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Racismo e Futebol

Antunes, em destaque, primeiro jogador negro a vestir a camisa do Gremio, em 1912

Escutei recentemente alguns torcedores do Internacional dizendo que o Grêmio tinha a torcida mais racista do Brasil. Eu creio que não há base alguma para esta afirmação. Na verdade, existem mais argumentos para afirmar que seu rival rubro seria mais racista, exatamente pela história documentada de ataques à comunidade negra. Para se convencer do que estou falando bastaria conhecer as razões pelas quais Lupicinio Rodrigues, um negro, se tornou gremista. Não apenas um torcedor como qualquer outro; ele é autor do hino do Grêmio. Um clube racista permitiria isso? O Internacional à época (final dos anos 40) negou-se a jogar o campeonato junto com os atletas da Liga dos Canelas Pretas, que reunia os jogadores negros. Com seu voto, o Internacional impediu a participação dos negros do Rio-grandense. Diante desse fato, o negro Lupicínio Rodrigues percebeu o racismo entranhado na direção e na torcida colorada e declarou seu amor eterno ao Grêmio, junto com seus companheiros negros que o seguiram.

Adão Lima, que jogou no Grêmio nos anos 20 e 30 do século passado

O slogan do Gremio é “Grêmio, um clube de todas as cores“, e isso demonstra a luta do clube – torcida e instituição – contra o racismo. Que pesquisa de “clube mais racista” do Brasil seria essa? Pois do Brasil eu não sei, mas o clube mais racista de Porto Alegre é muito provavelmente o time vermelho. Utilizo aqui alguns trechos do livro “Liga da Canela Preta“:

“A história do negro no futebol revela como as práticas de preconceito era comum a época e também como os negros se organizaram para criar espaços de resistência e até mesmo de ascensão social através do futebol. Um dos momentos escolhidos foi uma coluna assinada por Lupicínio Rodrigues que explica porque é torcedor do Grêmio, uma vez que se tratava de um time de elite que não permitia que negros jogassem no clube. Lupicínio relata que o Rio-grandense fez um pedido para se inscrever na Liga hegemônica da época, a liga de brancos, mas o Internacional não aceitou a inscrição, gerando assim um motivo para que os negros torcessem para o Grêmio. Assim ele diz”:

“Este sonho durou anos, mas no dia em que o Rio-Grandense pediu a inscrição na Liga, não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo “Zé Povo”, votou contra, e o Rio-Grandense não foi aceito. Isto magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional, e o Grêmio, sendo o maior rival, foi o escolhido para tal.” (Santos, 92-93, 2019).

Vamos deixar claro que não existem torcidas mais ou menos racistas. Há poucos anos vimos a torcida do Botafogo fazer gestos racistas para jogadores do Flamengo, e nada me garante que toda a torcida tenha alguns torcedores que carregam esta chaga moral. Por isso que causa indignação chamar a torcida do Grêmio dessa forma. Como podem ver, a história do clube Internacional é marcada pela discriminação racial, fazendo muitos negros torcerem para o Grêmio. Por essa e outras razões a torcida do Grêmio é (muito) maior que a do coirmão inclusive na população negra, além de ser majoritária em todos os segmentos populacionais. Não só na questão do racismo, mas percebam também a primazia do Grêmio na questão da orientação sexual, tendo abrigado o primeira torcida LGBT reconhecida no Brasil. Conheçam a Coligay e o exemplo de diversidade dado pela torcida do Grêmio.

Mais um detalhe: citem o nome de um técnico negro do Internacional. Digam o nome de um presidente negro do colorado. Há alguns poucos anos o Inter não tinha nenhum conselheiro negro, enquanto seu rival tinha vários. Essa história de clube racista baseado na imagem deplorável de uma única torcedora – que realmente teve uma atitude condenável – é uma generalização criminosa. Lembre apenas desse fato que ocorreu na minha infância: nos anos 70 (1974) um vice presidente do Inter (que foi presidente depois disso), ao vivo em uma rádio gaúcha, chamou um árbitro negro (Luiz Louruz) de “macaco”. Ao vivo, para milhões ouvirem, e nada foi feito. O vice presidente do clube disse isso no microfone, como uma declaração!!! Esse dirigente é pai de um ex-presidente do clube que atuou há alguns anos.

Acham bizarro? Leia aqui, neste artigo do jornalista Claudio Dienstmann: “Em 1935, o Inter perdeu o Gre-Nal e o Conselho “afastou” o negro centroavante Tupan. Em 1974, após o jogo contra o Esportivo em Bento Gonçalves, descontente com a atuação do juiz da partida, o vice presidente do Inter, Gilberto Medeiros, chamou o árbitro Luiz Louruz de “crioulo sem-vergonha”, “ladrão”, “negro safado”, “desonesto”, “incompetente”, “irmão do Valmir”, “macaco”, “vagabundo”, “patife” e “comprado pelo Grêmio”. O assessor José Asmuz (que também viria a ser presidente mais tarde) acrescentou: “vendido” e “preto desgraçado”. Disseram isso enquanto dirigentes do clube!!!!!

Compare isso com uma torcedora anônima que teve o azar de ser filmada dizendo uma estupidez na hora em que um goleiro negro fazia “cera” – mas que não retira o caráter abominável de sua atitude. Mas pense: ela não estava ali representando o clube, sua direção e seu corpo de conselheiros, apenas a si mesma. Aliás, sem olhar no Google ninguém sabe seu nome. Aposto, entretanto, que não venceria uma eleição para presidente do clube mais amado do RS. Ahhh… e o técnico negro que dirigiu o Internacional (se você não lembra) foi o Valmir Louruz, em 1999. Seu irmão Luiz foi exatamente este que foi chamado por todos estes termos racistas pelos dirigentes do Internacional. Terá sido demitido depois por ser negro?

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Comentaristas isentos

Aqui no RS existe, desde longa data, o costume dos comentaristas de futebol, repórteres de TV e rádio, serem “imparciais”. Na verdade, pela divisão das torcidas, definir-se por um lado significava ser odiado pelo outro lado. Por esta razão os profissionais da imprensa passaram anos fingindo uma imparcialidade para se forjar uma equidistância dos polos clubísticos. Como sempre, é impossível enganar todos o tempo todo, e a cor da camisa sempre acabava aparecendo.

Esse costume foi rompido há alguns anos com advento das redes sociais e o surgimento dos comentaristas “identificados” com os clubes. Na maioria não são jornalistas de formação e com o tempo foram eclipsando a luz dos famosos jornalistas sabichões, que tudo sabem do ludopédio. A partir de então, não apenas inúmeros novos comentaristas surgiram como alguns “isentos” saíram do armário, declarando abertamente seus clubes, sendo que a maioria, ao fazer esta revelação, causou tanta surpresa quanto a declaração “bombástica” do governador do Estado para o Pedro Bial.

O que me surpreende (mas não devia) é que esses novos “assumidos” agora agem como torcedores fanáticos, esbravejando, gritando o nome do seu clube, chorando ao vivo e disparando palavrões quando o juiz marca algo contra seu time. Isso me obriga a pensar: quando havia encenação? Antes, quando agiam com moderação e isenção ou agora quando atuam de forma histriônica e fanática?

Minha resposta simples é: em ambos momentos. Antes para evitar a desvalorização de suas opiniões, pois estariam afetadas pela paixão clubística, e agora para solidificar sua condição de representantes fanatizados da torcida, mesmo que, diferente de outrora, agora suas manifestações são irracionais, escandalosas e mediadas pelo fervor por suas cores. Ou seja: na crônica esportiva, como em qualquer outro setor do mundo do espetáculo, a luta pela audiência pressupõe um teatro incessante, onde o que importa é cativar a atenção do espectador usando todas as armas possíveis. No passado a máscara era a isenção e a seriedade; hoje se usa a desbragada afiliação ao clube do seu coração como ferramenta de marketing. A sinceridade, como sabemos, é um detalhe pouco importante.

PS: quem é da Aldeia conhece M. Saraiva e a instituição da IVI.

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Expectativas

Muitos estão exaltando o Vini – Vinícius Júnior, jogador do Real Madri – que, ao que parece, é um bom garoto. Desde que chegou ao Real Madri, vendido pelo Flamengo, sempre teve uma postura altiva e corajosa contra o racismo a que foi submetido, fazendo capas de jornais e revistas esportivas por não se calar diante das agressões que sofreu. E, por certo, acima de tudo ele é um fantástico jogador, responsável pela última conquista de seu time na Champions League. Diante desse sucesso, quiseram (imprensa, torcida, mídias sociais) contrapor sua imagem de “bom garoto” à do jogador Neymar, o “mata-borrão” predileto da torcida tupiniquim, visto como o principal responsável pelos nossos últimos fracassos na disputa da Copa do Mundo. Esse contraste do “bom menino” com a do “moleque irresponsável” serve como idealização dos nossos heróis jogadores, mas como sempre, está longe da verdade.

As pessoas, entre elas os jogadores famosos, são cheias de contradições e inconsistências. Somos incoerentes, surpreendentes e mutantes. O Vinícius não merece que se coloque em seus ombros a carga de ser o bom menino que vai nos redimir, da mesma forma como as críticas morais ao Neymar Jr estão carregadas de moralismo, ataques exagerados e uma tentativa de desmoralizar os craques brasileiros, em especial aqueles que saem do Brasil para enriquecer na Europa. Sim, existe até um interesse imperialista de desmerecer os talentos nacionais. Além disso, esse Vinicius Júnior, longe de ser o antípoda de Neymar, é parceiro do Neymar na seleção brasileira; são amigos de muito tempo. Suas perspectivas de mundo devem ser muito mais próximas do que aparentam.

“Ahh, mas ele é campeão da Champions League e não quer privatizar praias”. Ora, ele não quer ou não tem cacife para isso? Não deseja ou não pode? Sabemos que esses recursos para a construção de megaprojetos de turismo na nossa orla o Neymar tem, e essa deve ser a diferença essencial. Será que o Vini é realmente virtuoso ou apenas não atingiu o nível obsceno de riqueza de outros que vieram antes dele? Não tenho a resposta, mas sei que a única forma de avaliar é aguardar. Neymar já foi um garoto assim, um menino que carregava as nossas esperanças de reconquistar um título de Copa do Mundo. Infelizmente o dinheiro em quantidades indecentes o ligou primeiro ao Bolsonarismo e, agora, ao Luciano Huck e à proposta perversa de privatizar praias brasileiras. Neymar é produto do capitalismo tardio, do culto à ostentação e da valorização do hedonismo depois da queda das utopias socialistas dos anos 90; ele é muito mais resultado de um contexto do que sua causa.

Criar expectativas em jogadores de futebol é um risco demasiado alto; o meio onde vivem é de competividade tóxica, opulência, exibicionismo e grana sem limites. A tentação de multiplicar o capital, através das infinitas propostas que recebem, é constante. Por isso, a chance de nos iludirmos com esse garoto é gigante. Acho muito mais sensato esperar o menino ficar bilionário, como o Neymar já é, e depois avaliar se as boas atitudes continuam a pautar sua conduta. Manter-se humilde e conectado com suas origens é uma tarefa tão difícil que se pode contar nos dedos das mãos os jogadores de esquerda, progressistas e ligados às suas raízes; a imensa maioria é composta por reacionários e bolsonaristas… mas que fazem caridade ocasionalmente. Inclusive o Neymar.

A medida do amor é amar; a medida da honestidade é manter-se honesto diante da possibilidade de não ser. Ser contra a privatização das praias sem ser sócio do investimento qualquer um seria, mas continuaria sendo se fizesse parte da galera do dinheiro? Ele manteria sua posição “consciente” diante da sedução de lucros estratosféricos? Teria consciência social, respeito pela natureza, visão progressista mesmo perdendo uma oportunidade única de multiplicar sua fortuna? Essas histórias sempre me fazem recordar a fala do presidente de uma grande empresa envolvida em acusações de suborno. Quando chamado de “ladrão” por um jornalista, ele respondeu: “se você receber uma proposta de 1 milhão para ficar em silêncio e mesmo assim abrir a boca, você passou no único teste que realmente importa”.

“A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Esta sabedoria de Augusto dos Anjos nos deveria fazer entender a forma passional como tratamos nossos ídolos. Muita calma nesta hora para não criarmos outra frustração com este novo super craque brasileiro. Aliás, não acho justo cobrarmos de um jogador de futebol que seja qualquer coisa além de atleta, da mesma forma como cobramos de um escritor que escreva com qualidade e tenha ideias criativas; não é justo que seja cobrado enquanto filantropo, ecologista, defensor de causas humanitárias, etc. No caso de excelente jogador Vinícius Júnior faz sentido esperar os próximos anos antes de colocar esse garoto no pedestal da responsabilidade social. 

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Batalha de La Plata 2

Foi épica a vitória gremista em La Plata contra o Estudiantes de La Plata por um a zero quando já estávamos com um jogador a menos.

O Grêmio tem uma história de jornadas épicas. Acho que o Juremir tem razão: “o Inter é lírico e o Grêmio épico”. É por essas partidas que o Grêmio é sempre o mais temido entre os times brasileiros; nem o Flamengo ou Palmeiras no auge do seus times milionários chegam perto da imagem que o Grêmio tem na América Latina. E essa forma de ver o Grêmio foi construída através de conquistas assim: na casa do adversário, com um a menos, tendo zagueiro ídolo lesionado, jogando a vida, com alguns bagres no time, na raça, na força e na camisa.

Não esqueçamos que o Estudiantes vinha de cinco vitórias seguidas, o estádio estava lotado e o time está prestes a disputar com o Boca a final da Copa da Argentina. Dizem os cronistas portenhos que este é o melhor time argentino da atualidade (o que mostra a crise no futebol deles). Além disso, o Estudiantes é o maior mandante da história da Libertadores. Jogar em La Plata é sempre um drama, um sofrimento que os argentinos conhecem muito bem.

E tem mais: o Grêmio ganhou jogando muito mais do que o adversário. Perdemos muitos gols e merecemos a vitória. Não foi uma vitória conquistada com um “gol achado”; não, foi o resultado de um futebol superior, organizado, com várias chances e imposição, tanto física quanto técnica.

Salve tricolor!!!

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Um pouco da história tricolor

O time do Hamburgo, vencido pelo Gremio em 1983 na Final do Campeonato Mundial (que colocava frente a frente os campeões da Libertadores e da Champions League), era a base da seleção alemã que jogou o mundial de 1982. Era um time cheio de craques, mesmo que nos últimos anos seja um time apagado na Alemanha. Uma característica das antigas Libertadores (as Libertadores “raiz”) era que, naquela época, apenas dois brasileiros podiam jogar este campeonato – campeão e vice do campeonato brasileiro (a Copa do Brasil só começou em 1989, e foi o Grêmio quem a venceu). O Grêmio entrou nesta Libertadores por ter sido vice campeão do campeonato vencido pelo Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Raul e Nunes em 1982. Compare com hoje: até 9 clubes brasileiros (como em 2022) podem participar de cada edição da competição. Naquela época era  muito mais difícil chegar a uma final mundial.

Lembremos também que o Grêmio foi campeão da Libertadores em 1983 jogando contra o campeão mundial de 1982, o Peñarol de Fernando Morena. Foi campeão depois em 1995 jogando na Colômbia contra o Nacional de Medellin, de Higuita, base da seleção que foi à Copa de 1994. Depois foi mais uma vez campeão na Argentina, em Buenos Aires contra o Lanús, time que desclassificou o poderoso River Plate no Monumental de Nuñes.

Ou seja: ganhamos de grandes times das três maiores praças futebolísticas sulamericanas: Uruguai, Argentina e Colômbia, duas delas fora de casa. A Libertadores que ganhamos em casa foi contra o campeão do Mundo, o Peñarol. Depois disso, disputamos 3 finais mundiais e só perdemos para o maior Real Madri deste século, de Ronaldo e Casemiro. Ganhamos do Hamburgo e empatamos com o Ajax.

Para comparar, o nosso coirmão jogou uma final caseira contra o São Paulo e outra contra um time mexicano, ambas no Beira Rio. Nem de longe se compara à epopeia das Libertadores do Grêmio, que teve até a “Batalha de La Plata”, quando houve derrubada de alambrado pela fúria da torcida Argentina e espancamento de jogador gremista no túnel quando se dirigia ao vestiário. Os colorados jogaram apenas uma final de campeonato mundial, e na outra disputa que participaram perderam ainda na semifinal para um time do interior do Congo, cuja cidade ninguém lembra qual é. Esse time congolês hoje está imortalizado, dando nome a um viaduto de Porto Alegre.

Sejamos justos…. basta comparar as histórias.

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Incertezas

Bitello foi vendido pelo valor de mercado; ninguém quis pagar mais por ele. Sim, desmancharam o ataque porque precisavam de uma venda para não afundar o clube. E vamos precisar de mais vendas. Gustavo Nunes é o próximo. Não gostaram? Então torçam para o Real Madri ou o Bayern de Munique que não tem problema de grana. João Pedro Galvão foi um excelente jogador, mas que não deu certo por aqui. Todavia, tudo no futebol é aposta. Borré até agora não fez gol e não jogou nada. Suárez deu certo; um fenômeno. Já Forlán (melhor jogador da Copa anterior) foi um desastre e um escândalo financeiro; para ele deu tudo errado. Até grandes jogadores naufragam.

Jogadores médios muitas vezes se sobressaem por causa do time. Paulo Nunes é um bom exemplo. Jardel era um “perna de pau” (ok, exagero da crônica) desengonçado, mas que deu certo – aqui e na Europa, um fantástico fazedor de gols. JP Galvão tinha nome, tinha mercado, era goleador e não deu certo, mas sabemos que não existem certezas no futebol. Quando foi contratado nós vibramos com a promessa de gols. Luan deu certo algum tempo, mas o alcoolismo destruiu sua carreira aos 26 anos. Como seria possível prever isso? Quem, em dezembro 2017, aceitaria sua venda? Hoje sabemos que seria o melhor a fazer. Errou o Corinthians ao comprar? Parece que sim, mas quando chegou ao clube foi tratado como o Salvador, o Messias.

Muitos acham que futebol se gerencia como um botequim, mas são milhões em jogo, além de pessoas, famílias, carreiras, a paixão da torcida etc. E no futebol sempre se aposta no alto risco. Quem acreditaria que Jean Pierre abandonaria o futebol aos 24 anos de idade? Quem acreditaria que Luis Suárez teria o comportamento aguerrido de um garoto recém saído dos juvenis? Quem apostaria que ele seria o maior fenômeno do futebol brasileiro em 2023? Quem acertaria que Douglas Costa seria uma brutal frustração?

Não há como adivinhar. Ou melhor: tem como acertar se você tem bilhões nos cofres e pode comprar o jogador cujo talento já foi comprovado sem destruir os cofres da instituição. Não é o caso do Gremio…

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A Febre do Futebol

Eu lembro que na minha época de garoto, na virada dos anos 60-70, os salários dos jogadores da dupla Grenal eram semelhantes aos proventos de um médico ou advogado bem sucedidos; eram salários de classe média. Naquela época o dinheiro que circulava no futebol era pouco, mas a economia do país também era muito menor, uma fração do que é agora. Não havia ainda transferências de jogadores para a Europa, algo que só começou pra valer nos anos 80, com as vendas de Falcão para a Roma, Maradona para o Napoli e Zico para a Udinese – três grandes craques vendidos para times de segunda linha do futebol europeu. Lembrem que a grande seleção brasileira de 1970 tinha 100% de jogadores jogando no Brasil, inclusive o gremista Everaldo.

“Naquela época o futebol era muito mais humano”, como dizia meu irmão e saudosista profissional Roger Jones. Quando estava no colégio, todos os dias eu passava na frente do edifício onde moravam dois jogadores titulares do grande time do Internacional dos anos 70 ‐ Carpegiani e Tovar – que ficava na esquina da Av. Getúlio Vargas com a Rua Botafogo. Era (ainda é) um edifício simples, parecido com o que minha família morava algumas quadras adiante, no mesmo bairro Menino Deus que encantou Caetano Veloso. Na rua dormia o carro do Carpegiani, que era um “opalão” verde. Sim, nos anos 70 os carros dormiam na rua porque os edifícios mais antigos não tinham garagens. A gente conhecia o carro, passava por ele todas as manhãs no caminho para o Infante Dom Henrique, mas jamais pensamos em vandalizar, apesar de sermos gremistas. Esse ódio de torcidas ainda não tinha nascido, e o mais radical que existia era a flauta, o deboche e a galhofa, mas não a violência.

Outro fato curioso aconteceu quando eu já estava na faculdade. Ainda morando no Menino Deus, eu tinha uma namorada no Partenon. Aliás, a mais linda namorada que eu já tive, além de ser a única. Eu costumava pegar um ônibus, o T2, para ir na sua casa e, em uma dessas viagens, sentaram-se no último banco do T2 e logo atras de mim, dois jovens negros. Começaram a conversar e pelo conteúdo da fala percebi que eram jogadores do Internacional. Passados mais alguns minutos me dei conta que um deles era o zagueiro central titular do Inter que estava falando do interesse do Bahia em comprar seu “passe”. Hoje em dia, quando existem páginas dedicadas a descrever os carros impressionantes dos jogadores, é inacreditável pensar que há 40 anos um jogador titular de um grande clube pudesse andar de “busão”.

O futebol está passando por uma crise existencial muito grave, mas ela não se desenvolve em um vácuo conceitual. Ela é fruto da crise do capitalismo, que se manifesta em todas as dobras do tecido social. Os valores astronômicos pagos a jogadores – em boa parte atletas medíocres – e a eliminação do povo das arquibancadas das modernas arenas são uma demonstração clara da necessidade de alienar o gozo da vida a seus representantes, os heróis, gladiadores modernos, que usufruem – por nós – do gozo que nos é sonegado. Para isso pagamos valores obscenos, imorais e indecentes. Os jogadores não tem culpa disso, são apenas os vetores dessa nossa angústia, nossa insatisfação, nossa dor. “Se minha vida é um lixo, pelo menos meu time é campeão”, diz o torcedor padrão. Se não vejo sentido ou esperança na luta de classes, ao menos pagarei minha mensalidade para que minha equipe seja a grande vencedora.

Eu não acredito que a bolha do futebol vá estourar antes de uma grande crise global do capitalismo. Alguns países, como a Argentina, já saltaram na frente. Seus grandes craques já saem de lá muito cedo, empurrados pela crise econômica grave causada por esse mesmo capitalismo concentrador decadente. Não há dúvida que, mais cedo ou mais tarde, o mesmo vai ocorrer no Brasil e no mundo. O futebol também terá um choque de realidade da mesma forma como a “Febre das Tulipas” terminou na Holanda, e teremos valores circulando no futebol mais próximos da realidade do povo que o sustenta. Quem sabe no futuro os jogadores vão voltar a morar perto da sua casa e terão carros comuns na garagem.

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Torcedor

Criança: paiê, compra aquele brinquedo!!
Pai: não tenho dinheiro.
Criança: não precisa, passa o cartão.
Torcedor: presidente, compra aquele jogador!
Presidente: não há dinheiro.
Torcedor: não precisa, passa o cartão.

Torcedores são como crianças exigindo que o papai lhes ofereça o deleite de suas fantasias. Na condição de aficionados pelo nosso clube, agimos como garotinhos buscando a satisfação de nossos desejos sem perceber o custo implicado nessa tarefa. “Ora, os adultos que se virem para me garantir o que mereço”. Em verdade, muito mais chocante que a revelação da sexualidade infantil é a demonstração cotidiana da infantilidade renitente dos adultos. Por mais que venhamos a crescer, existem resquícios da nossa infância que não desaparecem jamais, tamanho o apego que devotamos ao nosso universo psíquico, infantil e dependente.

Esse é o grande dilema do futebol, na perspectiva do torcedor: para torcer por seu time é necessário abrir mão da razão e mergulhar de olhos fechados na absoluta irracionalidade das paixões. Por isso aceitamos o pagamento absurdo e doentio dado aos jogadores, tratados como príncipes, milionários e mimados. Por isso oferecemos aos jogadores tanto poder. Mas não apenas garantimos esta distinção a eles, como tambem para toda a legião de profissionais que vivem às custas dessa neurose coletiva, como comentaristas, repórteres, analistas, influenciadores, etc.

É por estas razões que qualquer sinal de racionalidade e bom senso no trato com as coisas da bola é visto como um ato perigoso, pois que toda a indústria do futebol se assenta sobre um personagem que precisa ser necessariamente impulsivo e infantil: o torcedor. Hoje, o futebol moderno aos poucos expulsa o sujeito comum das coisas do futebol. Não vai mais aos estádios, não compra a camisa oficial do clube e sequer convive com seus ídolos, escondidos em condomínios de luxo afastados da cidade. Agora o torcedor é buscado nas redes sociais, no Twitter, no Instagram, Facebook, etc. A respeito disso, há poucos dias vi uma discussão entre dois jogadores no fim de uma partida onde o xingamento utilizado, ao invés do tradicional filho da p*ta foi:

– Quem é você? Você nem tem seguidores!!!

Não importa se tem gols, defesas, campeonatos vencidos e taças erguidas. No futebol moderno – e no mundo dos boleiros – vale quem tem mais seguidores. Estes são os novos “torcedores”, mas não veja isso como um avanço; estes também precisam ser igualmente irracionais.

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Futebol, arte e imagem

Nesta época do ano os clubes de futebol no Brasil fazem as principais contratações para a temporada. Com a injeção que as Ligas recém criadas estão fazendo no futebol, alguns clubes receberam somas muito grandes de dinheiro referentes aos direitos de televisionamento. Com isso, para as estrelas que devem chegar, são prometidos salários inacreditáveis como 2 milhões de reais mensais, ou o salário de quase 2 mil trabalhadores. Eu sei: paga quem quer, ninguém é obrigado a consumir. Entretanto, as somas são impressionantes, e sempre me fazem lembrar da “Febre das Tulipas”.

Este fenômeno merece uma consideração. Por que tanto dinheiro investido em futebolistas? Pagar 2 milhões mensais para jogadores medíocres (ou seja, comuns) é a medida justa da nossa neurose, e o quanto o capitalismo, ao nos sonegar o sonho da riqueza e do sucesso, nos faz gozar através do sucesso alheio. A glorificação de jogadores de futebol, mas também do tênis, golfe, xadrez, basquete, basebol assim como antigamente o foram os gladiadores e esportistas de todo tipo, mostra que usamos destes artifícios – o circo – para anestesiar o sujeito comum, oferecendo a ele uma felicidade tão fugaz quanto alienante, já que o sistema o mantém alijado de conquistas próprias. “Você continuará um inútil, pobre e medíocre, mas seu time será campeão e seu ídolo vai conquistar as mulheres (ou os homens) que você tanto sonha”.

Aliás, li agora mesmo que o ator “exilado” em Portugal Pedro Cardoso escreveu algo na mesma linha ao dizer que se vende muito mais Beyoncé do que Tracy Chapman. Apesar de preferir a cantora de “Fast Car” à intérprete de “All the Single Ladies”, ele reconhece que Beyoncé vende muito além do que apenas sua música. Ela expõe sua vida pessoal, sua vida sexual, seu casamento, suas posses, seus perfumes e produtos, suas fofocas (ela recentemente “trocou de cor”) e seu cotidiano incrível de mulher milionária. Ela faz parte do pequeno e seleto universo de mulheres tão etéreas que sequer fazem cocô…. apenas sublimam.

Já a Tracy Chapman vende apenas arte, e através dela, seu modo especial de ver o mundo. Ela lança sobre o mundo seu olhar cheio de poesia e crítica social. Quem realmente se importa? Para quem consome o “pacote celebridade” este é um produto muito menos valorado. “Sim, mas não tem um escândalo, um “bafão”, um namoro secreto, um divórcio milionário?”Não – diz ela constrangida, apenas a minha arte, música, minha sonoridade. Desculpe” . Sim, nós não queremos arte. Queremos a gloriosa projeção que o artista nos oferece, sua fortuna, suas lágrimas, seu prêmios, sua vida fantasiosa de glamour. Queremos a vida dela, não seu olhar sobre a vida. Queremos ela, não sua arte.

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Mecenas

Pode ser uma imagem de 2 pessoas e texto

Tchê, que coisa humilhante essa eleição do internacional. Cada uma das chapas em disputa apresenta seu bilionário de estimação, com os candidatos rastejando e posando para fotografia ao lado deles. Essa subserviência genuflexa ao capital é uma miséria. E não me acusem de clubista; esse não é um problema do Inter, nem do nossos Estado. Atlético de Minas há anos tem seu mecenas (Menin do BMG) e o Grêmio está no mesmo caminho.

Daí se inventam esses apelidos fofos tipo “tio do arroz”, que não passa de um bilionário ruralista e bolsonarista ligado ao agronegócio e conectado com o que existe de pior na burguesia nacional… e o clube fica puxando o saco sem qualquer pudor.

No Inter o bilionário da oposição é o Sonda, dono de uma rede de supermercados. Já o da situação é o Maggi, que é a sétima fortuna do país e é aquele que pagou um milhão de reais para o Rodinei poder jogar contra o Flamengo em 2020. A dominação econômica desses bilionários, verdadeiros “sheiks brazucas” é um escárnio.

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