídos” pela pornografia, como vejo em tantos lugares, como se a pornografia pudesse – por si só – destruir a sexualidade de um sujeito, condicionando-o às suas práticas espetaculosas, performáticas e agressivas. Da mesma forma poderíamos dizer que é muito pouco provável que o consumo de pornografia feminina seria capaz de “destruir” as relações afetivas e amorosas de mulheres, fazendo com que o “fetiche” do amor romântico destrua sua capacidade de se relacionar livre e prazerosamente com seus parceiros.

De maneira geral, pornografia é consequência, não causa. Colocar a pornografia com causadora dos distúrbios da sexualidade de alguém é culpar o suor pelo cansaço. O que leva o sujeito a procurar pornografia está imbricado na estrutura constitutiva do próprio sujeito. Não se trata de um “mau hábito”, mas de uma fixação em elementos psíquicos muito precoces que o estruturam.

Combater a pornografia é tão pouco efetivo quanto eram as campanhas contra a masturbação nos anos 50. Também teria tão pouco efeito quanto a falida guerra contra as drogas, porque sempre partimos da crença de que a droga é a “causa”, quando em verdade é o resultado do desajuste social do sujeito. Nesse caso o proibicionismo tem o mesmo efeito da “lei seca”. Elimina-se a manifestação do desequilíbrio, não sua causa, e com isso o sujeito se obriga a burlar a proibição ou procurar outra solução igualmente aditiva.

Mais uma vez repito: não estou me referindo à “indústria da pornografia”, que é um debate totalmente diferente, e que inclui, por certo, questões como bandidagem, opressão, tráfico de pessoas, exploração, drogas, máfia, etc. Não me aventuro a debater as questões sociológicas que estão relacionadas a esta indústria, mas tão somente aos elementos psíquicos e subjetivos. Falo apenas da excitação produzida por imagens, que não me parece que possa ser combatida por campanhas. Pessoas que procuram na pornografia satisfação devem encontrar dentro de si as respostas para esta dependência, que as faz buscar na pletora de imagens e cenas a satisfação de seus desejos. Tratar o resultado disso como o mal em si é um erro.

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Emoções Compartilhadas

Amamentação e Cama Compartilhada

Todos haverão de concordar que um tempo de cama compartilhada auxilia tanto a mãe na tarefa de amamentar quanto tranquiliza o bebê – para quem sua mãe e “o mundo” são a mesma coisa. Concordamos também que, em nome da autonomia da criança, esta proximidade de corpos deve ser abandonada em algum ponto da infância. O problema é estabelecer este ponto de corte, esta castração simbólica do poder da criança sobre o corpo da mãe, pois que a nossa própria maturação enquanto sujeitos dependerá desse afastamento.

Eu já fui bem radical sobre esse tema logo após me graduar. Achava justo que esse corte fosse o mais precoce para auxiliar na autonomia e independência das crianças. Também acreditava que a amamentação devia ser interrompida num ponto determinado, por volta dos dois anos, pelas mesmas razões. Pensava, com honestidade, que era função social do médico educar as mulheres a fazer esta separação da forma mais rápida, olhando para o desmame e a colocação no berço como a retirada de um band-aid emocional, uma muleta que devia ser abandonada.

O tempo foi me deixando mais maleável, sem dúvida. Hoje prefiro acreditar que, com raríssimas exceções, mães e bebê acabam encontrando um consenso sobre amamentação e cama compartilhada. Chega um determinado momento em que os dois se “olham estranho”, lançam um sorriso que preenche o espaço entre ambos e percebem que aquela relação, com tamanha proximidade, não cabe mais para eles. Assim se dá um desenlace amigável e ambos passam para uma nova fase da sua relação.

Percebi também que muito do que eu dizia sobre o tema era uma composição complexa entre racionalizações e conteúdos psíquicos inconfessos e inconscientes. Para mim é inegável que a cama compartilhada e a amamentação são movimentos eróticos entre os personagens da “cena primária”, nos quais os homens são fatalmente excluídos. Muito das teorias sobre o tema são produzidas sob essa pressão patriarcal. Para os homens, as emoções ativadas diante dessa cena são angustiantes e conflituosas, mesmo quando existe a alegria esfuziante e genuíno afeto envolvido nesse encontro. No meu caso, era óbvio o quanto a manutenção dessa ligação parecia embaraçosa, mas levou muito tempo para perceber o quanto havia de preconceito e bloqueios pessoais envolvidos.

A medicina, como representante e mantenedora dos valores patriarcais, sempre terá uma postura conservadora, tanto na expropriação do parto – desde sua entrada na atenção – quanto no afastamento das mães de suas crias, exatamente porque este afeto denuncia e desafia os poderes patriarcais estabelecidos.

Manter essa união “mãebebê” sob máxima proteção e cuidado deveria ser a tarefa mais sagrada de todos os cuidadores, pois que os efeitos desse contato harmonioso perduram por toda a existência, fortalecendo a saúde física e mental dos sujeitos. Infelizmente, nossos próprios medos e fragilidades impedem que este encontro seja o mais suave e tranquilo possível.

Nossa missão enquanto profissionais do parto e da puericultura deve ser a proteção da fisiologia e do contato, fugindo sempre que possível da artificialidade e do afastamento. Para isso é preciso que cada cuidador se permita encantar com a magia de uma mãe amamentando seu filho e repousando ao seu lado com total segurança e liberdade.

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Teta

Vi há pouco o vídeo da movimentação da língua de um bebê recém-nascido dormindo, simulando os movimentos da amamentação. Minha observação foi:

“Sonhando com teta, um sonho que vai acompanhá-lo por toda a vida”.

A ideia por trás desta observação é de que nesses estratos primitivos pré-verbais é que se alicerça a sexualidade humana. Nessa fase, chamada de “fase oral”, a boca é a grande ferramenta de prazer sexual. Só bem depois, passada a longa infância humana e com a lenta maturação sexual, encontraremos prazer genital, o qual será fundamental para a vida adulta e a reprodução.

Entretanto, as marcas da oralidade manterão resquícios por toda a vida. Arrisco dizer que o beijo é a característica de expressão afetiva mais saliente nas culturas exatamente porque carrega as memórias prazerosas da amamentação. Não fosse por isso – nossa oralidade e a ligação ao seio como fonte de prazer – e teríamos uma humanidade sem bitocas, selinhos ou beijos “desentope-pia“.

É evidente que a amamentação carrega essa carga enorme de erotismo o qual vai entrelaçar de forma amorosa mãe e bebê. “Se amor existe, este é o sentimento de uma mãe pelo seu filho e todos os outros amores são dele derivados“, diria o mestre Freud. É ali na imbricação de mútuos prazeres que uma mãe cumpre seu mais alto fim: ensinar seu filho a amar. Não resta mais muita dúvida sobre esta questão.

Também é óbvio que na mente da criança haverá marcas indeléveis desse período. A fixação ancestral dos humanos pelos seios produziu um fenômeno único entre os mamíferos: as mulheres humanas são os únicos primatas que mantém a turgidez das mamas fora do período de amamentação. Olhe uma fêmea chimpanzé, gorila ou orangotango e se pergunte: “onde estão as mamas?

Ora… do ponto de vista evolutivo as mamas das fêmeas humanas se mantiveram grandes e túrgidas pelo forte apelo atrativo e sexual que desempenham na nossa espécie. Foi um processo seletivo que ocorreu nos últimos milhões de anos. No Museu de história natural de Nova York, Lucy (australopitecus afarensis) é retratada com as mamas murchinhas, dando a entender que a mama como objeto de desejo ainda custaria a aparecer. Quando então começou essa transformação? Homo erectus? Homo rudolphensis? Ou junto com a razão – no Homo sapiens sapiens?

Por isso podemos apostar na ideia de que o sonho dourado desse bebê vai se manter em sua mente por toda a vida. Essa experiência primitiva de prazer vai acompanhá-lo, mesmo que não perceba. A estética graciosa, redonda, macia e voluptuosa das mamas permanecerá como ícone máximo do prazer.

As mamas, no imaginário humano – em especial no Édipo masculino – vão nos seguir, guiando nossas escolhas, direcionando nossos olhares e construindo nossos sonhos – nem que venham disfarçadas, como balões, flores gigantes e até bolas de futebol (as gorduchinhas).

Pois bastou tocar com essa singela frase na questão da eroticidade da amamentação para – de novo – aparecerem ataques no sentido de questionar a “erotização das mamas”. Ataques, como sempre, violentos.

Claro… mea culpa, mea maxima culpa, respondi de forma exagerada aos ataques. Peço perdão por isso. Entretanto, sempre me assombro com a onda puritana da geração atual. A mera menção do desejo relacionado à amamentação faz com que essas pessoas reajam com ferocidade. A simples ideia de que homens (e mulheres) venerem as mamas como sublime objeto de desejo deixa furiosas(os) as(os) jovens ativistas.

Suspeito que o problema é desnudar a própria existência deste desejo e trazer à tona um gozo escondido, recôndito e dissimulado. O que emerge com tanta voluptuosidade é a denegação do prazer que brota quando se amamenta em liberdade.

Aos envolvidos minhas sinceras desculpas.

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Sei-os

Os seios são conflituosos porque demonstram que a sexualidade feminina se expressa à despeito e além da ordem monogâmica patriarcal. “Escandaloso” é o prazer que uma mulher tem ao amamentar, prazer esse que só pode ter origem em seu vasto repertório erótico.

Evelyn Forsythe, “”The roots of Pleasure”, Ed. Reuters-Smith, pag. 135

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Primeira ação

Edward Goldberg, do catalysta.net, me pergunta – e solicita uma videoresposta: “qual a atitude que seria recomendável a profissionais e estudantes para melhorar rapidamente a assistência ao parto?

Minha resposta é a mesma há 20 anos. Como sabemos, o parto foi expropriado da cultura, sequestrado pelos médicos e escondido em hospitais. Sua estética foi separada do mundo e modificada por aqueles que o controlam. Para isso, instituiu-se um sistema baseado no medo e na desconfiança das capacidades intrínsecas femininas de gestar e parir com segurança. Como diria Max, “o parto hospitalar é como um mapa cujo percurso verdadeiro a quase ninguém é permitido percorrer. Nossa informação não é mais obtida pela experiência concreta dos relevos, aclives, declives e barreiras naturais, mas apenas por sua tosca representação bidimensional num pedaço de papel.

O nascimento, assim controlado, tem sua força transformadora cerceada e tolhida em nome da vigília sobre os corpos dóceis de que se ocupa a reprodução. Sem sua espontaneidade livre, crítica e eminentemente sexual, o nascimento é amansado, domesticado e contido.

Minha receita para os estudantes e profissionais é simples e segue o caminho que Marsden me contou – e que eu mesmo vivi na pele. Para permitir que o parto impregne de sentidos a mente de um jovem médico permitam que ele se apresente livre, sem enfeites e maquiagens. Desfaçam as amarras do autoritarismo e cortem-lhe os grilhões do medo que o aprisionam. Libertem os corpos das mulheres para que elas possam parir em liberdade. FREE BIRTH!!!

Estimular jovens profissionais a assistir partos planejados fora do ambiente hospitalar seria a ação mais rápida, mais desafiafora, mais inteligente e mais gratificante de todas possíveis. Confrontar a estética puramente sexual de um nascimento, com seu espírito selvagem e indômito, apresentaria aos jovens cuidadores a face mais verdadeira de uma mulher, a qual ficaria marcada para sempre em suas retinas, moldando a forma como as tratariam pelo resto de suas vidas. Esta atitude simples não apenas os tornaria obstetras mais respeitosos e delicados, mas também seres humanos mais justos e dignos.

Ensinar partos aos estudantes apresentando seu fac-símile hospitalar é o mesmo que orientar a sexualidade de adolescentes através da apornografia”

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