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Pensamentos e emoções

Correto. Acontece que para chegar no pensamento as ideias precisam percorrer inúmeros filtros; não existe pensamento que seja a perfeita expressão do que você sente. Já a emoção brota de forma rebelde, livre e espontânea. Por isso o sujeito se revela de forma mais pura nas epifanias e nos paroxismos de medo, raiva e paixão. O terapeuta atento e isento de preconceitos precisa prestar a máxima atenção nestes episódios, e ter uma desconfiança radical com racionalizacões e autoavaliações que o sujeito produz. Somos mentirosos e dissimulados sobre nós mesmos; condescendentes e parciais. Na profundeza do inconsciente, onde impera a escuridão e o segredo, tudo é úmido, sujo, empoeirado e feio; porém, quando as ideias emergem à consciência aparecem penteadas e de banho tomado.

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Impressões

Esses dias alguém me mostrou a foto de um antigo colega de faculdade, uma pessoa a quem não vejo há mais de 35 anos. Quando vi sua imagem lembrei de imediato de duas situações em que estivemos envolvidos nas quais ele não foi muito legal comigo. Uma das ocasiões foi nas reuniões de preparação para a cerimônia de formatura e outra ocorreu durante o atendimento de um parto, já na residência. Minha reação inicial foi um pensamento ao estilo “Não gosto desse cara, ele é arrogante e prepotente”.

Logo depois de pensar isso me dei conta que esse tipo de julgamento é brutalmente injusto. Não é concebível tratar uma pessoa – mesmo em pensamento – como se ela tivesse um caráter estanque, imutável, congelado há quase 40 anos. Não seria correto imaginar que uma fotografia distante no tempo pudesse ser a definição mais acabada do caráter de alguém. Como acreditar que a vida que teve não o jogou para lugares distantes, perspectivas diferentes, novos valores e posturas? Por que deveria ser aquela a imagem que o definiria? Ato contínuo, lembrei de uma atitude estúpida que tive com uma colega na mesma época – entre a formatura e o início da residência – e senti vergonha de pensar que ela poderia ter cristalizado essa ideia de mim, julgando-me um grande idiota, da mesma forma como fiz com meu colega de aula.

Somos muito dissimulados em nossas ações cotidianas, e temos máscaras muito bem construídas. A impressão que deixamos em nossos encontros fugazes como regra é enganosa, tanto para o bem quanto para o mal. O verdadeiro eu não pode ser vislumbrado à vista desarmada, e se o fosse não seria uma vista agradável. O simples fragmento de um encontro não é capaz de mostrar senão uma foto imperfeita e embaçada da nossa alma. Qualquer análise de um sujeito por esta breve percepção seria tão injusta quanto avaliar a beleza de uma sinfonia por uma nota isolada, aleatoriamente escolhida.

Em verdade, estes julgamentos falam muito mais de nós mesmos do que destes personagens passageiros da nossa linha do tempo. Eles, a mais das vezes, aparecem em nossa vida apenas para ressaltar as nossas próprias falhas, medos, dificuldades e limitações.

Por esta singela razão eu tenho grande admiração por aqueles que falam coisas boas de quaisquer pessoas que tenham cruzado sua trajetória. Mesmo sem o saber, esta visão positiva, compreensiva e condescendente com as falhas alheias deixa transparecer a própria luz de suas almas. Como dizia minha mãe “a boca fala do que o coração está cheio”, e o que dizemos daqueles ao nosso redor é o melhor espelho do que, em verdade, somos.

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Velhas paixões

Ficar velho é uma prática constante de surpresa consigo mesmo. Não há um dia que se passe sem que eu me assombre com minha imagem refletida na parede da memória. Olho para minhas ideias da juventude e me surpreendo ao encará-las como quem olha para uma antiga paixão. “Como pude amá-la tanto, exaltá-la com tanta devoção, a ponto de sequer conseguir imaginar viver sem ela?”.

Pois o endurecimento insidioso das articulações tem, como consolo, o alargamento das nossas percepções do mundo. O que outrora nos parecia uma lei, dura e incoercível, passa a ser um conselho, uma diretiva, uma escolha entre tantas. O que nos parecia imperdoável, nos parece apenas humano.

A velhice nos traz o direito de reconsiderar, reavaliar, esquecer e transmutar.

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Histórias presas

Na minha cabeça orbitam dezenas de histórias que não posso contar, mensagens que não posso mandar, avisos que gostaria de dar mas sei que não seria permitido, a maioria para que eu mesmo pudesse escutar. Quando eu morrer, em um tempo menor do que gostaria e maior do que mereceria, levarei comigo essas histórias proibidas, contos secretos, lembranças tristes e memórias alegres. Estarão comigo seguras, e talvez as conte apenas para mim, enquanto de lá observo as outras milhões de histórias que ainda precisam ser contadas.

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Lacrar

A internet – e mais especificamente as mídias sociais – criaram o termo “lacração” e disseminaram o seu uso. É curioso que este termo muitas vezes é mal utilizado, dando a entender que a “lacração” se refere a um argumento tão bem utilizado, e que explica um determinado fenômeno de maneira tão completa, que é capaz de “lacrar”, fechar, terminar, colocar um ponto final, já que depois do que foi dito nada mais poderia ser acrescentado. Finis est…

Na verdade a “lacração” se refere a outro fenômeno muito mais complexo. Argumentos taxativos, brilhantes, completos e definitivos – se quisermos acreditar que isso existe – são apresentados desde o início da linguagem. Org teria dito para Uth, numa caverna há 40 mil anos: “Se você acredita que soprar é a magia está enganado. A magia está no atrito dos pauzinhos, seu otário“. Um argumento excelente, que podia inclusive ser demonstrado experimentalmente. Ele “lacrou”?

Não, porque “lacrar” não está relacionado à justeza do seu argumento, sua abrangência, sua lógica ou seu encadeamento de ideias. Também não está relacionado à sua qualidade argumentativa e nem às suas virtudes de convencimento.

Na verdade, a “lacração” está relacionada à plateia. É um jogo de cena, onde seus ouvintes, leitores ou telespectadores fazem parte do argumento. O sucesso de suas ideias depende do entusiasmo de quem as escutou. Uma ironia, um escárnio, um deboche ou uma resposta provocativa “lacram”, porque a plateia delira ao ver seu ídolo fazendo sucesso com sua fala.

No território das mídias sociais, onde as pessoas se escondem atrás de telas, a possibilidade de um debate centrado nas ideias se tornou cada dia mais difícil. Mais do que apresentar boas ideias, você precisa ser alguém que galvanize a simpatia de um número cada vez maior de fãs e simpatizantes, posto que a “lacração” dependerá disso, e não de seus argumentos e posturas. Isso acabou gerando um personagem novo: “o mendigo de likes“, pois que ele sabe que só poderá “lacrar” se tiver um grupo enorme de pessoas a lhe oferecer suporte e apoio.

Todavia, eu acho que esta fase vai passar. A “lacração” já é um fenômeno decadente e começa aos poucos a ser sinônimo de “argumento frágil e demagógico”. Sou um otimista….

Lacrei? Não….

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Youtubers

Acompanho alguns canais de política, filosofia e psicologia no YouTube e acho que eles vão bem até ficarem grandes o suficiente para se importarem com seus fãs. Qualquer meio que se preocupa em não desagradar seu “rebanho” perde a espontaneidade e a credibilidade. É nítido quando suas opiniões começam a se tornar mediadas por “likes” e quando se sentem emparedados por comentários negativos. Nesse ponto já sabemos que se tornou um fantoche do seu próprio público, que assim passou a controlar sua narrativa.

Sei que ser YouTuber já é profissão, e muito rentável para alguns “influencers“, mas penso que aqueles que se mantiverem fiéis a uma específica linha de pensamento, sem fazer concessões ao desejo dos seus seguidores, conseguirão se manter como disseminadores de ideias e conceitos no universo virtual. Isso não significa manter-se aferrado a conceitos equivocados ou a incapacidade de mudar sua visão de mundo, mas que estas mudanças só ocorram por maturação, e não por pressão do mercado.

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Ideias

A transformação no campo das ideias nunca se dá pela via cognitiva, racional ou objetiva; o caminho será sempre pela estrada emocional. As evidências científicas apenas confirmam (ou não) o que desejamos acreditar por se conformarem aos nossos sentimentos, emoções, vivências e visões de mundo. Caso elas se adaptem às nossas emoções são tratadas como verdades inquestionáveis; provas irrefutáveis de uma evidência cristalina. Entretanto, caso refutem nossas CRENÇAS, serão negligenciadas, atacadas, desmentidas e – como última alternativa – poderemos transferir os ataques aos seus mensageiros.

Christopher Atwood, “The Roots of Belief”, ed. Patchwork, pág. 135

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